Psiquiatra diz que jovens devem antes aprender a lidar com ansiedade e deceção
A pressão e o imediatismo levam os adolescentes portugueses a serem dos que mais consomem tranquilizantes e sedativos na Europa, o que não surpreende os médicos.
Prescrever antidepressivos ou ansiolíticos aos mais novos sem antes ensiná-los a lidar com perturbações como a ansiedade ou a deceção é um «erro». A advertência é do psiquiatra Ricardo Alves, que sublinha que estes medicamentos são mais um «penso rápido» do que propriamente uma «cura» decisiva para um problema que está, antes de mais, na «imaturidade emocional».
«Os jovens estão a ter uma imaturidade emocional mais elevada e o imediatismo da sociedade atual leva a que procurem suprimir a ansiedade de maneira rápida, o que é, obviamente, um erro», diz o especialista ao JM.
O “European School Survey Project on Alcohol and other Drugs (ESPAD)”, aliás, um estudo que apresenta as grandes tendências de consumo de álcool e drogas por alunos com idades até aos 16anos, revela que Portugal é um dos países da Europa onde os adolescentes mais consomem medicamentos sedativos ou tranquilizantes com receita médica.
Num retrato comparado com 35 países, a percentagem de consumidores daqueles medicamentos entre os jovens portugueses chega aos 13%, contra a média de 8%.
Para Ricardo Alves, os dados não são surpreendentes. O próprio psiquiatra reconhece que a população portuguesa «consome grandes quantidades quer de ansiolíticos, quer de antidepressivos».
Em causa, diz, está não só a vontade de alcançar os objetivo sou o prazer de maneira imediata, mas também, e acima de tudo, uma «crise de valores» marcada pelo individualismo e pela pressão de corresponder às expectativas da sociedade, uma realidade que começa «cada vez mais cedo».
Como os mais novos «querem tudo para ontem» - num mundo onde se encontram constantemente divididos entre o real e o virtual -, dar um medicamento, para muitos médicos, acaba por ser «mais simples» do que «educá-los emocionalmente» para que cresçam de «modo saudável», lamenta Ricardo Alves.
DEPENDÊNCIA É RISCO ELEVADO
De acordo com o especialista, na Madeira, são tanto os pais quanto os jovens que procuram este «penso rápido». Mas entre as consequências do consumo de medicamentos como tranquilizantes ou sedativos, a dependência é «a mais grave», alerta o psiquiatra, para além de haver o risco de alterações ao nível da memória, atenção e concentração.
O especialista realça, por isso, que «não é recomendável» prescrever este tipo de medicamentos, no caso dos mais novos, por estarem em crescimento. «Não será a última das alternativas, mas com certeza que não é a primeira», destaca
As “guidelines” internacionais para perturbações de ansiedade recomendam, por outro lado, a psicoterapia como primeira intervenção, assim como a utilização de inibidores seletivos de recaptação da serotonina, «um outro tipo de substância psicotrópica que não dá dependência nem alterações cognitivas», explica.
No caso concreto dos pacientes que consomem antidepressivos ou ansiolíticos, o médico esclarece que é habitual realizar um «controlo» à medida que as receitas são solicitadas.
«Estou atento ao tempo que eles (os pacientes) pediram anteriormente (os medicamentos) e assim vou vendo se estão a consumir em excesso», diz Ricardo Alves, adiantando que, caso tal aconteça, procura propor-lhes alternativas.
Ricardo Alves lembra que a prescrição deste tipo de medicamentos não é passada sem antes conversar com os pacientes. «Muitas vezes quando encaminhamos para o apoio psicológico, é preciso treinar estratégias de “coping” para lidar com a depressão ou com a ansiedade», explica.
PRESCRIÇÃO
LETÓNIA É PAÍS COM MAIOR CONSUMO DE MEDICAMENTOS
De acordo com o estudo “European School SurveyProject on Alcohol and Other Drogs (ESPAD)”, em 2015, os países com maiores percentagens de consumo de medicamentos com receita médica foram a Letónia (16%) e Portugal(13%).
Quanto ao consumo do mesmo tipo de medicamentos sem receita médica, destacaram-se a Polónia (17%) e a República Checa (16%).
ADOLESCENTES
MUITOS TRANQUILIZANTES MENOS ÁLCOOL E DROGAS
O último estudo europeu sobre o álcool e outras drogas sem meio escolar revela que os adolescentes portugueses estão a fumar, a beber e a ficar alcoolizados com menos frequência. As conclusões apontam, por exemplo, que 37% dos jovens com idades entre os 15 e 16 já experimentaram tabaco, enquanto 19% consome correntemente - menos que os 22% da média europeia. No álcool, 71% admitiram que beberam pelo menos uma vez no último ano, tendo diminuído bastante o número de embriaguezes (28%).
Tânia R. Nascimento
Fonte: Jornal da Madeira