Rogério Correia:

O diretor do Centro de Saúde do Porto Santo destaca conquistas: a Medicina Familiar, a maior autonomia com 13 especialidades e a presença da EMIR.

Rogério Correia, diretor do Centro de Saúde do Porto Santo, afiança que os porto-santenses “têm um bom serviço de saúde” e que “ainda vão ter mais”, graças à manifesta vontade de investimento no setor. Fala com a convicção de missão cumprida, mas não finaliza- da, com a certeza de que em saúde há sempre mais a fazer e essa é a expetativa de uma população que vive isolada.

Que balanço faz das duas décadas em que está à frente do Centro de Saúde do Porto Santo?

Durante um período de sete anos estive na direção clínica, em que naturalmente coordenava o Porto Santo, e com funções diretas, de diretor, 14 anos. Isto evoluiu de uma forma positiva, que eu nem estava à espera. Tínhamos a urgência, mas não tínhamos qualquer tipo de apoio. Éramos nós que fazíamos as radiografias, de uma forma tecnicamente muito má, e não tínhamos quaisquer outros exames de diagnóstico complementar.

A nossa primeira missão foi, para além da urgência, criar as consultas de medicina familiar, uma coisa que não tínhamos. Como toda a mudança cultural e de conceito, foi uma fase muito complicada. As pessoas estavam habituadas a ir à urgência, ser atendidas de imediato por qualquer médico.

Transmitir o conceito de que a assistência contínua e acompanhada, era muito melhor do que a assistência imediata, em que não existia a vigilância e a continuidade, não se deu logo.

A consciência de que a continuidade é importante demora anos. Agora, as pessoas já sentem isso. Hoje em dia, as pessoas querem a consulta e até já perguntam quando é que vão ter consulta. Mesmo que eu diga vá à urgência ter comigo, que eu estou lá, alguns deles têm a noção que não é a mesma coisa e que no serviço de urgência, apertados pela procura, não resolvemos os problemas.

Houve uma mudança?

Sim. Aquela frase típica que o porto-santense tinha quando passava por mim até 2001 e mesmo depois: ‘Quando é que está de serviço?’, foi-se esbatendo ao longo do tempo, e agora é ‘quando é que eu posso ir à sua consulta, quando é que marca consulta, estou com dificuldade em marcar consulta…’ Isto mostra que houve uma conquista da Medicina Familiar. Foi a primeira barreira que ultrapassámos. Passar da pergunta ‘quanto é que está de serviço’ para ‘quando é que vamos ter consulta’ mostra uma vitória.

A segunda vitória, e tão importante como esta, foi criar as autonomias, com valências e competências. O raio-x apareceu em 1999/2000. Se temos um traumatismo, temos a garantia do raio-x de qualidade. Antes fazia os raio-x, mas não tinha competência nem o próprio aparelho que existia tinha essa capacidade. A diálise começou em 2003. Tínhamos doentes que, três a cinco vezes por semana, iam ao Funchal fazer a diálise. Ter a autonomia para fazer aqui foi muito importante. Entretanto, foi ampliada. Mais tarde, com as análises, em 2009, para aquelas dores abdominais, que dão umas dores de cabeça terríveis e não sabíamos se era apendicite ou outra situação clínica, temos a garantia de análises de urgência com resposta imediata.

Temos as ecografias e o serviço de dentista, que sempre tivemos, foi re- forçado com uma higienista oral e duas cadeiras, que praticamente não tem lista de espera. Depois de criar a Medicina Familiar, precisamos criar mais consultas de especialidade, mais apoio nos exames complementares e mais técnicas (e falando em técnicas, refira-se a pequena cirurgia do olho, que também se começou a fazer há dois ou três anos). Estas competências deverão estar li- gadas para, cada vez mais, os doentes encontrarem resposta no Porto Santo para situações clínicas, com o apoio dos colegas do hospital.

Não menos importante, mais virada para a urgência, e não sendo uma valência do centro de saúde, é a EMIR, que é uma valência urgência pré-hospitalar. Os colegas que estão na EMIR têm as suas especialidades, ou cirúrgicas ou médicas, e são muito importantes de- pois no apoio e nos conhecimentos que vamos adquirindo. Com a EMIR, determinadas situações médicas podem ser abordadas aqui, porque esses colegas, com as competências de pré-hospitalar, ajudam a que alguns desses doentes sejam seguidos aqui e não sejam enviados para o Funchal.

E é isso que tem acontecido?

Isso tem acontecido. O importante é isso, é assegurar no local o máximo de resposta para os nossos utentes, com qualidade.

Agora teremos a nossa segunda guerra cultural, tal como aconteceu com a Medicina Familiar. Ou seja, transmitir na prática que aquilo que estamos a criar [no Porto Santo] oferece a mesma qualidade do que quando vão ao Funchal, com um benefício de que o doente tem os familiares próximos dele. Vai ter tratamento de qualidade com o carinho da sua família.

E recursos humanos? Tem os médicos suficientes?

Temos cinco médicos para os cuidados primários de saúde.

 

E têm listas de espera?

Listas de espera é impossível porque temos seis mil utentes. O que não temos é muito tempo para a consulta, porque às vezes ocupamos muito do nosso tempo na urgência. Com cinco médicos estamos bem, com seis ficaríamos ótimos.

Devido à sazonalidade da ilha em termos turísticos, há algum reforço de médicos?

Sim, para além dos cinco médicos, temos o tal sexto médico que, neste momento, vem ao Porto Santo de uma forma rotativa. Penso que este sexto médico, em termos futuros, deve estar estabilizado.

Qual a média de atendimentos na urgência nesta época?

Viemos do inverno com um movimento médio de 30 doentes por dia, na urgência. Em junho e julho passámos para os 50/60 doentes e neste momento estamos com 70/80 por dia. Nas consultas não há muita alteração, porque as pessoas também têm menos tempo para vir à consulta…

Acabou de fazer urgência. Teve uma noite calma ou nem por isso?

Felizmente, esses 70/80 não são à noite. Durante a noite aparecem uns seis ou sete, mas, por exemplo, já estive a ver que nesta primeira hora do dia já vamos em 20 doentes. São dias pesados, mesmo para dois médicos, mas responde-se…

São pessoas de cá ou de fora?

Mais de fora, claro. Esse aumento de 30 por dia [de afluência à urgência] é porque a população de repente vai para os 30 mil.

Falou há pouco em cuidados paliativos. Há alguma necessidade?

Já temos essa unidade, o que disse é que este centro de saúde poderia ficar para cuidados paliativos e continuados, para o doente crónico e de diálise, e criaríamos uma unidade de ponta para a abordagem imediata, com o tal reforço de cuidados hospitalares.

Pelo que me disse, os porto-santenses têm o essencial?

Têm um bom serviço de saúde. Em termos de saúde, queremos sempre mais e então numa zona isolada, com o medo que as pessoas têm de não ter a solução imediata, na porta ao lado, porque há uma barreira geográfica, é evidente que o desejo é sempre ter mais. Temos um bom centro de saúde, com boa resposta, com indicadores de saúde bastante bons. Relativamente à percentagem de evacuações que temos nesta ilha, em relação às outras ilhas atlânticas, se estamos nos 1,5% ou 2%, os outros estão nos 5%. Já temos muitas autonomias, o reforço (pode ser um preciosismo) é muito importante, sobretudo para aumentar a qualidade e reduzir, ainda mais, este número de doentes que nós enviamos. Têm um bom centro de saúde e vão ter mais. Não estava à espera, desde 1997, que houvesse, sobretudo nos últimos anos, um grande investimento no setor e, mais do que isso, o desejo inerente a todos, de que se invista cada vez mais em saúde. Por isso é que esta visão, que eu não teria coragem de ter há 10 anos, tenho agora. Com a vontade de investir que há nesta terra, não é uma visão assim tão utópica. Está na cabeça de toda a gente oferecer mais, em quantidade e qualidade à população.

In “JM-Madeira”