Que a poluição atmosférica era prejudicial para os pulmões já se sabia. O que não se sabia, e foi concluído agora, é que também afeta o coração e o fígado, “e todos os outros órgãos do corpo humano”, e “potencialmente todas as suas células”. O estudo foi realizado pelo Fórum Internacional de Sociedades Respiratórias.

Demência, doenças pulmonares e cardíacas, no fígado, problemas de fertilidade, diabetes, cancro da bexiga e do intestino. A poluição atmosférica poderá estar na origem de cada um destes problemas de saúde, concluiu um estudo realizado pelo Fórum Internacional de Sociedades Respiratórias, organização composta pelas principais sociedades respiratórias internacionais. “A poluição atmosférica pode potencialmente afetar, de forma aguda ou crónica, todos os órgãos do corpo humano”, afirmam os cientistas que elaboraram o estudo publicado na conhecida revista científica “Chest”.

Os mesmos observam que “partículas ultrafinas passam pelos pulmões e são rapidamente captadas pelas células e transportadas pela corrente sanguínea, expondo virtualmente todas as células do corpo”. São também afetados a pele e o sono, tendo sido recolhidas provas científicas que atestam a ligação entre a poluição e as insónias. “Estudos em animais mostraram que estas partículas podem mesmo percorrer o nervo olfativo e chegar ao cérebro”, referiu o investigador que liderou o estudo, Dean Schraufnagel, da Universidade de Illinois em Chicago, acrescentando que a poluição pode ainda condicionar a forma como os genes funcionam.

Uma das conclusões mais reveladoras do estudo relaciona-se com o impacto da poluição atmosférica no sistema reprodutivo, através da diminuição da fertilidade e do aumento dos abortos espontâneos. Os recém-nascidos também são afetados, tendo sido encontradas por outro grupo de cientistas da Universidade Queen Mary, em Londres, partículas de poluição atmosférica na placenta de grávidas, conforme assinalado num estudo publicado em setembro de 2018.

O impacto é vasto e os efeitos profundos e, muitos deles, irreversíveis, mas Dean Schraufnagel teme que a maioria dos médicos não tenha conhecimento disso. “Alguns não sabem que a poluição atmosférica afeta o órgão ou órgãos em que eles são especialistas. É preciso que tenham isso em consideração.”

OMS SUBLINHA IMPORTÂNCIA, CREDIBILIDADE E DIMENSÃO DO ESTUDO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem deixado vários alertas para o problema, tendo já classificado a poluição atmosférica como “uma emergência de saúde pública” — 90% da população do mundo respira ar poluído, vivendo em áreas onde a poluição do ar ultrapassa os limites máximos de segurança, segundo a organização (a Ásia, a Europa Ocidental e algumas partes de África são as áreas mais atingidas). Estudos recentes indicam que 8,8 milhões de pessoas morrem em todo o mundo devido aos elevados níveis de poluição, que mata já mais do que o tabaco.

Maria Neira, diretora de saúde pública da OMS, sublinhou a importância, credibilidade e dimensão do estudo, que “acrescenta ainda mais informação e evidências científicas” àquelas que a organização já tinha sobre o problema. “Há mais de 70 mil artigos científicos que mostram que a poluição está a afetar a nossa saúde”. A diretora tem a certeza de que, no futuro, outras doenças serão associadas à poluição atmosférica, nomeadamente a doença de Parkinson e o autismo, casos “em que ainda não está provada ligação mas não demorará muito a estar”.

In “Expresso”