Presidente do IASAÚDE, Herberto Jesus, considera “infeliz” o caso protagonizado pelo médico Rafael Macedo
O presidente do IASAÚDE não tem dúvidas de que o sistema regional de saúde vai sobreviver aos abalos causados pela polémica em torno da Unidade de Medicina Nuclear. Herberto Jesus nota que os utentes mantêm a confiança na saúde regional, apesar de reconhecer que os últimos acontecimentos abalaram o sistema.
Entende que o SESARAM sofre atualmente de “dores de crescimento”, com mais serviços e respostas, mas também com uma população mais exigente. Hoje, é Dia Mundial da Saúde e o acesso a este bem, na Madeira, é “excecional”.
Celebra-se este domingo o Dia Mundial da Saúde, com o tema a nível nacional “Cobertura Universal da Saúde”. Como se encontra a Madeira em termos do acesso dos cidadãos à Saúde?
O objetivo essencial da Organização Mundial da Saúde é que todos os seres humanos tenham direito aos cuidados básicos de saúde. Mas temos de pensar que há partes do mundo onde isso não acontece. Na Região Autónoma da Madeira temos um acesso aos cuidados de saúde excecional. Se nós tivermos doentes no momento 'X', podemos nos dirigir a um sítio e sermos logo tratados. A nível de acesso, como define a OMS, na Madeira é universal, 24 horas por dia e todos os dias do ano, o que é um pouco diferente depois nos cuidados continuados no dia a dia de doenças crónicas.
Como vai a Madeira assinalar a data?
Estão programadas algumas atividades. No Serviço Regional de Saúde, teremos neste dia 7 o alargamento do horário de visitas, nos mesmos moldes que o horário no dia de Natal. Teremos também, no dia 9, um evento organizado pela Secretaria Regional de Saúde e pelo IASAUDE, com a participação de todos os ele- mentos sobre a saúde mental, uma das áreas de saúde mais importantes a nível mundial. Vamos participar, com a Pastoral da Saúde, numa visita ao Lar Intergeracional da Tabua.
A saúde na Madeira sofreu, nos últimos tempos, um forte abalo, por causa da polémica em torno da Unidade de Medicina Nuclear. Os efeitos ainda se sentem e vieram mostrar fragilidades no serviço regional de saúde. Como analisa esta situação?
O Serviço de Saúde é constante, universal. Nos últimos anos tem havido um grande crescimento no noso serviço de saúde, com mais serviços e especialidades, mais acesso a exames. O desenvolvimento, desde os anos 70 até hoje, tem sido exponencial. Hoje em dia, podemos mesmo dizer que estamos na Europa. O que acontece é que estamos nas chamadas dores de crescimento, em que a própria população exige cada vez mais de nós, porque temos mais serviços para oferecer. E a população começa a preocupar-se mais com a sua saúde. É natural que estes eventos que têm ocorrido nos últimos tempos abalem um pouco o sistema.
Mas nós estamos confiantes de que o sistema vai prevalecer, porque nós precisamos da Saúde. Penso que é uma fase, como haverá outras, mas continuo a acreditar que a Saúde vai prevalecer, porque é o nosso bem maior.
Os abalos vão sempre ocorrer. Eu prefiro pensar que, acima de tudo, está uma região independentemente dos pequenos percalços que possam ocorrer. Uma coisa eu posso garantir: nós temos excelentes profissionais de saúde, que se dedicam de alma e coração ao que fazem e que também deveriam ser acarinhados.
Quando fala em dores de crescimento, a Saúde regional teve dificuldades em acompanhar essa própria evolução?
O SESARAM tem acompanhado com os recursos que tem. A nível nacional e mundial, há uma grande carência de recursos humanos na área da saúde e, com os recursos que tem, tem feito o seu melhor. E até tem criado novos serviços à população. Mas, se formos a avaliar o que se passa a nível internacional, cada vez é mais raro certas especialidades médicas ou cirúrgicas. Temos de encontrar mecanismos para colmatar essas falhas, através de contratações externas e o que for necessário. Podemos é pensar noutra coisa: que saúde queremos ter no futuro?
Nós já temos uma série de serviços altamente diferenciados. Será que vamos manter esses serviços e melhorar em determinadas áreas? Temos um sistema com quase tudo. Só não temos uma unidade de queimados. Temos é de pensar no futuro que, para manter a sustentabilidade deste sistema, só há uma solução: as pessoas têm cada vez mais de cuidar de si, para se ter menos doença e com isso, a Saúde ter mais recursos. Se nós todos olharmos para a Região de uma maneira onde vamos colaborar para a sustentabilidade da mesma, tudo é possível. As dores de crescimento ocorrem porque estamos, de facto, a crescer. Nós nunca paramos. Temos investido cada vez mais na Saúde na Madeira e somos reconhecidos internacionalmente por isso. Queremos crescer mais e mais, com a ajuda da população.
Mas há quem considere que este problema na Saúde tem a ver com um conceito de que a Saúde é cada vez mais um negócio…
Eu sou muito purista nessa área. Sempre fui pela causa pública. É lógico que se o Sistema de Saúde público está numa fase em que existe uma grande procura, eu não acho errado, com determinados critérios de qualidade semelhantes aos do sistema público, que o sistema privado dê uma ajuda. Mas isso tem de ser muito controlado e com fiabilidade dos resultados. Eu só aceito essa complementaridade se houver critérios de qualidade e de segurança rígidos. O nosso objetivo até hoje foi sempre privilegiar o sistema público a dar uma resposta adequada.
Quando isso não acontece, recorremos à complementaridade do privado. Onde eu estou, não posso pensar em negócio. Tenho de pensar em efetividade clínica e em custo/benefício.
NÃO HOUVE PERDA DE CONFIANÇA
Ultimamente, a saúde pública tem estado na berlinda. Sente que houve uma perda de confiança?
No geral, não há perda de confiança. Continuamos a ter muita gente nas Urgências e nas consultas externas, tanto hospitalares tanto nos cuidados primários. Pontualmente, por algum motivo ou por juízos de valor, poderá haver um ou outro caso, como sempre existiu.
Muitas vezes, os profissionais que trabalham no público também trabalham no privado. Não podemos pôr em causa diferenças de comportamentos. O sistema público de Saúde é, neste momento, a nossa salvação em situações de emergência.
E em relação ao médico que levantou toda esta polémica, há condições para o dr. Rafael Macedo voltar ao serviço público?
Eu considero que foi um caso infeliz. É um processo que está a decorrer em diferentes áreas e a conclusão chegará com critérios. É uma situação lamentável para todos nós. Não sei quais são as decisões ou em que fase é que está o processo, porque é uma área que me ultrapassa. Mas tenho um pouco de tristeza por isto ter acontecido na nossa Região.
Muito se tem falado nesta polémica em torno da promiscuidade entre o setor público e privado. O IASAÚDE tem competências de fiscalização, mas só atua, segundo disse na Comissão de Inquérito na Assembleia Legislativa, mediante denúncias. O IASAÚDE fez algum tipo de investigação sobre esta matéria?
Hoje em dia, com as unidades de saúde que nós temos e a equipa que nós temos, é impossível criar um programa de vistorias periódicas. Humanamente, é impossível fazermos isso. O que nós fazemos muitas vezes é através de denúncias, ou suspeitas fundamentadas de profissionais de saúde. Nós avançamos, validamos e fiscalizamos. Tem é de haver uma denúncia, anónima ou não, ou até que a comunicação social nos alerte. E fiscalizamos com rigor, que não temos outra forma de atuar. Muitas das vezes, tratam-se de processos de fiscalização a unidades de saúde. Há muitas reclamações de utentes dos sistemas privado e público, que nós avaliamos imediatamente. Normalmente, enviamos a resposta da fiscalização à unidade de saúde visada e ao utente que fez a reclamação. São situações muito pontuais, ligadas a atrasos nas consultas, ausência do prestador de consulta, avaria de equipamentos. As grandes queixas, se houver, é o SESARAM que trata ao nível do sis- tema público.
NÃO SAÍRAM MUITOS MÉDICOS PARA O PRIVADO
Com a abertura do novo hospital privado para breve, tem sido notícia a saída de médicos do público para a nova unidade hospitalar. Como vai o SESARAM compensar esta situação?
O novo hospital está em processo de licenciamento. Eu diria que não são muitos os médicos que saíram do sistema pública. Não chegam a meia dúzia até hoje. Como não são muitos, em princípio, não haverá grandes alterações do funcionamento do sistema público, exceto se houver saída de mais e de especialidades-chave. No entanto, o que o Hospital tem feito é contratações externas para colmatar essas falhas. Não abandonamos a nossa população.
E o futuro pode levar à saída de médicos do público para o privado? Ainda compensa trabalhar no setor público?
Eu acho que o sistema público permite, apesar de tudo, uma ligação, formação de equipas, acesso a várias valências que não se tem no privado. Eu sei que o sistema público permite uma certa evolução, dependendo do funcionário, enquanto que o privado, neste momento, não sei se será bom na vertente da formação. Eu continuo a achar que o público tem muito maior capacidade, nem que seja pela sua dimensão e multiplicidade de serviços.
De tempos a tempos, ouve-se falar de falta de medicamentos no hospital e nas farmácias. São problemas ultrapassados, ou continuam a preocupar?
Ultimamente, é raro, graças à via do medicamento do INFARMED e a própria gestão hospitalar. Hoje em dia, os fármacos raramente falham. Isso poderá acontecer se o distribuidor ou a fábrica deixarem de produzir, o que tem sido pontual.
A nível dos fármacos mesmo necessários, não tem havido nenhuma falha catastrófica de medicamentos. Em 2017, era um tema recorrente, mas felizmente, não tem havido falhas, o que é muito bom para a Região. Mas eu preferia também que as pessoas tomassem mais conta da sua saúde, para evitar a toma de medicamentos.
Ainda recentemente, o presidente da Ordem dos Farmacêuticos visitou a Madeira para verificar situações complicadas em termos de farmácias com graves problemas financeiros. Como está a Região em termos de dívida às farmácias?
Nós melhoramos muito ao longo dos últimos anos. Até 2015, havia dívidas às farmácias, mas isso está completamente regularizado. Nós pagamos todos os meses às farmácias comunitárias. Foi um grande feito para nós, porque tínhamos um historial. Mas, neste momento, não temos nenhuma dívida às farmácias. Ao fim ao cabo, ao longo dos anos, houve muitas coisas que melhoraram e a população não o sente porque não são visíveis.
Nos últimos dias, a candidata do PS às eleições europeias defendeu um plano regional de saúde, à semelhança do que acontece a nível nacional. Não existe esse plano?
Eu penso que a candidata devia se informar um pouco melhor porque, de facto, na nossa Região existe o Plano Regional de Saúde Extensão 2020. E até diria mais: era útil que ela visse esta entrevista, porque, além de haver essa extensão do plano, nós já contactamos a Direção Geral de Saúde para nos incluir no grupo de trabalho, para já preparar o futuro.
Quem conhece e vive na Madeira, sabe que tem certas particularidades. Nesse grupo de trabalho, vamos dar a nossa perspetiva sobre o que precisamos para a nossa Região. Ou seja, queremos a extensão do plano a partir de 2020.
As listas de espera continuam a ser um problema dramático na saúde regional. O dr. Miguel Ferreira disse no Parlamento, que nunca será possível resolver esse problema. Partilha da mesma opinião?
As listas de espera são constituídas ao longo de muitos anos. Muitas vezes, os exames são pedidos por uma questão de conforto tanto do próprio paciente como do próprio prestador de serviço. Se nós conseguirmos reduzir ao que for mesmo necessário, as listas de espera vão diminuir. Mas, com a população cada vez mais idosa e com a oferta que temos de exames complementares de diagnóstico, nunca deixará de existir listas de espera. Contudo, para os tratamentos agudos e emergentes, não existe lista de espera, os doentes são logo tratados e bem tratados.
Agora, temos de pensar é qual o mecanismo a criar para consciencializar as pessoas e os prestadores de forma a serem feitos apenas os exames mesmo necessários. A definição de lista de espera como um processo em que se marca hoje uma consulta e outra dentro de três meses, e fica em lista de espera, tem de ser alterado do ponto de vista informático, um trabalho que já está a ser feito. Dar um nome às coisas sem entendê-las torna-se muito mau para nós. Ou seja, vai haver sempre a chamada lista de espera. Tem de haver uma confiança do prestador de saúde em saber o que é necessário para o paciente, que não pode chegar ao serviço e pedir vários exames.
Tem de haver literacia em saúde, que é muito importante, mas é difícil de passar para a população, para a pessoa ter capacidade e informação suficiente, para quando chegar a um serviço de saúde não pedir logo uma ressonância. Tem de haver uma educação positiva para a população e para todos nós, que é essencial. Só assim conseguiremos viver melhor, sem os estigmas e sem os problemas que têm afetado a Saúde na Madeira.
Paula Abreu
Miguel Guarda
In “JM-Madeira”