No Dia Europeu da Fibrose Quística, uma doença genética, Beatriz conta como foi esperar por um transplante pulmonar. “Causa muita ansiedade.” Sebastião está nessa fase: à espera.

 

Até fazer um transplante pulmonar, aos 18 anos, a falta de ar e os internamentos eram uma constante na vida de Beatriz Ferreira. A jovem, actualmente com 25 anos, foi diagnosticada com apenas três meses. “Tinha imensa falta de ar e bronquiolites, mas no Hospital das Caldas suspeitavam que podia ser outra coisa”, explica. “Só quando fiz o teste do suor [teste padrão para a identificação da doença], é que se soube que se tratava de Fibrose Quística.”

 

Já com Sebastião Hibon, o cenário foi bastante diferente: “Até aos 16 anos vivi lindamente, sem grandes limitações. Sempre fui muito activo”, conta. Quando começou a desenvolver sintomas, foi a mãe que, por acaso, tinha lido sobre Fibrose Quística, que desconfiou. “Devido à minha idade e aos sintomas que eu tinha, ela sugeriu aos médicos fazer o teste.”

 

Hoje é Dia Europeu da Fibrose Quística. E já não se chega ao diagnóstico final através de palpites. Desde 2013 que esta doença genética — que torna o líquido dos pulmões viscoso, dificultando a respiração e provocando infecções, mas que também afecta outros órgãos — está integrada no Painel de Doenças do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce. Assim que um bebé nasce, é feito o despiste da doença através do “teste do pezinho”.

 

Segundo Marco Liebermann Costa e Silva, pneumologista, “quanto mais precoce o diagnóstico em vida, mais cuidados terapêuticos os doentes terão e menos lesões pulmonares poderão surgir”. Em Portugal, existem 400 pessoas diagnosticadas, de acordo com o site da Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ). No mundo serão cerca de 75 mil.

 

 “No dia 1 de Junho de 2011 fui chamada para transplante”, lembra Beatriz. “Só que quando cheguei ao hospital à noite, disseram-me que o transplante não era para mim. Era para outra rapariga que precisava mais do que eu.” Esta é uma situação que pode ocorrer quando existe mais do que uma pessoa compatível com um determinado órgão. E, mesmo que um doente tenha entrado há mais tempo na lista de espera, o órgão é entregue a quem se encontra num estado mais crítico. “Quando estava pior, pensava ‘e se agora eu precisar de uns pulmões, agora mesmo, e não houver um dador?’. Isto é algo que causa muita ansiedade.”

 

A esperança média de vida de uma pessoa com Fibrose Quística varia hoje entre os 35 e os 40 anos. Com a idade há um agravamento dos sintomas e dos danos causados nos órgãos. No entanto, segundo o pneumologista Marco Liebermann Costa e Silva, “prevê-se que as crianças nascidas com Fibrose Quística nos anos 2000 sobrevivam até aos 50 anos”. Esta é uma melhoria significativa, quando comparada com a esperança média de vida nos anos 60, que rondava os 10 anos de idade.

 

Tanto Sebastião, que tem hoje 26 anos, como Beatriz, contam que sempre procuraram ao máximo esconder a doença. Porém, a partir do 11.º ano, a rapariga dos caracóis loiros passou a ter que viver, 24 horas sobre 24 horas, com um trólei de oxigénio. “A partir do momento que comecei a andar com o oxigénio, as pessoas olhavam para mim com olhar de ‘coitada’ e eu pensava ‘não sou uma doença com pernas’.”

 

A doença não é contagiosa, mas é hereditária. Afecta não só o aparelho respiratório, como o aparelho gastrointestinal e o aparelho reprodutor. Desde tosse persistente, expectoração espessa, hemorragias nos pulmões, obstrução intestinal, insuficiência pancreática e infertilidade, a Fibrose Quística também pode causar diabetes.

 

À espera de pulmões

 

Com o intuito de atrasar o desenvolvimento da doença e aliviar os sintomas, existem várias terapêuticas — da medicação diária, à fisioterapia respiratória. E os doentes podem usar os serviços prestados pela ANFQ, que oferece um “programa de fisioterapia respiratória domiciliária gratuito, um apartamento de acolhimento também gratuito, destinado a pacientes e familiares de fora da Grande Lisboa, e ainda TeleAulas no Hospital de Santa Maria, destinada a crianças internadas em idade escolar”, explica Paulo Martins, membro da direcção da ANFQ.

 

Mesmo que todos os cuidados médicos sejam seguidos à risca, os internamentos hospitalares são frequentes. “Fiquei mais de um mês no hospital e é difícil em termos físicos e emocionais”, confessa Sebastião. No caso deste jovem, o principal motivo que o levava — e leva — até ao hospital são as infecções pulmonares, que resultam em hemorragias pulmonares, as chamadas hemoptises.

 

Quando se tem uma hemoptise muito grande, pode-se fazer uma embolização da artéria brônquica, para tentar estancar a hemorragia interna dos pulmões”, conta Sebastião. “E, supostamente, depois melhora-se durante uns tempos. O problema é que aumenta a pressão nas outras artérias à volta.” Além deste efeito, as hemoptises obrigam o doente a ficar em repouso absoluto e a não extrair a expectoração, o que agrava as infecções respiratórias. “Torna-se um ciclo.” “Posso ter hemorragias a qualquer altura, daí neste momento ser considerado candidato para transplante [de pulmões]. E pronto, agora estou à espera”, lamenta.

 

 “Lutar é ganhar”, um grupo no Facebook, e fibrosequistica.org, um site de informações sobre a doença, são escapes que Beatriz e Sebastião criaram para desabafar e prestar informação sobre a doença. No entanto, para Beatriz, o grupo de apoio no Facebook, criado por uma das suas grandes amigas, em 2011, hoje já não faz sentido. “Na fase da adolescência em que eu estava, a página foi importante e eu sentia-me apoiada. Mas depois deixou de fazer sentido porque eu já me sentia uma pessoa normal e já não queria estar tão focada na doença”, relata. Hoje, Beatriz tem uma vida sem limitações, explica, trabalha nos recursos humanos de uma empresa. 

 

Já Sebastião sente que há “necessidade de mostrar, com clareza, exactamente aquilo que se passa”. A ideia da fibrosequistica.org, em que está a trabalhar, é “mostrar, com sete factos, o que é a doença, os problemas reais”. É que na sua opinião, as campanhas que são feitas são “muito importantes”, mas muitas passam uma mensagem floreada daquilo que é a doença.

 

CATARINA ISAAC

 

In “Público