Em vigor desde agosto, no hospital e nos centros de saúde
Quem está doente precisa de ser cuidado, mas também o cuidador precisa de alguém que olhe pelas suas necessidades, podendo estar aqui uma forma de prevenção dos chamados abandonos nos hospitais.
Com o intuito de fazer a avaliação dessas necessidades, foi criada, no âmbito do Serviço Social do Serviço Regional de Saúde, a consulta do cuidador, em vigor desde agosto passado, no pressuposto de que “cuidar é algo exigente”, interessando, por isso, acautelar o bem-estar de quem cuida. “A consulta (realizada nos centros de saúde ou no hospital) é feita em função do doente mas dirigida para a avaliação das necessidades do cuidador, para evitar situações de sobrecarga, de exaustão e de prevenção de situações de utentes que são deixados nos serviços de saúde”, sublinha o coordenador do Serviço, Pedro Fonseca. Os assistentes sociais fazem a avaliação, auxiliam na elaboração de um plano de cuidados e também de 'autocuidados', que contemple “tem po para prestação dos cuidados, tempo para descanso ou para se cuidar”, adianta.
IDOSOS A CUIDAR DE IDOSOS
“Quem cuida quase deixa de ter vida e participação social em função da responsabilidade que assumiu.
Quem, por exemplo, tem a seu cargo um idoso com patologia mental, como uma demência, as exigências são de manhã à noite. A pessoa aguenta, um mês, dois, três, mas ao fim de algum tempo pode acabar por ficar doente, por depressão ou por exaustão…”, acrescenta Pedro Fonseca.
O nosso interlocutor alerta-nos para o facto de haver “idosos a cuidar de idosos” sendo a faixa dos 60 anos uma das que exigem maior atenção.
“Não é invulgar, nos nossos dias, haver pessoas nestas idades com uma vida sobrecarregada, a cuidar dos ascendentes e dos descendentes. Ou seja, têm os pais vivos e têm de cuidar deles porque já são muito idosos, têm filhos na casa dos 30 que saem do mercado do trabalho, têm filhos que em caso de divórcio voltam à casa dos pais, têm netos que estão ao seu cuidado porque os pais emigraram ou têm netos para ir buscar à escola e ainda fazem refeições…”, nota.
SIGILO GARANTIDO
Pedro Fonseca sublinha que a consulta é sigilosa permitindo aos cuidadores exporem todas as suas dificuldades. Ao assistente social cabe indicar todas as respostas sociais disponíveis, ao nível do apoio domiciliário, da reabilitação e de centros ocupacionais, entre outros, tendo como elo de ligação a Segurança Social. “A consulta é feita com o assistente social mas o trabalho é desenvolvido em contexto multidisciplinar. Para uma avaliação mais fina e de proximidade, o assistente social vai à casa do doente integrado numa equipa de apoio ao domicílio, de enfermagem, por exemplo”, salienta.
As famílias também são informadas acerca das respostas ao nível do privado. “Existe o serviço domiciliário que é gratuito, mas há empresas que também oferecem pacotes e há famílias que os podem preferir”, acrescenta. “O que reconhecemos é que ninguém pode estar melhor do que na sua habitação, exceto aqueles que são vítimas de violência, de maus tratos. Tem havido um reforço e incremento de apoios, mas também temos de contar com o envelhecimento das pessoas. As equipas também estão a envelhecer e o Estado não tem conseguido acompanhar essa realidade”, considera.
Permanecer em casa, sim, mas em condições de segurança e essa é uma preocupação que o assistente social tem, conforme nos diz Pedro Fonseca.
“Não queremos que a pessoa saia de um período de internamento e depois esteja desprotegida. Tem de estar assegurada a continuidade de cuidados e há circunstâncias em que isso não acontece e temos de encontrar as respostas”, esclarece.
Nos casos de doentes idosos em que as respostas não existem no exterior, e acabam por ficar nos hospitais, Pedro Fonseca defende que deve haver mais internamentos em lares, atualmente designados, Estruturas Residenciais para Idosos (ERI).
IDOSOS E INCAPACITADOS
Atualmente, e de acordo com o nosso interlocutor, estão aos cuidados das unidades de Internamento de longa duração (nos hospitais Dr. João de Almada, São Vicente, Santana e Calheta), “cerca de 500 doentes”, sendo que entre estes não há apenas população idosa. “Uma larga maioria são pessoas com 65 e mais anos, mas há também pessoas em idade ativa que no decurso de acidentes de trabalho ou de viação ficam incapacitados e, embora tendo alta médica, não há estruturas na comunidade para eles regressarem; ficam tetraplégicas ou acamadas e precisam de muita ajuda”, esclarece.
Na faixa inferior aos 65 anos, o assistente social distingue ainda as pessoas com doenças incapacitantes que os deixam completamente dependentes, a exigir cuidados permanentes. “A nossa filosofia é encontrarmos, junto da comunidade, solução e resposta para estas pessoas. Vão saindo, mas a velocidade a que vão entrando é superior à capacidade das respostas que nós encontramos e daí vamos ficando com muitas pessoas”, diz.
Desmistificando o que diz ser uma “informação que vai passando de boca em boca”, ou seja, a ideia de que os internados de longa duração “são pessoas abandonadas no hospital”, Pedro Fonseca afirma que “situações de claro abandono são excepcionais”.
ASSISTENTES SOCIAIS EM FALTA
“O que existe é, por um lado, uma enorme dificuldade que as famílias têm de conciliar a atividade laboral com a prestação de cuidados. Por outro lado, são doentes com situação de grandes dependências e sem condições de habitabilidade; alguns vivem em casas que estão desajustadas à condição em que se encontram, outros vivem isolados ou em locais de difícil acesso (muito comum na Madeira) e há também os que pura e simplesmente não têm família e, como sabemos, as famílias também estão a ficar mais pequenas…”, explica. O Serviço Social do SESARAM possui 21 assistentes sociais; 11 estão integrados nas três equipas de saúde dos hospitais Dr. Nélio Mendonça, Marmeleiros e Dr. João de Almada, e os restantes 10 prestam serviços nos centros de saúde, alguns em exclusividade, outros 'dividem-se' por diferentes unidades de cuidados primários. Questionado pelo JM, Pedro Fonseca admite a necessidade de, pelo menos, mais três assistentes sociais, para reforçar as equipas, atendendo a que as zonas Oeste e Norte “estão a descoberto” e acrescenta que essa sensibilização tem sido feita, há já alguns anos, junto da tutela, mas, à semelhança de outros setores, a crise falou mais alto.
DOIS EVENTOS ESTE ANO
O trabalho do serviço não se esgota nos idosos, sendo transversal a todas as faixas etárias, intervindo os assistentes sociais em diferentes quadros, como, por exemplo, no acompanhamento de grávidas e de crianças e em situações de catástrofe, de que são exemplo o 20 de Fevereiro e os incêndios. Parte da dinâmica da Unidade de Ação Social do SESARAM (nome recentemente atribuído a este serviço que acompanha o Hospital Dr. Nélio Mendonça desde a sua inauguração) estará em evidência em dois eventos previstos até final do ano.
O primeiro, nos dias 15 e 16 outubro, no Colégio dos Jesuítas, será o 3.º Forum da Pessoa Idosa, que visa proporcionar uma ampla reflexão e debate sobre o envelhecimento, na perspetiva da prevenção e da promoção da qualidade de vida. Na primeira quinzena de dezembro, ainda sem local definido, o serviço assinala o Dia da Declaração dos Direitos da Criança.
Iolanda Chaves
In “JM-Madeira”