Hoje assinala-se pela primeira vez o Dia Nacional do Psicólogo, resolução aprovada em Assembleia da República que visa engrandecer o trabalho desenvolvido por estes profissionais.

 

O DIÁRIO esteve à conversa com o presidente da delegação regional da Ordem dos Psicólogos, Renato Carvalho, para conhecer a fundo a realidade desta área que forma por ano cerca de 1.800 profissionais.

 

Os psicólogos são valorizados pela sociedade? Os psicólogos são cada vez mais valorizados e isso não só se nota pela adesão e pela procura que se tem assistido nos serviços de psicologia, que têm vindo a subir nas várias áreas, como a saúde, educação, socio-comunitária, no sector privado e empresas, embora neste último caso esteja um pouco aquém daquilo que desejaríamos, mas também pelos níveis de satisfação das pessoas depois de passarem por uma intervenção. Segundo os dados que temos disponíveis sabemos que cerca de 70% das pessoas que passam por um processo de intervenção na área da psicologia saem satisfeitas e, portanto, quer pela procura, quer pela satisfação e os indicadores de eficácia, as pessoas valorizam a profissão e procuram-nos cada vez mais.

 

Há então cada vez mais procura pelo psicólogo? Antigamente havia a ideia que ir ao psicólogo era uma coisa muito estranha, mas hoje em dia é uma coisa perfeitamente normal, porque faz parte da nossa vida. E porquê? Porque ao longo dos tempos passamos por diferentes experiências e muitas vezes temos de responder a desafios, uns que esperamos, outros nem por isso, e é então nessas ocasiões, sabendo que há recursos e sabendo que há hipóteses de consultar um psicólogo, que as pessoas nos procuram de forma natural.

 

Continuam a haver muitas diferenças entre o serviço público e privado nesta área? Muitas vezes o recurso aos serviços privados existe porque a capacidade de resposta dos serviços públicos não é suficiente para a procura que existe. É uma evidência que se verifica em todas as regiões do país, sobretudo em locais onde os rácios são muito baixos, ou seja, zonas onde é difícil as pessoas encontrarem um psicólogo no serviço público. No caso da Madeira, comparando com outras regiões do país, é relativamente mais favorável, mas continua a haver necessidades, fundamentalmente no número de profissionais em muitos serviços. Quanto aos valores, não existe uma tabela pré-estabelecida, mas o preço das consultas reflecte-se no investimento do próprio psicólogo na sua formação. É preciso ver que o preço de uma consulta também está ligado à duração, porque quando comparada com outras áreas da medicina, as consultas de psicologia têm uma duração muito elevada, a rondar os 50 minutos.

 

Ainda apresentamos, enquanto sociedade, um quadro depressivo igual ao que se sentiu em 2011? Quando há crises económicas dá-se um aumento muito significativo da prevalência de perturbações psicológicas, porque as pessoas ficam expostas a factores de stress adicional. Nada é mais stressante do que ficar sem trabalho e de ter a sensação que o seu futuro não vai acontecer. Depois, há a capacidade dos serviços em darem resposta, ou seja, quando há crises económicas há cortes orçamentais e perdemos capacidade de resposta às necessidades. Quer pela pressão, quer pela menor capacidade dos serviços, há aqui dois factores de perturbação adicional. Por agora, enquanto sociedade, e quando comparado com 2011, estamos mais saudáveis do ponto de vista psicológico.

 

As pessoas têm a percepção de que o psicólogo serve apenas para nos ouvir e dizer o que queremos ouvir. Isso é verdade? A intervenção psicológica tem várias áreas, ou seja, quando se fala de um psicólogo falamos de um profissional que trabalha para que as pessoas lidem melhor com os desafios do seu desenvolvimento e isso significa uma acção em várias áreas. A consulta é um espaço privilegiado e é preciso explicar que o psicólogo não é um amigo, embora as pessoas pensem assim. Um psicólogo é um profissional que tem um conjunto de estratégias de intervenção que envolvem o ouvir o utente, tendo em vista a organização e a conceptualização da informação numa lógica que faça sentido. Ir ao psicólogo é um espaço privilegiado para uma pessoa se organizar e aprender a responder aos desafios que surgem na sua vida.

 

Mas, como é que percebemos se precisamos ou não de ajuda? Não existe uma tabela rígida em que se possa dizer que precisamos de ajuda psicológica se não preenchermos uns determinados critérios. Agora, quando determinadas situações negativas começam a ter uma frequência e intensidade muito elevada, causando sofrimento e dificuldades de adaptação, ou seja, quando deixo de ter capacidade de resposta aos problemas que surgem na minha vida, aí provavelmente torna-se necessária uma intervenção profissional.

 

E hoje assinala-se, pela primeira vez, o Dia Nacional do Psicólogo. Que significado isso tem para os profissionais? Tem um significado muito especial porque mais do que a resolução da Assembleia da República, ou o facto de ser mais uma efeméride para ser celebrada, assinala-se sobretudo os contributos que os psicólogos e a psicologia como ciência e profissão pode dar à sociedade e ao desenvolvimento do país. Não se trata apenas de uma questão formal, mas sim de um dia em que se assinala o contributo dos 20 mil psicólogos do nosso país, e que dentro de 10 anos serão 30 mil.

 

Tendo em conta que temos um elevado número de jovens a ingressar em cursos de psicologia, não há o perigo destes recém-formados não encontrarem espaço para trabalhar? Para responder a essa questão temos de dividir a resposta em dois níveis. Primeiro, as pessoas têm todo o direito em escolher a área de formação que entenderem, até porque hoje em dia tirar um curso é sempre um ponto de partida para algo. Não podemos ignorar que Portugal é um dos principais países do Mundo onde o número de cursos de psicologia per capita é dos mais elevados. Todos os anos há sempre cerca de 1.800 pessoas formadas e naturalmente isso coloca problemas do ponto de vista da empregabilidade, sobretudo, porque não se está a olhar para determinadas áreas de futuro e onde há muita falta de intervenção e mobilização do conhecimento da psicologia, como é o caso do envelhecimento, isto se pensarmos que cerca de metade da população portuguesa, em 2050, será considerada idosa, ou que um terço da população europeia, em 2030, terá mais de 65 anos. Essa é uma área que não está a ser projectada e que carece de mais atenção. Mas, apesar de haver um número elevado de pessoas formadas em psicologia, por outro lado persistem necessidades às quais precisamos de dar resposta, portanto, há aqui uma espécie de paradoxo, mesmo considerando que existe um elevado número de pessoas formadas. Enquanto houver necessidades por preencher e enquanto houver sofrimento cá estaremos para ajudar.

 

Renato Carvalho, presidente da delegação

 

In “Diário de Notícias