Envolta em alguns mitos, a colonoscopia ainda é vista com receio por muitos portugueses. O médico Bruno Rosa explica ao Saúde Online que a anestesia permite que o doente não sinta desconforto durante o exame e que existe uma plataforma que ajuda o doente a fazer a preparação para o exame.
Quais são os maiores receios dos pacientes quando se fala em colonoscopia?
Dr. Bruno Rosa |Desde logo, há o receio da invasividade do exame – pode haver um sentimento de embaraço que leva as pessoas a sentir-se pouco confortáveis com o exame. Também podem surgir preocupações relativamente à segurança do exame (receio de alguma complicação que possa ocorrer) ou relativamente ao próprio resultado do exame. Outra preocupação comum dos doentes tem a ver com a preparação que têm de fazer para estarem com o intestino adequadamente limpo para a colonoscopia.
A colonoscopia é apenas aconselhada a quem apresenta algum tipo de queixas ou também se faz a nível preventivo?
BR | Também a nível preventivo, um indivíduo que se sinta bem mas que esteja na faixa etária indicada para a realização de um rastreio é um bom candidato para a realização da colonoscopia, uma vez que a lesão que muitas vezes identificamos nas colonoscopias de rastreio, o pólipo, é uma lesão que cresce e se transforma em cancro sem dar qualquer sintoma ao doente. E, portanto, o doente não deve estar à espera que surja qualquer indício para decidir realizar a colonoscopia.
“A idade recomendada para o rastreio são os 50 anos”
A partir de que idade se deve realizar o exame?
BR | A idade recomendada para o rastreio, não havendo fatores como a história familiar de tumores do intestino que impliquem a sua realização mais cedo, são os 50 anos.
Que tipo de sintomas podem representar sinais de alerta para que uma pessoa faça uma colonoscopia?
BR | Sintomas como dor abdominal; alteração do funcionamento habitual do intestino (por exemplo, uma pessoa cujo intestino funciona de forma regular e que começa a ficar obstipado; a presença de sangue nas fezes). Estes doentes poderão ter indicação, independentemente da sua idade, para fazer uma colonoscopia diagnóstica – que é realizada num contexto diferente da colonoscopia de rastreio, a que deve ser submetido um indivíduo completamente assintomático.
Uma dificuldade de digestão, por exemplo, sendo uma patologia tão comum, deve também ser um fator que conduza ao exame?
BR | Existe um conjunto de sintomas, no âmbito da gastroenterologia, que devem ser devidamente integrados por um médico, que vai avaliar não só o tipo de sintomas (pode ser uma dificuldade de digestão, dor abdominal, alteração do funcionamento do intestino ou uma perda de peso) e a sua duração, como também as análises e elementos de outra ordem da história do doente. Estes fatores podem levar o médico a solicitar a colonoscopia ou, eventualmente, outros exames, como o a endoscopia digestiva alta ou ambas.
A colonoscopia é importante para detetar que tipo de doenças?
BR | É importante, desde logo, para diagnosticar os pólipos, que são as lesões percursoras dos tumores do intestino. Essa é uma das principais indicações da colonoscopia. Outro tipo de doenças que podem surgir e que podem afetar o intestino são, por exemplo, as doenças inflamatórias do intestino, que podem afetar especialmente os mais jovens (como a Colite Ulcerosa ou a Doença de Crohn).
“Existem alternativas mas a colonoscopia permite também realizar o tratamento no mesmo momento do exame”
Que tipo de preparação é preciso fazer antes de uma colonoscopia?
BR | A preparação tem várias etapas. Desde logo, o doente vai necessitar de ingerir um determinado produto para limpeza do intestino – existem vários produtos disponíveis no mercado e que são eficazes, seguros e, de uma forma geral, bem tolerados desde que sejam respeitados os horários das tomas e as quantidades de líquidos recomendadas.
Como passo inicial, vai ser também necessário que o doente faça alguma dieta e um período de jejum que antecede a realização do exame. Habitualmente, o doente deverá fazer a sua preparação intestinal em doses repartidas, ou seja, em duas tomas. Uma primeira é habitualmente feita na véspera do exame e a segunda toma deve ser feita num intervalo a rondar as seis horas antes do exame.
Existem alternativas à colonoscopia? Há maneira de tornar o exame menos invasivo?
BR| Existem algumas alternativas mas não são para aplicar em todos os casos. Normalmente são reservadas para os casos em que a colonoscopia falhe. A colonoscopia é o método convencional porque, para alem de permitir um diagnóstico, permite realizar um tratamento que, por exemplo no caso dos pólipos, permite remover os pólipos no mesmo momento do exame.
Uma das alternativas mais apelativas é a realização da colonoscopia através de uma cápsula, uma cápsula endoscópica, que requere também uma preparação intestinal semelhante àquela que é feita para a colonoscopia. Essa cápsula endoscópica é deglutida pelo doente e vai funcionar como uma camara de filmar em miniatura, que vai permitir obter imagens de elevada qualidade do interior do intestino. É um método não invasivo mas tem a desvantagem de apenas ver mas não permitir remover as lesões. Este método é reservado para os casos em que a colonoscopia não seja possível: em doentes que tenham o cólon muito angulado ou muito longo, em que não se consegue atingir o final do intestino. Existe também a colonografia por TAC, em que são obtidas imagens de TAC do cólon, mas que é de um modo geral inferior à imagem endoscópica na capacidade de diagnóstico.
Também acontece que o doente recuse fazer a colonoscopia.
BR | Em doentes que recusem fazer a colonoscopia, tem de ser equacionado caso a caso, devendo ser avaliado qual é concretamente o motivo da recusa.
É frequente que o doente recuse?
BR | Não é frequente porque, hoje em dia, o acesso à colonoscopia e a possibilidade de fazer o exame sob anestesia torna o processo muito mais confortável e seguro para o doente. Um argumento para o doente preferir a colonoscopia é que faz o diagnóstico e a terapêutica no mesmo momento no caso de aparecer alguma lesão. A colonoscopia tradicional está muito mais acessível do que a colonoscopia por cápsula, que também tem um custo associado bastante elevado.
A anestesia é geral?
BR | É uma sedoanalgesia, ou seja, o doente fica a dormir durante o procedimento, respirando por ele próprio sem necessidade de ventilação invasiva, não sente absolutamente nada e faz assim o exame com todo o conforto e de um modo seguro.
“A aplicação Easy4Colon [para telemóvel] funciona como um serviço de lembretes para auxiliar o doente na preparação do exame”
Que tipo de soluções já existem que permitem tornar a preparação para a colonoscopia mais fácil?
BR | Existe uma plataforma, designada Easy4Colon, que, no fundo, é uma aplicação que pode ser instalada nos telemóveis e que vai ser importante neste aspeto: há algumas coisas essenciais para que o doente tenha uma boa preparação para a colonoscopia. Desde logo, o doente deve conseguir perceber porque é que isso é importante. Deve perceber que, se não estiver bem preparado, o seu intestino jamais poderá obter uma colonoscopia de qualidade. Corre o risco de o seu exame não ser completo, porque o exame pode ser interrompido se o cólon não estiver limpo. O exame pode não ser completamente conclusivo e haver o risco de existirem lesões que não se consegue detetar e nesses casos o doente ter de repetir o exame mais cedo do que o desejável e ter de passar por um processo de limpeza do cólon novamente.
Depois tem também outras vantagens. Esta plataforma vai, por um lado, garantir que o doente entende os passos necessários para conseguir ter o cólon adequadamente limpo e, por outro lado, que o doente não se vai esquecer desses passos. Isto porque o doente vai receber no seu telemóvel na altura certa as indicações sobre aquilo que deve fazer a cada momento – por exemplo, indicações sobre a dieta (um ou dois dias antes do exame), qual a medicação que pode continuar a tomar e qual deve suspender e, depois, o produto, as quantidades que deve tomar e a que horas. Funciona como um serviço de lembretes e pode ser um auxiliar importante para o doente, para garantir que não falha nenhum passo.
O Dr. costuma ter problemas com os seus doentes neste capítulo da preparação do exame?
BR | Acontece com uma frequência maior do que seria desejável. As organizações internacionais e as sociedades científicas recomendam que não devemos ter mais do que 10% de colonoscopias mal preparadas. No entanto, não atingimos ainda esse objetivo e temos de continuar a tentar levar os doentes a preparar melhor o seu intestino.
Qual é a sua perceção relativamente à evolução das doenças intestinais? Tem havido um aumento da prevalência?
BR | Em algumas doenças tem havido um aumento da prevalência, nomeadamente um aumento das doenças inflamatórias intestinais entre as idades mais jovens. E temos também assistido a um aumento da deteção de pólipos devido, também, a uma melhoria do acesso dos doentes à colonoscopia, que permite identificar essas lesões em alturas em que são tratáveis, evitando que os doentes desenvolvam tumores do intestino.
In “Saúde Online”