Numa altura em que aumenta a exposição solar, falámos com a médica Sofia Magina sobre a relação entre a exposição e a produção de vitamina D, uma relação que não é “linear”.
A dermatologista do Hospital de São João avisa para os riscos de uma exposição prolongada ao sol e aconselha o consumo de alimentos ricos em vitamina D e a suplementação dos grupos de risco, em particular os bebés e crianças.
Entrevista à dermatologista Sofia Magina: “O défice de vitamina D é quase uma pandemia”
Qual é a importância da vitamina D para o funcionamento do nosso organismo?
Sofia Magina | A vitamina D é determinante para a fixação de cálcio, portanto, para os nossos ossos. É importante também para o nosso sistema imunitário. Na realidade, nós sabemos que todas as células têm recetores para a vitamina D. A vitamina D têm funções muito abrangentes no nosso organismo, sendo que aquela que é melhor estudada e conhecida tem a ver com o osso e com o cálcio.
A principal fonte de vitamina D é o sol, a exposição solar.
SM | A principal fonte de vitamina D é a produção de vitamina D na pele após a exposição solar. Portanto é a nossa pele que produz a vitamina D quando é exposta ao sol.
Sendo assim, podemos dizer que quanto mais exposição solar, maior a quantidade de vitamina D?
SM | Não há uma regra linear, porque a nossa pele tem uma capacidade limitada de produzir vitamina D. Para lhe dar um exemplo: nós, ao fim de 10 ou 15 minutos de exposição solar, já estamos no máximo que conseguimos produzir. Portanto, não é por ficarmos muitas horas ao sol que iremos produzir mais vitamina D. Não há uma relação linear entre o tempo de exposição e a produção de vitamina D. Há um limite, a partir de uma determinada altura já não conseguimos produzir mais porque a nossa pele se autorregula de forma a não termos excesso.
Os portugueses têm níveis aceitáveis desta vitamina?
SM | Os portugueses, tal como em outros países da europa, têm um défice de vitamina D. Os estudos que têm sido feitos revelam que o défice de vitamina D é quase uma pandemia. Provavelmente isto estará relacionado com o facto de vivermos mais fechados dentro de casa e nos escritórios. E também porque as fontes de vitamina D na alimentação são limitadas. Por isso, se não houver suplementação, quer de alimentos, quer da própria vitamina D, corremos o risco de ficarmos todos com défice de vitamina D.
Em que alimentos é que podemos encontrar esta vitamina?
SM | Ela está presente em peixes mais gordos, como a sardinha, a cavala, o salmão. Depois, os cogumelos. Portanto, não são alimentos que façam parte da nossa ingestão diária. Muitas vezes temos uma ingestão muito limitada de vitamina D. As pessoas têm a ideia de que o leite é muito rico em vitamina D mas, na realidade, o leite, se não for suplementado com vitamina D, não é uma fonte.
Não é estranho que tenhamos falta de vitamina D tendo em conta que vivemos num país com muitas horas de sol?
SM | Nós somos um país com sol mas não estamos sempre ao sol. Como já percebemos a nossa pele tem algumas limitações e a forma como a pele produz vitamina D tem a ver com alguns fatores: ambientais (latitude, hora do dia): fatores próprios, porque, por exemplo nós sabemos que os idosos são grupos de risco porque a capacidade de a pele produzir vitamina D vai diminuindo com a idade. Há medida que a idade vai avançando a sua pele produz menos. Também sabemos que os obesos também são uma população de risco. E as pessoas com a pele mais escura também produzem menos vitamina D do que os indivíduos de pele clara. Portanto há aqui muitas variáveis que fazem com que não seja evidente que, por vivermos num país com sol, tenhamos todos de ter níveis de vitamina D satisfatórias.
Para além desses três grupos de que falou, há outros grupos que sejam vulneráveis ao défice de vitamina D?
SM | As crianças e pessoas que tenham profissões ou doenças que façam com que eles praticamente não se exponham nunca ao sol. Nós sabemos que num indivíduo jovem e saudável, para ter uma produção de vitamina D suficiente, basta uma pequena exposição – ter os antebraços ou as pernas 15 minutos ao sol, por exemplo. O problema é que nós temos também os meses de Outono/Inverno, em que temos défice, também porque não acumulamos a vitamina D de forma satisfatória. Portanto, nunca poderemos pensar que o sol chegará para manter os níveis adequados durante todo o ano.
Que consequências é que o défice de vitamina D pode ter para o nosso organismo?
SM | Ainda há muitos mecanismos de regulação em que a vitamina D intervém que nós ainda não conhecemos na totalidade. No entanto, o défice de vitamina D tem vindo a ser associado a algumas situações. Para além do clássico, que tem a ver com o osso, hoje acreditamos que o défice de vitamina D é, ele próprio, fator de risco, por exemplo, em doenças cardiovasculares, em doenças autoimunes.
Mas quanto à relação entre a vitamina D e essas doenças, os estudos dividem-se.
SM | Exatamente. O que acontece é que estes estudos epidemiológicos têm algumas limitações. Nós precisamos de estudos prospetivos, que possam acompanhar uma população ao longo de anos, para nos permitir tirar conclusões mais definidas.
Portanto, consequências imediatas da falta de vitamina D não são muito visíveis?
SM | Não, a não ser se houver um défice importante de vitamina a nível do osso. Aí há o risco de fratura. Essa seria uma consequência imediata, sobretudo em grupo de risco. Mas nós acreditamos que a vitamina terá efeitos a nível celular muito mais abrangentes do que aquilo que nós antigamente considerávamos. Porquê? Tem muito a ver com o facto de a vitamina D ter um papel importante também na regulação do nosso sistema imunológico e isso acaba por envolver a vitamina D em doenças de caráter diferente, nomeadamente doenças autoimunes, doenças cardiovasculares. Muito se tem publicado sobre isto. Obviamente, há ainda alguma informação contraditória. E, portanto, nós não podemos afirmar com segurança as consequências desta situação.
Em que situações é que a Drª recomendaria a suplementação com vitamina D? Para que grupos?
SM | Para as grávidas, para os obesos, os idosos e as crianças. Estes são grupos que estão identificados e que têm maior risco de défice de vitamina D. E existem muitos estudos que mostram a relação entre o défice de vitamina D e a obesidade. E também para pessoas que têm doenças de pele, como lúpus (em que o sol é um fator de agravamento da sua doença, levando-as a fecharem-se em casa), que obrigatoriamente tomar suplementos de vitamina D ou mesmo indivíduos que trabalham de noite e dormem de dia.
Quão importante é dar suplementos de vitamina D aos bebés, por exemplo?
SM | Eu não sou pediatra mas o défice de vitamina D em idade pediátrica tem importantes consequências, nomeadamente a nível do osso. E as crianças, particularmente durante o primeiro ano de vida, em que são muito protegidas (e até durante o período de aleitamento materno) a suplementação com vitamina D é obrigatória. E agora esse período tem vindo a ser alargado porque se constatou que há um benefício de suplementação neste grupo pediátrico. Até porque nós, dermatologistas, incentivamos muito que as crianças até aos três anos de idade façam uma proteção solar adequada, muito por causa do risco que a exposição solar tem neste grupo etário. E por suplementação com vitamina D é particularmente importante nas crianças.
Portanto, do nascimento até aos três anos?
SM | Sim, sim. As recomendações têm ido nesse sentido. No primeiro ano de vida, todas as crianças são suplementadas e as recomendações têm no no sentido de alargar esse período de suplementação, pelos benefícios e pela ausência de riscos.
Quais são os benefícios mais evidentes?
SM | Como já falámos, a vitamina D é importante no metabolismo do cálcio e na regulação de cálcio no osso. Numa criança em crescimento, a vitamina D é indispensável e os défices de vitamina D têm de ser evitados. Se nós tivermos uma criança que se expõe pouco ao sol e cuja alimentação seja pobre em vitamina D, ela tem de ser obrigatoriamente suplementada.
Esta questão da vitamina D interessa-me particularmente porque há uma campanha de promoção da exposição solar como solução para este problema. Na minha opinião, como dermatologista, a exposição solar não chega. A exposição solar excessiva tem riscos, como o cancro de pele. E a nossa pele não produz vitamina D linearmente de acordo com a exposição. Portanto, se houver essa desinformação, as pessoas vão ficar o dia inteiro ao sol achando que vão repor todos os níveis de vitamina D. Ao fim de 15 minutos já não produzem mais e, entretanto, o dano que estão a fazer na pele é cumulativo.
Eu acho que a solução passará por fazer uma vida saudável ao ar livre, sem exposição solar exagerada. E depois, em grupos de risco, temos de pensar na suplementação porque a alimentação não é suficiente.
In “Saúde Online”