DIA MUNDIAL DO CANCRO DA CABEÇA E PESCOÇO
O tabagismo e o consumo crónico de álcool são os principais fatores de risco de uma doença responsável pela morte de 68 mil pessoas todos os anos na Europa
Três portugueses morrem diariamente de cancro da cabeça e pescoço, doença com mais de 2500 novos casos todo os anos a nível nacional. A prevalência é sete vezes superior nos homens
Dores de garganta, tosse persistente, rouquidão, narinas obstruídas, dificuldade em respirar, constipações ou gripes, aftas ou alterações unilaterais na audição. Estes sintomas comuns e transversais a várias enfermidades podem, num momento inicial, não ser caso para alarme, mas, quando prolongados no tempo, devem fazê-lo ficar alerta para uma doença responsável, todos os dias, pela morte de três portugueses e com os dados a revelarem o surgimento anual de mais de 2500 novos casos no nosso país.
“Quando persiste por mais de três semanas, deve chamar a atenção e deve levar o doente a procurar ajuda médica”. A recomendação é da oncologista Ana Castro, presidente do Grupo de Estudos do Cancro da Cabeça e Pescoço (GECCP), patologia estritamente ligada ao tabagismo e ao consumo excessivo de álcool.
Esta sexta-feira — como forma de sensibilizar a população para esta doença cancerígena, a oitava mais recorrente em Portugal e responsável por ceifar a vida a mais de 68 mil pessoas em toda a Europa — assinala-se o Dia Mundial do Cancro da Cabeça e Pescoço. “A sociedade pensa que são tumores cerebrais, precisamente os únicos que não fazem parte deste lote”, lesivo para as “vias aerodigestivas superiores”, capaz de afetar mais de 30 áreas localizadas “abaixo da linha dos olhos e até à raiz do pescoço”, explica a especialista e investigadora.
NÚMERO DE CASOS PODE CRESCER 30% ATÉ 2020
Associado aos hábitos tabágicos (85% das ocorrências), bem como ao consumo crónico de álcool, manifesta-se frequentemente “entre a quinta e a sexta décadas de vida”, provocando, a cada 24 horas, a morte de três pacientes a nível nacional, com um saldo de mortalidade sete vez superior para os homens, sublinha Ana Castro em entrevista ao Expresso. Até 2020, a incidência pode aumentar 30%, motivada pelo crescimento e pelo envelhecimento da população.
O quadro torna-se mais negro ao olhar para os indicadores, com a verificação de que a patologia tem vindo a surgir mais precocemente, em pessoas com uma idade compreendida entre os 30 e os 45 anos, enquanto o diagnóstico permanece tardio em mais de 50% dos casos. “Existe agora uma nova realidade. Começa a manifestar-se em indivíduos mais jovens que surgem com a doença, sobretudo na cavidade oral e na faringe”, nota a especialista, de 41 anos.
“Até podem ter bons cuidados de higiene oral, não serem fumadores nem consumidores de álcool em níveis elevados, mas pensa-se que esteja relacionado com a infeção por HPV, transmitida por via sexual”, aclara a presidente do GECCP e diretora clínica do Lenitudes Research and Medical Center.
Franjas populacionais de um “estrato social mais baixo” acabam por estar mais expostas, prossegue a oncologista, “devido aos parcos cuidados com a higiene oral ou com a falta de acesso a um acompanhamento de medicina dentária, que infelizmente ainda não é acessível para todos”.
Apesar de “o panorama, em termos de taxa de sobrevivência, ter melhorado ligeiramente com as novas terapêuticas, entre as quais a imunoterapia tem um papel importante”, como frisa Ana Castro e tal como revelam os dados, com uma taxa de sobrevivência que pode atingir os 90% em pacientes aos quais a doença foi diagnosticada nos estágios iniciais. “Quando a deteção surge tardiamente, o que acontece é que a probabilidade de a pessoa estar viva após cinco anos ronda os 20%”, acrescenta a profissional médica.
“OS DOENTES SENTEM-SE EXCLUÍDOS SOCIALMENTE E DÁ-SE UM CERTO ISOLAMENTO”
O tratamento passa por uma convergência de valências, com um plano multidisciplinar. “Envolve habitualmente, dependendo da localização, um otorrinolaringologista, um cirurgião maxilofacial ou cirurgião geral e um estomatologista. Engloba também a oncologia médica, radioncologistas, profissionais de medicina nuclear, radioneurologistas, alguém da anatomia patológica, assim como um nutricionista e ainda um assistente social”, enumera a dirigente do Grupo de Estudos do Cancro da Cabeça e Pescoço.
Além das implicações físicas provocadas, as cicatrizes psicológicas são igualmente profundas, uma vez que os pacientes podem perder a capacidade de comunicação verbal ou a capacidade de deglutição. Outras vezes, não menos raras, as pessoas chegam com a dentição em muito mau estado e, para começar o tratamento, é incontornável retirar todos os dentes.
O corpo muda e os hábitos alteram-se, com um medo constante do estigma social. “A grande preocupação dos doentes prende-se com a imagem física. É uma localização do corpo muito visível e as marcas estão sempre muito presentes. Os doentes sentem-se excluídos socialmente, vergonha e dá-se um certo isolamento”, conclui a oncologista.
In ”Expresso”