A quantidade de heroína necessária para que um homem de estatura média sofra uma overdose é de 30 miligramas. Mas bastam três de fentanyl para o mesmo efeito

 

A produção global de opiáceos creceu 65% para mais de 10 mil toneladas anuais em 2016-2017 - o maior aumento alguma vez registado pelo Departamento das Nações Unidas para a Droga e Crime. O consumo de substâncias que só deveriam ser administradas sob supervisão médica, como o “fentanyl”, também está a aumentar e é já causador de 76% de todas as mortes relacionadas com o uso de drogas

 

O uso excessivo, fora de contexto médico, de drogas que só deveriam ser administradas mediante supervisão está a tornar-se uma séria ameaça à saúde pública, segundo um estudo publicado esta terça-feira pelo Departamento das Nações Unidas para a Droga e Crime (UNODC, na sigla em inglês). O organismo alerta para os “níveis recorde” atingidos pelo consumo e produção de opiáceos e para as suas “nefastas consequências em várias frentes”.

 

Além da produção de heroína vendida nas ruas, os opiáceos que estão a ser produzidos sob rótulo farmacêutico, mas ilegalmente, já são responsáveis por 76% de todas as mortes relacionadas com o consumo de opiáceos no mundo todo. O infame opiáceo sintético “fentanyl” tem desesperado as autoridades norte-americanas e provocado overdoses “supersónicas” em vários consumidores de heroína que não sabem que a sua “dose” pode estar cortada por este químico muito mais forte. Mas o problema já saiu da sombra da ilegalidade.

 

Muitas pessoas que adquirem comprimidos para as dores de forma ilegal, mas convencidas de que estão a comprar o produto que seria receitado por um médico, muitas vezes desconhecem a potência das drogas que estão a tomar e ficam viciadas nos seus efeitos. Esta droga não deriva da transformação da papoila e, por isso, tecnicamente não é um opiáceo mas interage com os receptores da mesma forma que a heroína ou a cocaína - mais precisamente com o campo da “gratificação”.

 

Quando há químicos que são libertados no nosso corpo para nos fazerem sentir tão bem como se tivessemos concretizando uma grande tarefa, comido uma boa refeição ou acabado de fazer amor mesmo sem nada disso ter acontecido temos o princípio da dependência. Quanto mais forte o químico mais o corpo se vai adaptando aos níveis de euforia e é por isso que precisamos de consumir doses cada vez mais elevadas para criarmos o mesmo efeito.

 

O flagelo do “fentanyl” atinge particularmente a América do Norte enquanto é uma outra substância, o “tramadol”, que mais preocupa as autoridades em partes de África e da Ásia. Tanto uma como outra são substâncias essenciais no tratamento da dor em níveis extremos, mas o mercado está inundado de versões adulteradas destes componentes e não é possível saber que quantidade de cada componente ativo os traficantes colocam em cada comprimido.

 

A quantidade de substância ativa é importante porque o “fentanyl”, por exemplo, é entre 50 e 100 vezes mais potente que a morfina, segundo o Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. O relatório da UNODC revela também, que apenas na América do Norte, e apenas em 2016, foram apreendidas 87 toneladas de opiáceos farmacêuticos. Na Ásia foram retirados das ruas apenas 7% do total mundial.

 

Nos anos de 2016 e 2017, confirma ainda o mesmo documento, a produção global deste tipo de produtos aumentou 65% - a estimativa mais alta desde que o UNODC começou a registar as tendências de produção de droga, há duas décadas.

 

Como forma de assinalar o Dia Mundial Contra a Droga e o Tráfico Ilícito, também o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, decidiu sublinhar a importância das “políticas de prevenção”. “O consumo de droga conta-se entre um dos problemas mais complexos que enfrentamos, com impactos muito abrangentes na saúde e no desenvolvimento das nas famílias. Devemos desenvolver uma abordagem holística, em várias frentes”, disse Guterres, num comunicado divulgado esta terça-feira na página oficial das Nações Unidas.

 

O número de pessoas que utilizaram drogas (qualquer droga) no último ano não aumentou desde o ano anterior: em 2016 cerca de 275 milhões de pessoas, ou 5,6% da população mundial entre os 15 e os 64 anos.

 

Ana França

 

In “Expresso”