Em Portugal a cada 50 minutos morre uma pessoa por doenças atribuíveis ao tabaco. Autoridades querem reduzir prevalência de fumadores dos actuais 20% para 17% até 2020. Filme “intenso e emotivo” começa a ser exibido esta quarta-feira.
Depois das polémicas imagens de choque nos maços de tabaco, e numa altura em que o consumo não dá sinais da desaceleração pretendida apesar de todas as campanhas informativas, o Ministério da Saúde decidiu ir mais longe, focando desta vez o combate ao tabagismo no segmento da população que está a despertar maior preocupação: as mulheres e, sobretudo, as mulheres mais jovens.
Para chegar a esta franja da população muito específica - onde o consumo de tabaco está a aumentar - foi criada uma campanha inovadora, um pequeno filme com um “cariz fortemente emocional” que conta a história de uma jovem mãe com cancro de pulmão que, numa fase terminal, não consegue largar o vício. A curta-metragem e o spot a que este filme deu origem começam esta quarta-feira a ser exibidos através das redes sociais e dos cinemas NOS Lusomundo. O objectivo desta campanha é chocar? “É verdade”, admite o secretário de Estado Adjunto da Saúde, Fernando Araújo, que adianta que o filme vai também ser exibido e discutido nas escolas.
Nos últimos anos, as autoridades de saúde têm tentado de tudo um pouco para diminuir o consumo de tabaco. Mas as estratégias não têm surtido grande efeito. Apesar de todas as campanhas informativas sobre os malefícios do tabaco, não se observaram mudanças significativas na prevalência global de fumadores, porque o consumo entre as mulheres está a subir, no sentido inverso ao que se tem observado entre os homens.
Idealizada por jovens
Foi a actriz Paula Neves que aceitou o desafio de encarnar a personagem de Maria, uma mulher com cancro do pulmão já numa fase avançada que, mesmo assim, não consegue parar de fumar. Em pouco mais de 15 minutos, as imagens mostram a inexorável degradação física de Maria, cuja vida, entre dois momentos – o do 37.º aniversário, ainda saudável, e o do 40.º aniversário, já muito fragilizada – muda de forma radical.
Quando o realizador André Badalo lhe descreveu a ideia do filme, avisou-a de que seria “intenso, provocador e muito emotivo”. E foi mesmo, reconhece Paula Neves, que assume que este foi um dos trabalhos “mais intensos, profundos e dolorosos” que já fez. “Senti o que é ser uma mulher de 40 anos, fumadora durante toda a sua vida” que “não conseguiu largar o vício até ser demasiado tarde”. Até ao momento em que percebeu que o seu comportamento poderia passar para a próxima geração, para a sua filha. “Essa consciência, essa certeza, muda tudo. Esse foi o momento-chave”, diz. Porque Maria “não quer que a filha sofra o mesmo que ela”. E já no final do filme, aconselha a filha: “uma princesa não fuma!”
Intitulada “Deixe de Fumar. Opte por Amar Mais”, a curta-metragem que dá corpo “à nova e disruptiva campanha da luta contra o tabagismo” vai conseguir, acreditam os responsáveis do Ministério da Saúde e da Direcção-Geral da Saúde, “um forte impacto junto da população”.
Pensado por duas jovens de 18 anos, alunas da Escola Profissional de Artes Tecnologias e Desporto, o filme vai ser lançado nas salas de cinema, e o spot, uma síntese da curta-metragem, passará nas redes sociais, no youtube e, em Novembro, nos canais de televisão. O palco da antestreia será o Cinemas NOS, no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, ao final da tarde desta quarta-feira.
“A campanha foi idealizada por jovens. Queríamos uma mensagem que chegasse aos jovens, que não fosse redonda”, explica Fernando Araújo, que reconhece que as imagens de choque nos maços de tabaco não estão a surtir grande efeito. Por que acredita, então, que esta nova campanha vai funcionar? “Porque é muito focada num segmento específico, o das mulheres, especificamente mulheres mais jovens”, responde o médico. O objectivo do Governo, lembra, é reduzir a prevalência do consumo de tabaco dos actuais 20% para 17%. "É um objectivo ambicioso, mas temos que lutar por isso. O número de ex-fumadores aumentou muito e o dos que nunca fumaram também. O problema é que [a idade de] início do consumo mantém-se", enfatiza.
Não se sabe se a nova campanha vai funcionar ou não, mas a Organização Mundial de Saúde (OMS), a quem o Ministério enviou o filme, já felicitou Portugal por esta iniciativa. Numa carta enviada a Fernando Araújo, a responsável pelo programa de controlo de tabagismo da OMS sublinha que “o desenvolvimento de campanhas com impacto e inovadoras baseadas na evidência é necessário para estimular a mudança de comportamentos e obter ganhos em saúde”.
Mulheres já morrem mais com cancros
De resto, está tudo mais do que estudado: o consumo de tabaco inicia-se na adolescência. E actualmente o grupo etário dos 25 aos 34 anos é já o que apresenta a maior prevalência de consumidores, com valores próximos dos 26% em ambos os sexos, sublinham as autoridades de saúde, que acreditam que a exposição limitada à publicidade televisiva antitabaco pode levar a um aumento das intenções de não fumar entre os jovens. Reduzindo, assim, a probabilidade de se tornarem fumadores no futuro.
Também é bem conhecido o impacto do tabagismo na mortalidade. Em Portugal, em 2016, de acordo com estimativas elaboradas pelo Institute of Health Metrics and Evaluation, morreram mais de 11.800 pessoas por doenças atribuíveis ao tabaco (10,6% do total dos óbitos). O que dá aproximadamente uma morte a cada 50 minutos, enfatiza o Ministério da Saúde que, ao mesmo tempo que tenta evitar que os jovens comecem a fumar, aposta no apoio aos fumadores que querem largar o vício, multiplicando as consultas de cessação tabágica nos centros de saúde.
O que se sabe já também é que o futuro não se afigura fácil para as mulheres que fumam: até agora menos afectadas pelas doenças associadas ao tabaco, vão começar a adoecer e a morrer cada vez mais por tumores malignos da traqueia, brônquios e pulmão, se a tendência de aumento não for travada, avisam também as autoridades de saúde. Já há sinais bem evidentes de que isso está a acontecer: o último relatório sobre as doenças oncológicas, publicado no ano passado, destacava o “aumento de 15% da mortalidade no sexo feminino”, só entre 2014 e 2015, por cancros de traqueia, brônquios e pulmão.
As autoridades de saúde lembram ainda que deixar de fumar tem benefícios em qualquer idade, mas quanto mais cedo se cessa o consumo maiores são as vantagens. Um estudo feito em mulheres inglesas revela que deixar de fumar antes dos 40 anos pode reduzir o risco de morte atribuível ao tabaco em 90% e que parar de fumar antes dos 30 anos pode diminuir em mais de 97% esse risco acrescido.
ALEXANDRA CAMPOS
In “Público”