Presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia entende que a investigação, o alargamento do ensino de Medicina e protocolos com outros hospitais podem atrair médicos para a Madeira

 

O SESARAM vai participar num estudo multicêntrico europeu de anestesiologia em cirurgia torácica. A informação foi dada ao DIÁRIO por Rosário Órfão, da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (SPA), coordenadora nacional do estudo, que o vai concretizar através da secção de Anestesia em cirurgia cardiotorácia. Esse é um dos aspectos, o da investigação clínica, que é capaz de contribuir para atrair médicos para uma região como a Madeira.

 

A opinião da médica, que exerce em Coimbra, sobre o que é possível fazer para atrair profissionais a hospitais periféricos como os das regiões autónomas, não se fica pelas condições para participar em investigações. Uma das formas de conseguir mais médicos a prazo, seria alargar o âmbito do ensino académico da Medicina na Região. Rosário Órfão entende que se as pessoas vierem estudar ou trabalhar para o Funchal, numa fase da vida em que ainda não têm ligações estabelecidas, mais facilmente se fixam na ilha. A médica dá o exemplo próprio. Sendo do Porto, foi para Coimbra fazer a especialidade e por lá ficou até hoje.

 

A presidente da SPA deixa outras sugestões para atrair médicos, o que não passa exclusivamente pela componente económica. Uma das possibilidades é o SESARAM estabelecer protocolos com hospitais para que venham à Madeira médicos por períodos curtos. Além disso, em coordenação com a Ordem dos Médicos, tornar possível que existam médicos internos de hospitais do País a fazer parte da formação na ilha, neste caso, em particular, na área da anestesiologia. O pensamento de Rosário Órfão não se aplica em exclusivo à Madeira, mas é capaz de ajudar a resolver o problema da falta de médicos, nomeadamente da referida especialidade.

 

Mais internos e contratos anualmente no fim do internato

 

Sobre a falta de médicos anestesiologistas, Rosário Órfão explica as causas e aponta soluções. Entre as causas estão vários factores. O âmbito de actuação dos profissionais da especialidade é cada vez mais alargado. Actualmente, a Anestesiologia tem quatro grandes áreas: anestesia (em cirurgia e exames de diagnóstico e terapêutica); Medicina Intensiva; Emergência/trauma e Medicina da Dor. O envelhecimento da população, o aumento da sobrevida dos cidadãos com doenças crónicas, tudo fez aumentar a procura, que não foi acompanhada pelo necessário aumento da oferta.

 

Além disso, há três anos, o internato médico em anestesiologia passou de quatro para cinco anos, devido a uma necessidade acrescida de especialização e de práticas formativas. Mas a consequência foi que existiu um ano em que praticamente não entraram novos especialistas no mercado.

 

A SPA tem conversado com o Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos e entende que é necessário aumentar o número de vagas no internato médico em anestesiologia, mantendo os níveis de excelência actuais. Têm entrado 80 a 90 por ano, mas são necessários mais, este número poderá aumentar, em especial, nos grandes centros formadores: Lisboa, Porto e Coimbra.

 

Para não haver o risco de todos ficarem nesses centros, quando terminarem a especialização, parte da formação pode ser feita em hospitais mais pequenos.

 

Por outro lado, para que os internos, que finalizam a formação, não se sintam tentados a abandonar os locais onde se formam, indo para os grandes centros, para o sector privado ou até para o estrangeiro, Rosário Órfão diz ser imprescindível que todos os anos, em Abril/Maio, quando terminam os internatos, automaticamente sejam abertos os concursos para ingresso nos quadros. “Senão vão sendo contratados pelas empresas, vão vendo que é fácil ganhar dinheiro, particularmente na anestesiologia em que existem grandes carências, e depois é mais difícil ficarem no SNS, vão para os hospitais privados, que têm proliferado ou para fora do país e depois já não regressam ao SNS, aos hospitais carenciados.”

 

Na Madeira é conhecido o caso recente de uma anestesiologista que deixou de exercer funções no Hospital Dr. Nélio Mendonça, em grande parte, por não ter sido aberto concurso num prazo considerado razoável.

 

Paralelamente a tudo isto, os médicos são motivados de outras formas. “Cativar anestesiologistas não é oferecer-lhes dinheiro é também proporcionar-lhes algum protagonismo.” É dar-lhes espaço de participação nos processos e possibilitar-lhes investigação, como referido, e formação. Muita dela em centros de simulação biomédica, de forma interdisciplinar. “A simulação apareceu na Europa nos anos 90 e em Portugal já no século XXI. Proliferam os centros de simulação, porque cada vez mais não é legítimo treinar nos doentes, mas treinar com recurso à simulação.”

 

A anestesia é cada vez mais segura mas mantém riscos

 

Um dos medos, que muitas pessoas têm, é o de não acordarem depois de serem anestesiadas. “Cada vez é mais seguro ser anestesiado. Ser submetido a uma anestesia, a uma sedação, a uma analgesia para um procedimento cirúrgico ou imagiológico. No entanto, não há segurança a 100 por cento. Não se pode garantir que nunca haverá uma complicação. O importante é que o doente informe o anestesiologista de todos os problemas que tem e não omitia informações porque já as deu a outro médico ou enfermeiro. Deve dizê-las sempre que é questionado.”

 

Rosário Órfão explicita que, apesar da evolução da Medicina em geral e da Anestesiologia, há algum risco associado, “pode haver complicações.” Elas dependem de três factores: do médico anestesiologista, da sua experiência e competência; do tipo de intervenção cirúrgica, da experiência e competência do cirurgião que realiza o procedimento; e do doente que pode ter outros problemas de saúde além daquele que motiva a cirurgia, dos medicamentos que toma, de não ter cumprido as recomendações recebidas. Por exemplo, se o doente não tiver respeitado o jejum recomendado antes da cirurgia e não informar o anestesiologista pode haver complicações.

 

Na parte que compete ao doente, o que é importante é dizer tudo ao anestesiologista, na respectiva consulta, mesmo que já tenha dito ao seu médico assistente ou ao enfermeiro. Há informação que, por vezes se perde e que pode ser relevante. Outro aspecto importante é seguir com precisão as indicações dadas pelo anestesiologista, em particular às ligadas à interrupção ou não de medicação, que a pessoa esteja a tomar, e ao jejum. Cada caso é diferente e a solução a adoptar também.

 

Depois, cabe ao anestesiologista estudar o caso e optar pela solução que melhor garante a segurança do doente. Algo que é potenciado com a subespecialização, que vem a acontecer, dos profissionais. Rosário Órfão exemplifica com o seu caso. Especializou-se em neuroanestesiologia. “A minha área é a neuroanestesiologia. Para intervenções nessa área, eu sou uma perita. Mas se o doente precisar de uma intervenção num pé, por exemplo, e tiver indicação para ser anestesiado com um bloqueio periférico dos membros inferiores peço a um colega com mais experiência nessa área para ser ele a fazer esse bloqueio e ser ele o responsável pela anestesia do doente.”

 

A segurança actual da anestesiologia resulta também da melhor monitorização (monitores), “grandes conquistas”, a partir dos anos 80. “Permitem identificar e diagnosticar qualquer complicação de uma forma mais precoce, tratando-a e corrigindo, evitando que evolua, se agrave e dê um desenlace fatal.”

 

“Para tirarmos a dor usamos medicamentos que vão interferir com a respiração e com a função cardíaca. Temos de monitorizar muito bem, ver a oxigenação do sangue. Consegue-se de uma forma contínua, desde os anos 90. Antes não se conseguia.”

 

A esse nível, o da monitorização, hoje é possível ver em contínuo a função do cérebro. “Temos maneira de controlar melhor a dose dos anestésicos, porque conseguimos ver a função do cérebro, conseguimos medir a profundidade da anestesia.”

 

Outro facto determinante para a qualidade e segurança é a existência de cada vez melhores medicamentos, que provocam o efeito desejado, com menos efeitos indesejáveis. Por exemplo, tiram a dor e provocam inconsciência com menor interferência na função respiratória, cardíaca e hepática.

 

Só médicos Anestesiologistas devem fazer anestesias ou sedações

 

“A anestesiologia começou a ser cada vez mais segura, quando começou a ser realizada por médicos especialistas em anestesiologia.” Rosário Órfão explica que, no início, a função de anestesiar cabia ao interno menos diferenciado da especialidade cirúrgica, o que, naturalmente, punha em causa a qualidade e a segurança.

 

Actualmente, existem profissionais de outras especialidades a praticar actos médicos que deveriam ser de anestesiologia. Questionámos a presidente da SPA, nomeadamente, sobre o que se passa em gastroenterologia, com as colonoscopias. “Nós não devemos retroceder. Não devemos ter colegas de outras especialidades, por exemplo gastroenterologistas, cardiologistas, pediatras, a fazer actos médicos da especialidade de anestesiologia, pois, não é seguro para o doente a sedação, a analgesia, ser feita por médicos não anestesiologistas, nem para o profissional que pratica esses actos sem formação na área.”

 

Mas é uma situação que pontualmente existe e que, garante a presidente da SPA, aporta falta de qualidade e insegurança aos procedimentos. “Pode ter complicações. A SPA recebeu um pedido de parecer para uma situação destas em que a sedação para um exame complementar de diagnóstico foi feita pelo especialista dessa área e não pelo anestesiologista com complicações graves para o doente”.

 

In “Diário de Notícias”