Na véspera do início do Lisbon Sleep Summit, que decorre até dia 19, a diretora do CENC - Centro de Medicina do Sono, uma das responsáveis pela iniciativa, fala com o Expresso sobre a importância que dormir tem nas nossas vidas. E deixa um alerta: dormir pouco reduz a esperança de vida

 

Em Portugal, dorme-se pouco e dorme-se mal. Múltiplos estudos mostram que a média nos adultos anda abaixo das 7 a 9 horas recomendadas e, segundo um inquérito recente da Deco, ter noites bem dormidas é algo de que só quatro em cada 10 portugueses se pode gabar. É um panorama "assustador", garante a neurologista Teresa Paiva, 72 anos, a maior especialista nacional em sono e uma das organizadoras do Lisbon Sleep Summit, que decorre entre esta quarta-feira e sábado. Se queremos um bom exemplo do que a privação de sono pode fazer a uma pessoa, só temos de olhar para Trump, diz-nos.

 

Porque é que dormir é importante?

 

Em primeiro lugar, dormimos fundamentalmente para sobreviver. Depois, durante o sono há um reequilíbrio das nossas funções metabólicas, do nosso crescimento, do nosso equilíbrio autoimune, dos nossos tecidos, de todas as outras funções, incluindo as funções cognitivas e emocionais. Portanto, se não dormirmos, o nosso cérebro funciona pior, as emoções ficam mais desreguladas e corpo fica em piores condições.

 

De quantas horas de sono precisamos?

 

Um adulto precisa de dormir sete a nove horas, são as recomendações da Fundação Americana do Sono. Uma criança precisa de muito mais: 8 a 12 horas no caso de uma criança de 10 anos, 7 a 10 para um adolescente.

 

Os estudos mostram que estamos longe dessas médias. Dormimos menos e dormimos pior. Quais são as principais ameaças a uma noite bem dormida?

 

A luz elétrica e os gadgets tecnológicos. Além disso, mudámos muito os paradigmas de vida e começamos a achar – isto começa claramente no século XX – que podíamos controlar tudo. Se a pessoa não dorme, há um substituto. Se tem um problema do coração, toma um remédio. Tornámo-nos pequenos deuses a querer controlar tudo. Veja-se o exemplo das alterações climáticas. Mudámos algumas características da Terra e ela ficou mais perigosa para nós. Acontece exatamente o mesmo quando afetamos os equilíbrios do nosso corpo. Torna-se mais perigoso para a nossa sobrevivência e para a nossa saúde. O que se passa no planeta é o que se passa connosco se não dormirmos bem. Arranjamos tempestades.

 

Quais são as principais consequências que a privação do sono pode ter?

 

Tem consequências muito negativas sobre alguns aspetos que são nucleares: aumento da tensão arterial, diabetes, aumento do peso, da depressão, da insónia, isto considerando só as consequências mais leves. Quando consideramos o aumento do risco cerebrovascular, isto é, de ter um enfarte ou um AVC, já tem menos graça. E quando consideramos o aumento do risco de cancro ou de demência, então não tem graça nenhuma mesmo.

 

Dormir pouco pode matar-nos?

 

Bom, vamos lá ver, quando se diz estas coisas é preciso dizê-las em contexto. Não se pode pô-las dessa forma senão daqui a uns tempos tenho pessoas que vêm ter comigo porque não dormiram uma noite e têm medo de morrer. Todos nós podemos passar uma noite sem dormir, ou duas, ou três. Agora, dormir cronicamente menos do que aquilo que se precisa aumenta o risco [de doença] e reduz a esperança de vida. Com todos os avanços que a farmacologia foi tendo, a verdade é que o tipo de sono induzido pelos medicamentos não é comparável ao sono natural.

 

Por muito que se diga [o contrário] não é. Além disso, os remédios atuais, para além de criarem habituação, têm efeitos negativos sobre a memória e sobre a esperança de vida, nomeadamente os hipnóticos e os ansiolíticos antigos. Temos de ter muito cuidado. Não estou a dizer que não se usem, em alguns casos são muito importantes. Mas o tratamento não pode ser feito só com medicamentos, uma insónia é multifatorial, tem várias origens. Enquanto não olharmos para as causas todas de cada pessoa não conseguimos tratar ninguém. Se não olharmos para o stress do quotidiano que uma pessoa tem, não se consegue nunca tratar a sua insónia. O tratamento passa sempre por uma mudança de atitude em relação ao sono e em relação à vida. Por exemplo, quanto mais preocupada uma pessoa está com o seu sono menos dorme. Levar a que deixe de se preocupar tanto é uma parte nuclear do tratamento. O sono está muito bem organizado, é uma coisa extraordinária. Ele funciona por si, não gosta que lhe digam que está na hora de dormir.

 

Vivemos na ilusão de que controlamos o sono?

 

Muita gente gostaria de ter um botão, mas os interruptores do sono são muito complexos, não somos nós que os acionamos. O sono é mais inteligente do que nós e tem funções essenciais para a criatividade, para resolver problemas, para ter capacidade de ter um raciocínio abstrato... Veja o caso do Trump, que diz que dorme pouco. Repare que ele tem um discurso extraordinariamente monótono, repete muitas palavras, diz sempre as mesmas coisas, tem sempre os mesmos gestos, a mesma impressão, é intempestivo, diz coisas inconvenientes, tem problemas morais complexos que também são afetados pelo sono. Ele é um exemplo claro de uma pessoa privada de sono.

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também é conhecido por dormir pouco.

 

Mas o nosso Presidente é uma pessoa especial. Quantos Jesus Cristo houve? Quantos Budas? Quantos Papas houve como o Papa Francisco? Há pessoas que são especiais, que saem da norma. Mas o Einstein dormia muito, o Darwin dormia muito, há muita gente muito inteligente que dormia muito.

 

Thomas Edison achava que dormir era um desperdício de tempo. E quando inventou a lâmpada incandescente, mudou o sono para sempre.

 

A ele devemos muitas das catástrofes [do sono] que temos. Tudo isto resulta da descoberta da lâmpada, as velas não faziam tão mal.

 

Que conselhos pode dar às pessoas que querem dormirem melhor?

 

Para já, devem ter horários mais ou menos certos. Depois, têm de apanhar luz na parte inicial da manhã, têm de fazer atividade física durante o dia, nunca à noite, têm de comer refeições regulares e nunca muito à noite, e têm de relativizar muita coisa na sua vida, não levar os problemas para a cama. Isto é essencial, porque muitas pessoas não dormem por problemas de lana caprina. O Raul Solnado dizia uma coisa fantástica: façam o favor de ser felizes! É algo que me surge muito à cabeça.

 

E os telemóveis, são para deixar fora do quarto?

 

São. Não devemos estar a olhar para o telemóvel ou para o computador até à hora de dormir e não devemos apanhar muita luz à noite, porque a iluminação prejudica a produção de melatonina e vai impedir o sono.

 

 In “Expresso