A doença, que mata milhares de portugueses todos os anos e que custa milhões ao Estado, deveria ser uma das prioridades para a saúde nacional

 

À primeira vista, o título parece exagerado mas é uma das grandes conclusões do Congresso Nacional de Cardiologia, que decorreu entre 28 e 30 de abril, em Albufeira, e que reuniu largas centenas de profissionais da área. Debater a forma de reduzir os números que ensombram a sociedade portuguesa, e que fazem desta doença uma das que mais pesa no orçamento da saúde em Portugal, foi a principal prioridade deste encontro.

 

A insuficiência cardíaca é atualmente uma das principais causas de morte em Portugal — cerca de 21 mil — afetando uma grande parte da população idosa, mas não só. A cada ano são milhares de mortes, muitas das quais evitáveis, muitas horas de trabalho perdido devido ao absentismo e à incapacidade que causa. Fatores que comportam custos indiretos ao Estado na ordem dos €100 milhões, e que somados às despesas com os tratamentos e acompanhamento médico dos doentes chegam quase ao meio milhão, revela um estudo da Católica Lisbon School of Business & Economics.

 

Os médicos mostram preocupação e apreensão com este cenário que atira Portugal para a cauda da Europa, ainda por cima, sem justificação. Segundo João Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, o país está preparado para dar resposta médica ao problema. “O que falta é organização”. O médico falava durante o Momento Expresso, um debate sobre as grandes linhas orientadoras da doença, promovido durante o congresso, e que juntou à mesa Francisco George, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Vicente de Moura, presidente da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca e Miguel Gouveia, professor associado da Católica Lisbon School of Business & Economics.

 

O 'gap' entre médicos e decisores é, na opinião dos presentes, a grande pedra na engrenagem da organização que, todos concordam, faz falta para alavancar soluções que satisfaçam todas as partes mas, acima de tudo, dêem uma resposta efetiva às reais necessidades dos doentes. “Há um divórcio permanente entre quem sabe fazer e quem decide”, reforça João Morais. Ainda assim, o presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia mostra-se otimista com “alguma mudança” verificada nos últimos dois anos. “Olha-se com menos cepticismo para o passado”, diz, e já foram criados grupos de trabalho para avançar neste sentido. O médico acredita que há vontade política mas que é fundamental que seja a classe médica a apontar o caminho aos decisores.

 

Este é, contudo, um trabalho que exige muita sensibilização, nomeadamente, da classe política, como defende Vicente de Moura. A associação que preside tem vindo a fazer um trabalho nesse sentido, junto dos grupos parlamentares na Assembleia da República, como ponto de partida para lançar um conjunto de outras ações junto da sociedade em geral. Entre os projetos está a criação de um Dia Nacional da Insuficiência Cardíaca, com vista a divulgar os sintomas da doença e as formas de tratá-la, mas também a sua inclusão no Plano Cardiovascular Nacional.

 

Seguir as melhores práticas

 

As questões orçamentais são sempre a face mais visível de qualquer problema, e a saúde não é excepção. No entanto, mais do que abrir os cordões à bolsa, é importante aprender com quem faz melhor. Francisco George aponta o modelo norueguês como uma referência nesta área, apesar de afirmar que “Portugal não pode ter um SNS como na Noruega porque a economia não acompanha”. E, voltando à questão da organização, o presidente da Cruz Vermelha acredita que “podemos reorientar as prioridades dos investimentos”. No modelo nórdico há, por exemplo, uma preocupação com a insuficiência cardíaca a montante. “A medicação com estatinas, muito barata, permite reduzir a gordura no sangue e prevenir a doença”. Resultado? A longo prazo há uma menor incidência desta situação clínica e, portanto, menos doentes e menos mortes. O médico acredita que esta estratégia poderia ser facilmente aplicada em Portugal, com resultados visíveis e sem grande peso orçamental.

 

A verdade é que, alerta Miguel Gouveia, se nada mudar face à realidade atual, em 2036 os anos de vida perdidos com esta doença aumentarão 25% — recorde-se, hoje são cerca de 21 mil — e os custos com o seu tratamento terá um crescimento de 24%.

 

PÓDIO DAS URGÊNCIAS PARA O CORAÇÃO

 

Antes, o enfarte do miocárdio era a grande prioridade. Hoje é a insuficiência cardíaca, a morte súbita e a… organização do SNS

 

Insuficiência Cardíaca

 

Com o aumento crescente da população idosa, aumenta também a prevalência de doenças como a insuficiência cardíaca. É, por isso, necessário evitar o aparecimento desta doença, quer através da medicina preventiva, quer pela mudança de comportamentos. Os hábitos alimentares têm que ser alterados, nomeadamente, com o apoio de iniciativas de caráter pedagógico e informativo, que devem começar nas escolas e estender-se a toda a sociedade. A insuficiência cardíaca afeta mais mulheres do que homens e gera elevados níveis de incapacidade. Em média perdem-se 11,4 mil anos de vida resultantes das mortes prematuras destes doentes, a que se somam 9,8 mil anos de vida perdidos devido à incapacidade causada pela doença.

 

Prevenção da morte súbita

 

Esta é outra das grandes prioridades da Sociedade Portuguesa de Cardiologia para os próximos anos. A morte súbita de causa cardíaca corresponde a 20% de todas as mortes, com uma incidência de cerca de uma por 1000 habitantes/ano. Em dois terços das situações é provocada pela doença coronária, e contribui para a mortalidade dos doentes em mais de 50% dos casos. Trata-se de uma morte de causa natural, devida a uma doença cardíaca, caracterizada por uma perda súbita de consciência, e que ocorre dentro de uma hora após o início dos sintomas agudos.

 

Organizar para tratar melhor

 

O SNS tem todas as condições para tratar as doenças do foro cardíaco e não é por falta de meios que não se evitam mais mortes. O problema subjacente é a organização e hierarquização dentro do SNS. João Morais exemplifica: “Não precisamos de ter 20 centros de transplantação para dar resposta ao problema. Temos é que criar as bases para que todos os doentes sejam encaminhados para os serviços de que necessitam, em tempo útil”. O enfarte do miocárdio foi anteriormente a grande prioridade da Sociedade Portuguesa de Cardiologia que, ao conseguir sensibilizar os decisores para o problema, conseguiu operacionalizar programas que lhe dessem resposta. Hoje esta já não é a principal causa de morte em Portugal.

 

A insuficiência cardíaca em destaque no Congresso Português de Cardiologia, em Albufeira. Um encontro organizado pelo Expresso em conjunto com a Novartis, e que contou com grandes nomes da Saúde em Portugal.

 

Grandes nomes da saúde debatem medidas a adoptar: Vicente de Moura, João Morais, Francisco George e Miguel Gouveia, moderados por Patrícia Carvalho, jornalista da SIC, durante o Momento Expresso do congresso em Albufeira

 

In “Expresso”