Coordenador da Unidade de Tratamento e Toxicodependência do SESARAM nota aumento do número de diagnósticos
O psiquiatra Licínio Santos fala sobre as causas, sintomas e tratamento da ansiedade e depressão.
Quais são os fatores que mais prejudicam a nossa saúde mental?
Muitos têm a ver com o nosso estilo de vida, por exemplo, o stress. As famílias estão cada vez mais desestruturadas, há menos rede de suporte e de apoio, mais desemprego, mais carências e mais empréstimos. Todos estes fatores podem contribuir para o surgimento de quadros psiquiátricos.
Depois, há a componente genética que nós sabemos que é imutável e sabemos que ao nível das esquizofrenias, depressões e doenças afetivas bipolares os números mantêm-se, independentemente do meio, da sociedade. Os quadros de depressão reativa e de ansiedade é que oscilam e são relacionados com os fatores de stress.
Como se distingue a depressão da tristeza?
Não existe felicidade em contínuo e há uma distinção entre tristeza e depressão. Se eu perder um ente próximo vou sentir tristeza normal reativa à morte dessa pessoa que era próxima. Mas se eu de repente começar com pensamentos suicidas, ou se for comprar um frasco de remédio de lagartixas, isso já não é um luto normal. Se eu não dormir, se não tomo banho há duas semanas, isso não é uma reação de luto ou de perda normal, já é uma reação depressiva e patológica.
O que é a ansiedade?
A ansiedade anda muitas vezes de mãos dadas com a depressão. Nos primórdios, quando vivíamos em cavernas, víamos o perigo e tínhamos uma reação de fuga: havia tensão muscular, o sangue era desviado para os músculos, o coração batia mais forte e sentíamos suores frios. Hoje em dia, apesar de os perigos nem sempre serem reais, a ansiedade é e faz-nos sofrer imenso: sentimos palpitações, o coração a bater, suores, ficamos com o sono perturbado, com ideias de que a sirene que tocou agora é de um familiar meu que vai agora a caminho do Serviço de Urgência. Se ouço que um avião caiu na Tailândia, da próxima vez que for viajar o meu inconsciente vai ficar com medo.
Hoje em dia essa ansiedade ainda é necessária?
Só quando se torna numa preocupação excessiva e permanente é que ela interfere com as alterações da cognição, da memória e da atenção, fazendo aumentar os medos e inseguranças do incerto, do imprevisto. Mas da mesma forma que os instintos são necessários para a nossa sobrevivência, a ansiedade também é e só se torna desadaptativa quando é excessiva.
São cada vez mais os casos diagnosticados?
Sim, seguramente tem havido consequências das mudanças de estilos de vida.
E na Madeira há mais casos de doenças do foro psiquiátrico do que no resto do País?
Não, na verdade estamos sujeitos ao mesmo sistema financeiro, às mesmas condicionantes e a realidade acaba por ser a mesma. A única diferença que existe em relação ao território continental diz respeito às vicissitudes da insularidade e com a consanguinidade.
Os casamentos entre familiares contribuíram para esses quadros e, para além disso, é um meio muito pequeno onde toda a gente se conhece e onde há menos oferta de emprego.
A medicação é sempre solução para o problema?
A medicação é parte da solução, mas muitos dos casos nem precisam dela, mas sim de uma intervenção de mudança de hábitos e de estilos de vida mais saudáveis, devendo trabalhar do ponto de vista psicoterapêutico para minimizar os fatores de stress e intervir no agente causal que está por trás dos quadros depressivos ligeiros ou reativos.
Nos quadros mais graves, a medicação tem o seu papel importante, mas deve ser utilizada de ama forma racional e cientificamente correta. Não é o gesso que está numa perna partida que põe a pessoa a andar, mas ajuda.
Mas qual é o efeito da medicação?
De uma forma geral minimiza o sofrimento, a angústia, a dor psíquica, o negativismo, o ver as coisas de uma forma mais afunilada e não de uma forma holística. Quando alguém tem depressão fica com com ausência de energia, de vontade e muitas vezes quer atentar contra a própria integridade. Tem de haver um apoio da sociedade ao nível psicoterapêutico e essas pessoas têm de implementar mu- danças cognitivas, de hábitos e de estilos de vida.
Continua a haver muito preconceito na procura por ajuda psiquiátrica?
Infelizmente ainda existe o estigma e, por vezes, as pessoas preferem ir a um médico de outra especialidade do que a um psiquiatra. Não se entende num século XXI e com a informação já disponibilizada porque é que ainda há este estigma. Também cabe à comunicação social desestigmatizar a saúde mental que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, em 2030 será a segunda condição médica mais frequente. Quatro em dez pessoas em algum momento da vida vão sofrer de um quadro depressivo, são números astronómicos e seria importante que as pessoas se consciencializassem que o sofrimento psíquico não atinge só o próprio, mas também família e sociedade, retira anos de vida e diminui a produtividade.
E o nosso serviço está preparado em termos de recursos humanos para tomar conta desta problemática?
Ao nível de recursos humanos ainda estamos muito aquém da necessidades. Não existem serviços perfeitos, mas o serviço de Psiquiatria e saúde mental necessita realmente de muitas mudanças internas para poder ajudar a população no que respeita à saúde mental. Para além disso, temos de pensar em políticas que minimizem o sofrimento da população, ao nível de emprego, ao nível de pensões, reformas, desemprego e de paternidade tem de haver outra estratégia.
Há muita gente à espera de consulta?
Não tenho conhecimento nem estou capacitado para dar essa informação.
Há sempre cura para estas patologias?
Não há cura, há tratamento. Há situações que têm uma componente genética muito pesada e não respondem ao tratamento. Poderemos pensar na regra dos 20, ou seja, 20% resolvem-se por si próprios ou com a ajuda de amigos ou familiares; 40% resolvem-se com a ajuda dos técnicos, 20% mantém sempre alguma sintomatologia e há outros que têm uma adesão irregular à terapia, procuram ajuda e fogem, mantendo sempre algum sofrimento. Mas cerca de 80% dos que aderem mesmo ao tratamento têm uma resposta favorável.
Cláudia Ornelas
In “JM-Madeira”