Actual surto infectou 86 pessoas até agora, a maioria estava vacinada e eram profissionais de saúde. Nesta terça-feira realiza-se uma audição pública sobre sarampo e vacinação no Parlamento.

 

 

Dos 86 casos de sarampo confirmados até esta segunda-feira pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), apenas 19 não estavam vacinados ou não tinham o esquema vacinal completo (desde a década de 1990 que são aconselhadas duas doses). A vacina tem perdido eficácia? Deve o Programa Nacional de Vacinação ser alterado?

 

Nesta terça-feira realiza-se no Parlamento uma audição pública sobre o sarampo e a vacinação. Um requerimento que o PCP apresentou aquando do surto do ano passado, mas que só agora foi marcado pela comissão de saúde. Contactados pelo PÚBLICO, PCP, PS, BE, PSD e PAN disseram não ter iniciativas legislativas em estudo na sequência deste surto, mas que aguardam pelos resultados da audição para avaliar se se justifica fazê-lo. E defendem a promoção de campanhas de sensibilização e informação para aumentar a vacinação.

 

“É preciso fazer uma análise cuidada porque este surto não tem as características de um surto clássico. É preciso fazer um estudo clínico e epidemiológico aprofundado para se poderem tirar conclusões e poder actuar no futuro”, diz o infecciologista Jorge Atouguia. Por ser um surto em que a maioria das pessoas está vacinada, a forma como foram administradas as vacinas, se os doentes identificados tiveram formas exacerbadas ou formas ligeiras da doença são algumas das questões que considera que devem ser estudadas.

 

Também o especialista em epidemiologia de doenças transmissíveis e membro da Comissão Técnica de Vacinação da DGS, Manuel Carmo Gomes, diz que estamos a assistir a uma situação nova em Portugal e noutros países com grandes taxas de vacinação que resulta da ausência prolongada de contacto com o vírus.

 

 “Interrompemos a circulação endógena do sarampo e, com isso, fizemos com que os indivíduos nascidos desde aproximadamente 1990-95 não tivessem outro contacto com o vírus que não fosse o do dia em que tomaram a vacina”, diz, salientando que a presença do vírus no país permitia activar a memória imunológica e manter uma concentração elevada de anticorpos. A evidência mostra que uma percentagem de jovens adultos está a perder protecção fruto desta situação.

 

A tese de doutoramento do professor João Frade, da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria, feita em 2014, aponta no mesmo sentido. O docente concluía que as idades de toma da primeira e segunda dose da vacina poderiam vir a “ser alteradas por forma a adequarem-se às mudanças epidemiológicas ocorridas nos últimos anos em Portugal”.

 

Essa necessidade de estudar as alterações ao padrão epidemiológico da população portuguesa é exactamente a ressalva de Carla Nunes, uma das coordenadoras da tese. A docente da Escola Nacional de Saúde Pública olha para este estudo como um “levantamento das fragilidades que são naturais em qualquer vacina e um pequeno alerta de que é preciso estudá-las”.

 

Manuel Carmo Gomes admite que será de esperar mais surtos como o actual. “Embora não tenhamos transmissão sustentada do vírus, temos bolsas de [pessoas] susceptíveis que são vulneráveis a casos importados e podem originar cadeias de transmissão”, diz, lembrando que “a eliminação de uma doença infecciosa não pode ser entendida como a ausência total de casos de doença na população para sempre”. E salienta que os vacinados que ficaram doentes não tiveram complicações, o que mostra uma “boa resposta do sistema imunológico destas pessoas”. Mas esta não é, porém, “suficientemente rápida para evitar os sintomas”.

 

O especialista diz não estar seguro de que um eventual reforço da vacina em idade adulta seja o caminho mais recomendável. Também Paula Valente, consultora da DGS, refere que a “existência de uma terceira dose não foi preconizada em nenhum país”. A médica explica que a segunda dose da vacina já vai permitir que os cerca de 5% que se estima não terem ficado devidamente imunizados com a primeira dose possam ficar protegidos.

 

Um só doente pode infectar 18 a 20 pessoas

 

Refere também que os profissionais se expõem a “uma quantidade enorme de vírus que ultrapassa a capacidade de defesa produzida pela vacina, que pode assim não evitar a doença”. E destaca o facto de o sarampo ser altamente contagioso. Um só doente pode infectar 18 a 20 pessoas e que não estando os médicos de adultos habituados ao sarampo é normal que possam considerar primeiro outras doenças.

 

Sabe-se agora que a origem do surto no Porto foi uma estudante de Erasmus que não estaria vacinada e à qual terão sido diagnosticados sintomas gripais na urgência do Hospital Santo António, noticiou o Expresso.

 

Segundo a DGS, desde o Verão passado, no âmbito de uma campanha de repescagem de adultos e crianças, foram vacinadas mais de 40 mil pessoas. Entre as quais se contam entre 2000 a 3000 profissionais de saúde. A DGS iniciou, já na sequência deste surto, um balanço sobre a taxa de vacinação entre os profissionais de saúde que será divulgado “em breve”.

 

ANA MAIA e MARGARIDA DAVID CARDOSO

 

In “Público”