Entrevista: David Martinho
No dia em que se assinalou internacionalmente a Incontinência Urinária, o SaúdeOnline falou com David Martinho, urologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, para saber mais sobre neuromodulação sagrada, um tratamento que melhora a qualidade de vida destes pacientes.
Em Portugal, estima-se que a incontinência urinária afete cerca de 600 mil portugueses. Esta patologia é mais comum nas mulheres, dividido-se em incontinência urinária de esforço – perda de urina relacionada com o esforço, sem sensação de vontade de urinar ou de bexiga cheia, que pode ocorrer predominantemente na mulher jovem e em idade adulta -, de urgência – perda de urina acompanhada ou imediatamente antecedida por uma vontade súbita ou urgência miccional, que é mais frequente na mulher idosa -, e mista, quando associa ambas as situações acima descritas.
O tratamento existe e muitas vezes não é discutido pelo doente com o seu médico, por vergonha ou por se considerar que é um problema “normal” da idade. A incontinência urinária é tratável com neuromodulação das raízes sagradas, uma opção de tratamento que se traduz na estimulação dos nervos sagrados (como se fosse um pacemaker), que permite alcançar uma resposta biológica que melhora os sintomas do doente. O procedimento é realizado em regime ambulatório, com anestesia local, sendo minimamente invasivo.
SaúdeOnline | Quais os desafios para lidar com esta patologia no dia-a-dia?
David Martinho | A incontinência urinária é definida como a perda involuntária de urina. Poderá ser precedida de urgência miccional (imperiosidade), estar associada ao esforço (de stress) ou ter ambas as situações (mista). Esta ocorrência acaba por condicionar a atividade diária do doente levando a uma programação das saídas do domicílio em função da existência de WC (no caso da incontinência por imperiosidade) e evita realizar esforços como frequentar ginásios ou praticar desporto (no caso da incontinência de esforço ou stress). Isto tem impacto negativo sobre a auto-estima do doente e na sua saúde mental, levando a um maior isolamento e até diminuição de rendimento laboral bem como custos monetários directos (pensos, fraldas). Indiretamente, tem elevados custos para a sociedade.
SO | No que consiste a neuromodulação sagrada?
DM | A SNM (Sacral neuromodulation) está indicada em determinadas disfunções miccionais como na hiperactividade vesical (urgência-frequência), associada ou não a incontinência, e nos casos de retenção urinária sem obstrução. A neuromodulação sagrada consiste em interferir na informação enviada da bexiga para o sistema nervoso central e vice-versa originando alterações adaptativas cerebrais que normalizam o ciclo miccional.
SO | Como se processa a intervenção?
DM | Consiste em introduzir um eléctrodo na região sagrada, no buraco de conjugação de S3, junto do nervo pélvico, que por sua vez está conectado a um gerador de impulsos eléctricos. Estes impulsos são programados na sua energia, frequência, amplitude interferindo na informação dos nervos “normalizando-a”.
SO | Que outras patologias podem ser tratadas?
DM | A disfunção defecatória (obstipação ou diarreia), disfunção eréctil por disfunção do sistema nervoso central, retenção urinaria não obstrutiva e síndrome doloroso pélvico podem ser tratadas por neuromodulação sagrada.
SO | A 14 de março, assinala-se internacionalmente a incontinência urinária. Este dia serve para chamar a atenção para o problema? As pessoas ainda fazem dele um certo ‘tabu’?
DM | O tabu da incontinência urinária tem vindo a esbater-se ao longo dos últimos anos. Atualmente existe muita maior facilidade de acesso a informação médica e os média têm desempenhado um papel fulcral na promoção da saúde e alerta para determinadas doenças que têm cura como a incontinência urinária. Além disso, cada vez mais se procura o bem-estar pessoal. No entanto, ainda existe algum preconceito e receio em falar do assunto, principalmente quando a doença surge em idades mais avançadas. Na sabedoria popular ainda se considera que a incontinência urinária faz parte do envelhecimento, principalmente na mulher, e que pouco há a fazer para resolver o problema. No entanto, cada vez mais se procura envelhecer com qualidade de vida e a incontinência urinária é um dos fatores que mais impacto negativo tem na qualidade de vida dos idosos, principalmente mulheres. Atualmente existem técnicas consideradas minimamente invasivas que permitem tratar os diferentes tipos de incontinência urinária, que vão sendo do conhecimento público, levando a um aumento da procura destes tratamentos principalmente na ultima década.
SO/Sara Fernandes
In “Saúde Online”