A utilização pelos nossos especialistas do grande repositório de conhecimentos e de competências da UE pode trazer benefícios concretos para muitos milhares de doentes.

Enquanto médico, testemunhei muitas vezes histórias trágicas de pessoas com doenças raras ou complexas e, garanto, a situação é igualmente frustrante para os médicos, que querem os melhores resultados possíveis para os seus doentes.

 

Pela sua raridade e complexidade, escasseiam os conhecimentos especializados para lidar com estas doenças e, quando existem, pecam pela fragmentação. Por conseguinte, é frequente não estarem disponíveis na região ou no país do doente. No entanto, esta mesma característica torna o trabalho sobre as doenças raras uma área de enorme valor acrescentado a nível europeu: no âmbito das RER, a utilização pelos nossos especialistas do grande repositório de conhecimentos e de competências da UE pode trazer benefícios concretos para muitos milhares de doentes.

 

A 1 de março de 2017 foram lançadas as redes europeias de referência (RER). Trata-se de redes virtuais que reúnem prestadores de cuidados de saúde de toda a Europa para combater patologias complexas ou raras. Existem atualmente 24 RER temáticas implantadas em 25 países da UE e na Noruega, com mais de 900 unidades de cuidados de saúde altamente especializadas, as quais trabalham em conjunto num vasto leque de temas, que vão das patologias ósseas às doenças hematológicas, do cancro infantil à imunodeficiência.

 

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Doenças raras na UE

 

As doenças raras são doenças que afetam, no máximo, cinco em cada 10.000 pessoas. No seu conjunto, entre 5000 e 8000 doenças raras afetam o quotidiano de cerca de 30 milhões de pessoas na UE, muitas das quais crianças. As doenças raras e complexas podem causar problemas de saúde crónicos e muitas delas são potencialmente fatais. Exemplos de doenças raras:

 

Fibrose cística, doença hereditária que afeta os pulmões, o sistema digestivo e outros órgãos e atinge cerca de um em cada 9000 europeus

 

Hepatoblastoma, tumor hepático infantil muito raro que afeta principalmente crianças muito pequenas (0-3 anos). A sua incidência na UE é apenas de uma em cada cinco milhões pessoas.

 

Fibrodisplasia ossificante progressiva afeta apenas 3500 pessoas em todo o mundo e provoca a ossificação de músculos, tendões, ligamentos e outros tecidos conjuntivos

 

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Decorrido um ano desde o seu lançamento, as RER tratam mais de 50 doentes com doenças raras. Doentes como o Tiago, do Porto (*), cujos problemas começaram com uma perna partida. Quando lhe foi removido o gesso, a perna estava anormalmente sensível e, em vez de ganhar massa muscular, começou a perdê-la. A princípio, o seu ortopedista pensou que tal se devia ao gesso e à longa imobilização mas os problemas persistiram. Os médicos pensam que o Tiago sofre de uma síndrome neurológica rara mas não têm certezas. Esperam poder confirmar o diagnóstico através das RER e encontrar um tratamento que ajude a controlar a dor e a perda de massa muscular do Tiago, melhorando assim a sua qualidade de vida.

 

No âmbito desta iniciativa, o primeiro ponto de contacto para um doente com uma doença rara ou sintomas não diagnosticados é o seu médico que, com o consentimento do doente, pode solicitar o parecer de um membro de uma RER. Para analisar o diagnóstico e o tratamento de um doente, médicos especialistas de diferentes áreas e de toda a UE discutem o problema, trocam informações e partilham conhecimentos, o que muitas vezes acontece no âmbito de conselhos consultivos transfronteiras, através de uma plataforma informática específica desenvolvida pela Comissão Europeia. Deste modo, são os conhecimentos médicos que “viajam”, não havendo necessidade de submeter o doente a deslocações extenuantes entre regiões e países, como frequentemente acontecia até aqui.

 

Tiago não é o único doente que beneficia dos conhecimentos especializados transfronteiras proporcionados pelas RER. Os casos de doentes de muitos outros países da UE — incluindo crianças muito pequenas — que sofrem de doenças neurológicas raras, cancros, doenças hematológicas e outras patologias estão a ser analisados e alguns receberam já um diagnóstico correto e aconselhamento sobre o tratamento a seguir.

 

Como o Tiago e as dezenas de outros doentes com doenças raras que têm agora uma esperança renovada, as RER estão no bom caminho. No próximo ano, espero que as RER possam vir a ajudar centenas ou mesmo milhares de doentes e, a mais longo prazo, é meu desejo que o modelo das RER seja extensível a outras doenças. À medida que se atinge uma massa crítica de doentes examinados, diagnosticados e tratados, as RER impulsionarão a investigação através de estudos clínicos em grande escala, contribuindo para a sustentabilidade dos sistemas nacionais de saúde. Estou confiante de que as RER ajudarão a melhorar a qualidade de vida de muitos doentes na UE que sofrem de doenças e patologias raras e/ou complexas — sejam eles crianças ou adultos. (*) Os dados identificadores, incluindo o nome, a idade e, em alguns casos, o país, foram alterados para respeitar a privacidade dos doentes. 

 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

 

Comissário europeu da Saúde e Segurança Alimentar

In “Público”