A 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais define a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) como uma patologia do neurodesenvolvimento, que se manifesta por défice na comunicação e interação social, e por comportamentos restritos e repetitivos.

 

É uma doença complexa, com apresentação clínica heterogénea, sem um marcador biológico que auxilie o diagnóstico, desconhecendo-se as causas ou um tratamento fiável. Por todos estes aspetos, o autismo tem sido alvo de muito interesse e estudo. No entanto, a ausência de certezas científicas fez emergir promotores da pseudociência, que alegam tratamentos “milagrosos”, sem evidência clínica comprovada, alguns deles muito dispendiosos. Existe muita desinformação, o que gera confusão. As famílias de indivíduos com autismo, que se apresentam vulneráveis, são facilmente influenciáveis na ânsia de encontrar explicações e soluções. Nascem mitos e controvérsias.

 

A ciência avança e corrige-se a ela própria, eliminando velhos mitos e criando outros novos. Um dos mitos na PEA relaciona-se com a vacinação. Esta crença nasceu de um estudo científico mal realizado, e que já se provou estar errado. A história conta-se assim: em 1998, uma equipa de investigadores ingleses, liderada pelo médico gastroenterologista Andrew Wakefield, publicou um artigo na conceituada revista The Lancet, no qual foram descritos 12 casos de crianças, que após a administração da vacina tríplice contra o sarampo, parotidite (papeira) e rubéola (VASPR), teriam desenvolvido autismo. A informação foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação social e as reações foram imediatas. Muitos pais, assustados, passaram a recusar vacinar os seus filhos. Contudo, já foram realizados vários estudos em todo o mundo, que incluíram mais de um milhão de crianças, e não foi comprovada nenhuma relação de causalidade entre vacinação e autismo. Em 2010, o General Medical Council britânico descobriu que os resultados divulgados no artigo original tinham sido falsificados e decidiram retirar a licença médica ao Dr. Wakefield por má conduta ética e fraude. Todavia, o mal já estava feito. O impacto na saúde pública ainda permanece nos dias de hoje. As dúvidas e os medos que lançaram na população continuam presentes, sendo que ainda circulam notícias nas redes sociais a desencorajar a vacinação devidos aos riscos de desenvolver autismo. Infelizmente, parece que perdemos a capacidade de distinguir mentiras de verdades. Vivemos na era da “pós-verdade”, indiferentes à veracidade dos factos.

 

O termo “pós-verdade” (do inglês “post-truth”) foi eleita a palavra do ano de 2016, na língua inglesa, pelo departamento da universidade de Oxford. Este neologismo é definido como um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais factos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Devemos hoje, mais que nunca, procurar fontes fidedignas de informação, e não acreditar em tudo o que lemos. Há inúmeras notícias falsas disseminadas na internet. Mantenha um espírito crítico.

 

Finalizo este artigo salientando que o autismo não pode ser explicado por uma causa única, será provavelmente a combinação de fatores genéticos, do desenvolvimento e do ambiente. Reforço a mensagem de esclarecimento de que a vacinação não causa Perturbação do Espectro do Autismo. JM

 

CARINA FREITAS – Médica

 

In “JM-Madeira”