Depois dos excessos alimentares cometidos na quadra natalícia, é hora de colocar um travão nas gorduras e voltar a adoptar um estilo de vida saudável, através de uma alimentação equilibrada. Mas, por vezes, nem sempre é fácil deixar de lado os doces da festa e substituí-los por alimentos ricos em fibras.
Em conversa com o DIÁRIO, a nutricionista Márcia Freitas explica que fazer dieta não implica passar fome. Basta equilibrar os alimentos certos ao longo do dia e diz que o segredo do sucesso é substituir as dietas por um bom plano alimentar.
Depois dos excessos do Natal, olhamos ao espelho e muitas vezes não gostamos daquilo que vemos. E agora?
É normal abusarmos um pouco mais de determinados alimentos no Natal, faz parte da época provar certas coisas. São os convívios, as broas, o bolo de mel e quando fazemos um plano alimentar não podemos ser radicais, mas não é por causa do Natal que aumentamos de peso, é por todos os dias do ano que fazemos abusos. O problema das pessoas é começarem a má alimentação logo no mês de Janeiro.
O ideal é termos um dia de abuso semanal e fazermos algumas escolhas. Temos de ver os alimentos como uma forma de prazer q.b. pois é nas primeiras grafadas que temos prazer. A partir daí é a gula a falar mais alto. Comemos só por comer, ou porque é Natal. É preciso alguma consciência.
A consciência vem depois de termos ‘enfardado’ tudo. Uma dieta equilibrada depois do Natal deve basear-se em quê?
Primeiro, cada um deve saber que peso tem e enfrentar o prejuízo. A partir daí é preciso fazer um desmame total dos abusos alimentares. Cortar nos doces porque é como se fosse uma droga, quanto mais comemos, mais queremos. É necessário 7 a 14 dias ou às vezes 21 dias para fazer o desmame. O problema é que vem a época dos Reis, depois o Carnaval e a Páscoa e nunca mais fazem a desintoxicação que deve começar logo no início de Janeiro.
Que alimentos devemos introduzir?
Sobretudo os vegetais para sentimos mais saciedade e para controlarmos melhor a glicémia (o açúcar no sangue). Quando abusamos nos doces, a nossa glicémia fica desequilibrada, dando a sensação de fome ou vontade de comer.
A alimentação pós-natal deve ter proteínas, vegetais e gorduras saudáveis para equilibrar a glicémia. Vou dar um exemplo: em vez de comer o pão sem nada ao pequeno-almoço, pode adicionar uma proteína como o ovo, o queijo ou o fiambre. No almoço ou jantar opte pela proteína da carne e do peixe. É importante ingerir proteínas durante o dia para controlar a glicémia e ter menos apetite.
Como devemos distribuir os alimentos?
Na merenda da manhã pode juntar fruta e frutos secos ou uma colher de chá de manteiga de avelã ou de amêndoa. Há pessoas que comem uma maçã e ficam com mais fome porque o açúcar da fruta é rapidamente absorvido e vai apetecer algo doce. Isto acontece porque houve um pico de glicémia e nestes casos apetece comer ‘este mundo e o outro’. É estes picos que temos de controlar através de alimentos da terra. Porque não deixar as bolachas de lado e apostar numa fatia de batata doce como lanche? Estamos formatados para comer apenas bolachas e pão e isso é mau. Vai notar que fica saciada sem esforço.
Fazer dieta implica passar fome?
De maneira alguma. Quando dou os meus planos alimentares aos pacientes não falta comida. Tem sempre um bocadinho de tudo, bem distribuído, para não haver a necessidade de petiscar. Quando as pessoas aumentam de peso, fazem imediatamente um plano restritivo e com isso acabam por sentir mais fome, ficam com a glicémia descontrolada e vai apetecer doces. Logo, vão engordar em vez de emagrecer.
O truque está em comer porções controladas de acordo com o peso, a idade e altura.
É tudo uma questão de equilíbrio?
Sim, se reparar nas pessoas que mantêm o mesmo a longo prazo, elas não comem tudo o que está na mesa. Fazem a sua selecção e em alturas festivas, mesmo que aumentem um quilo, combatem-no facilmente com a rotina normal do dia-a-dia.
As pessoas que oscilam de peso não conseguem um equilíbrio porque sempre que fazem dietas retiram quase tudo do plano alimentar. Acabam por não ter o controlo do apetite e depois é uma bola de neve. A comida faz aumentar a hormona do prazer, denominada serotonina, razão pela qual não param de comer quando estão deprimidas.
É preciso ter uma melhor relação com a comida?
Sim e perceber também que a comida não vai acabar. Temos a tradição de comer determinados produtos numa altura específica, como o bolo rei nos Reis, mas o problema é que acabamos por comer os produtos o ano inteiro. Há pessoas que, por questões de gula, abusam. É Natal, ninguém leva a mal, mas não pensam como fica o intestino nessas alturas, como as fezes mudam, o quanto a flatulência ocorre, além do grande mau estar associado a isto. As pessoas esquecem que, se comermos com moderação temos o mesmo prazer.
A verdade é que não precisamos de muita comida. As pessoas gastam muito dinheiro em comida na altura do Natal e não há necessidade. São petiscos, bombons e coisas sem valor nutricional. Porque não fazer o q.b.? Encontrar o nosso meio termo e o nosso equilíbrio nas porções certas e não pensar que a comida vai acabar. No Carnaval devem comer as malassadas, na Páscoa as amêndoas na dose certa. O prazer não se resume a um pedaço de comida, está no convívio.
Os sumos detox são amigos ou inimigos?
Para as pessoas que têm dificuldade em voltar à rotina, eu costumo sugerir um plano detox para ajudar a fazer o desmame dos sabores. Mais do que dois dias não é aconselhável porque as pessoas ficam com dores de cabeça e sentem algum mau estar. Não é pelo detox que vamos perder peso. Isto faz sentido para começar uma nova rotina. Não é só à base de sumos, pode ser comida sólida como fruta, vegetais, frutos secos, coco, azeitonas e outros alimentos. Aí vai notar uma grande diferença. Um detox à base de alface, tomate e pepino não vai funcionar. Tem de ser rico em nutrientes e apenas durante dois dias.
Uma alimentação saudável inclui um bocadinho de tudo na proporção certa?
Exactamente, tentando equilibrar a quantidade de açúcar no sangue. Não pense só em calorias, pense em estruturar melhor os alimentos durante o dia para não ter fome. A ideia é não pensar que está em dieta. Nos primeiros dias do ano é normal que sinta algum desconforto porque habituou o seu corpo a muita quantidade, mas depois já vai sentir os efeitos positivos. É importante dormir bem, pelo menos sete a oito horas, apanhar um bocadinho de sol, porque a vitamina D, proveniente do sol, ajuda a dar um certo equilíbrio ao nosso corpo e beber água, mesmo sem ter sede, porque o álcool desidrata o corpo. Fazendo isto é possível equilibrar o peso sem fazer dietas loucas.
Como fazer dieta se estamos sempre em festa?
A Madeira está sempre em festa, o que é bom, mas não espere até ao Carnaval, não espere até à Páscoa para fazer a mudança, porque vai haver sempre uma festa. Comece agora e mantenha o plano para que esteja sempre bem. Esta é a diferença entre um plano alimentar e uma dieta, é sentir-se bem com o plano e consigo própria. Vai ser mais feliz, nem que seja por uma questão de bem-estar e auto-estima. E nós mulheres damos muita importância a isso, se estivermos bem com o nosso corpo, estamos bem com o resto.
Aliado a tudo isto, o exercício físico é obrigatório?
O exercício é uma grande ajuda para queimar aquelas calorias extras, mas não pensem que só por ir ao ginásio pode abusar em termos alimentares. O ginásio é um extra, mas por favor, não compense demasiado na alimentação só porque faz exercício físico. O ginásio é para tonificar os músculos, mas não o faça apenas para comer mais. 70% do resultado é a alimentação, 20% é o ginásio e 10% é o sono, o controlo do stress e o sol. Portanto, não dependa de 20% para alcançar o seu objectivo. O ginásio ajuda, mas não é suficiente por si só. Seja inteligente na forma como faz o plano alimentar e verá que comer sem engordar é afinal uma meta possível de alcançar.
Entrevista com Márcia Freitas, nutricionista
In “Diário de Notícias”