O Mieloma é uma doença sistémica que a tradição ainda denomina, por excesso de rigor, como sendo Múltiplo. Por definição, não há mielomas isolados ou únicos.

É uma das neoplasias hematológicas mais frequentes em pessoas idosas, com cerca de 400 novos casos / ano em Portugal, metade dos quais em indivíduos com mais de 65 anos. É uma doença de células do sangue, com origem em plasmócitos, mas com impacto em múltiplos órgãos e sistemas. É uma doença imunossupressora e, por essa via, associada a infecções recorrentes. Provoca disfunção renal. Destrói os ossos e manifesta-se por osteólise com fracturas e dores intensas. Perturba a hematopoiese e causa anemia. Pode afectar o sistema cardiovascular e está ligada a uma maior probabilidade de tromboses venosas profundas. Ao longo da sua evolução, mais ou menos rápida, esta doença pode atingir o sistema nervoso periférico e central, por invasão ou por deposição de amilóide, o aparelho digestivo e as vias respiratórias.

 

Felizmente, o prognóstico desta doença, ainda incurável na larga maioria dos doentes, tem vindo a melhorar ao longo dos últimos 30 anos. Há mais anos vividos, maior número de anos vividos sem tratamento e uma grande diminuição dos sintomas associados à doença. Uma doença que, nos anos 80, estava associada a uma probabilidade de sobrevivência de 18 a 24 meses, para os doentes mais seriamente afectados, passou a ter sobrevivências de 8 anos na generalidade dos doentes, já com sobreviventes de duração superior a 20 anos. De notar que todo este progresso tem sido possível graças a um conjunto de circunstâncias favoráveis que se conjugaram. Hoje em dia, apesar de ainda não conhecermos a causa primeira do mieloma, sendo que esta doença deverá ter génese multifactorial, já sabemos muito mais sobre a sua genética, evolução e fisiopatologia celular. Há um conjunto de medicamentos que são dirigidos especificamente ao mieloma, explorando as fragilidades da célula doente, intervindo em mecanismos finos da fisiologia, da proteómica e da genética. Há intervenções no campo da imunoterapia, tal como já antes sucedia nos linfomas, que brevemente serão, se me é permitido especular, a espinha dorsal do tratamento medicamentoso do mieloma, em combinações que usarão imunomoduladores e anti-corpos monoclonais. É altamente provável que venhamos a ter acesso a terapias celulares dirigidas ao mieloma como começa a ser agora o caso em linfomas e leucemia de linfócitos B. Já há medicamentos eficazes na prevenção e tratamento da doença óssea do mieloma. Vamos ter agentes que impeçam o desenvolvimento de amilóide. Nos últimos 30 anos, houve desenvolvimentos ao nível da infecciologia que contribuíram decisivamente para a diminuição do risco de morte associado a esta doença. Além de tudo isto, há um novo e alargado conjunto de antálgicos que mudaram muito a qualidade de vida dos doentes, cuja patologia estava dominada pela dor associada à destruição óssea. As ferramentas diagnósticas e o seu impacto no prognóstico são já de grande precisão. Há melhores métodos laboratoriais de detecção da gamapatia, das células doentes, inclusivamente em circulação no sangue, e das lesões nos ossos ou em outros órgãos. A medicina nuclear e a radiologia são componentes indispensáveis no diagnóstico, estadiamento e avaliação de resposta, já não usando a radiologia convencional do esqueleto, claramente ultrapassada pelas TAC de baixa dose, RMN de difusão e o PET.

 

Mas há ainda muito por descobrir e em Portugal, como em outros Países, há uma grande vontade e capacidade de trabalhar para a melhoria da sobrevivência e da qualidade de vida dos doentes com mieloma. Iniciativas, como aquela que a Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL), em associação com a Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) e a AMGEN Biofarmacêutica, agora repete são demasiado importantes para que se desperdicem. Estou certo que a comunidade de investigadores interessados no mieloma estará atenta a mais esta oportunidade de obtenção de financiamento, concorrendo com propostas de grande qualidade que, como em anos anteriores, tornarão muito difícil a decisão sobre a atribuição a um vencedor. Afinal, serão sempre os nossos doentes a beneficiar do que vier a ser feito e, por isso, estaremos todos muito gratos a quem se quiser juntar a esta iniciativa.

 

Fernando Leal da Costa

 

Médico IPO Lisboa

In “Saúde Online”