“É urgente um trabalho de divulgação da doença e dos seus possíveis sinais de alarme”
No dia em que se assinala mundialmente o Cancro Pancreático, o SaúdeOnline esteve à conversa com Vitor Neves, o presidente da Europacolon Portugal, que nos falou um pouco mais sobre a doença e as iniciativas que a organização desenvolve.
O que é o cancro do pâncreas?
Vítor Neves (VN) | O pâncreas é uma glândula que se situa no abdómen, atrás do estômago e que se divide por cabeça, corpo e cauda. Este órgão tem duas importantes funções, nomeadamente, a função exócrina e a função endócrina que se traduzem, simultaneamente, na produção de um suco composto de enzimas que digerem todas as componentes dos alimentos e, ainda, na produção de hormonas e insulina que regulam o nível de açúcar no sangue. O cancro do pâncreas baseia-se no desenvolvimento de células e massas cancerígenas na função endócrina e exócrina do pâncreas. 95% dos cancros pancreáticos consistem em tumores exócrinos.
Quais são os principais sintomas/fatores de risco?
VN | Existem diversos fatores que são conhecidos por aumentarem o risco de cancro pancreático.
A idade, o tabagismo, os maus hábitos alimentares com uma grande quantidade de gorduras saturadas e carnes vermelhas, a ingestão de uma grande quantidade de álcool, o excesso de peso e obesidade, a diabetes (pode duplicar o risco de Cancro do Pâncreas), a pancreatite crónica e a história familiar são todos fatores que podem aumentar a probabilidade do seu aparecimento.
No entanto, é impossível definir uma causa única para cada doente, já que pode ser motivado por vários fatores, mas também se pode desenvolver quando o doente não tem nenhum deles.
Alguns dos sintomas mais presentes são náuseas, dor de costas ou coluna dorsal, perda de peso inexplicável, alteração de hábitos intestinais (esteatorreia e diarreia), dor abdominal e icterícia, aos quais as pessoas devem estar atentas e partilhar com os seus médicos.
Por que razão a deteção deste tipo de cancro acontece muitas vezes numa fase tardia?
VN | Os sintomas são vagos e inespecíficos, podendo por vezes apontar para outras doenças, o que leva a um diagnóstico tardio da doença. O facto de não se ligar particularmente a estes sinais ou estes apenas aparecerem numa fase já muito avançada da doença faz com que muitos dos cancros pancreáticos detetados já não tenham possibilidade de estabilização. É fundamental melhorar a sensibilização e a deteção precoce da doença através dos médicos de cuidados de saúde primários.
Existem formas de prevenir o aparecimento do cancro do pâncreas?
VN | Não existe uma forma de impedir que este tipo de cancro apareça. No entanto, é fundamental ter hábitos de vida saudáveis com uma alimentação equilibrada e atividade física e estar atentos à sintomatologia e reportá-la sempre ao médico assistente. Estas são soluções que podem prevenir que esta doença e outras que se possam desenvolver.
Na Europa, é o sétimo tipo de cancro mais frequente. E em Portugal?
VN | Atualmente, o cancro do pâncreas é a 4.ª maior causa de morte por cancro. Sem melhorias no diagnóstico, prevê-se que venha a tornar-se a 2.ª principal causa de morte por cancro em 2020. Não existem dados muito explorados em Portugal sobre esta doença, assunto no qual a Europacolon Portugal tem trabalhado nos últimos anos, sendo membro fundador da World Pancreatic Cancer Coalition e Pancreatic Cancer Europe, no sentido de mudar a realidade desta doença não só no nosso País, mas também a nível mundial.
Qual é a prevalência desta patologia em Portugal?
VN | Em Portugal, os dados indicam que exista uma incidência de 1300 novos casos por ano, dos quais cerca de 700 em estadio IV no momento do diagnóstico.
Quais são as opções de tratamento?
VN | Existem quatro opções de tratamento que estão dependentes da particularidade do caso do paciente com cancro do pâncreas. São elas a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia e as terapias inovadoras.
Existem diferentes tipos de cirurgia para cancro do pâncreas. A cirurgia para pacientes com cancro pancreático é realizada com o objetivo de remover completamente o tumor. A investigação demonstra que os doentes diagnosticados a tempo de uma intervenção cirúrgica têm muitas mais hipóteses de sobrevivência a cinco ou mais anos.
As novas terapias dirigidas podem ser uma interessante opção para o tratamento de cancro pancreático. À medida que os médicos foram adquirindo novas informações sobre o que torna as células cancerígenas pancreáticas diferentes das células normais, novos fármacos podem ser desenvolvidos para atacar apenas aspetos específicos das células cancerígenas. Uma vez que as células normais não são atacadas da mesma maneira que em quimioterapia, os efeitos colaterais associados podem ser reduzidos com essas drogas.
As pessoas estão consciencializadas para este tipo de cancro?
VN | A população não está consciencializada para este cancro e há ainda muito a fazer para que mais e mais informação chegue às pessoas através dos médicos de família e especialistas. A situação dramática que envolve a patologia do Cancro Pancreático deve levar-nos a refletir sobre as opções de suporte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o que podemos fazer para melhorar a informação e promover um diagnóstico mais atempado da doença. E é também neste aspeto que a Europacolon Portugal e o trabalho internacional têm contribuído para uma melhoria da sensibilização da população e dos profissionais de saúde sobre esta patologia.
Que iniciativas promove a Europacolon ao nível da consciencialização da população?
VN | A Europacolon é membro fundador da World Pancreatic Coalition e único representante de Portugal nas iniciativas nacionais e internacionais desenvolvidas na área do cancro do pâncreas. Para além de promovermos ações de discussão da doença junto do parlamento Europeu, promovemos todos os anos o desafio global em Portugal ligado ao Dia Mundial do Cancro do Pâncreas, uma campanha digital que promove no site worldpancreaticcancerday.org toda a informação sobre a doença e no Facebook, Instagram e Twitter da campanha apela-se à partilha de informação de posts, fotografias e utilização de roupa roxa, cor que representa o cancro do pâncreas, com a utilização dos tags @worldpancreatic @worldpancreaticcancerday e as hashtags #wpcd e #pancreaticcancer.
Temos também vindo a desenvolver um trabalho constante para dar mais ferramentas de apoio aos médicos e outros profissionais de saúde e doentes/familiares, através do desenvolvimento de materiais informativos, que distribuímos junto dos centros de saúde em quase todo o território nacional, bem como elaborámos um booklet informativo para os doentes com toda a informação sobre a doença (o que é, como ser tratado, os ensaios clínicos e mesmo dicas de nutrição adaptadas às necessidades particulares das pessoas com cancro do pâncreas). Temos também disponível a Linha de Apoio para todos os doentes que necessitem de mais esclarecimento: 808 200 199. Brevemente teremos um novo projeto para anunciar, que nos ajudará a conhecer melhor a realidade de consciencialização e conhecimento da doença em Portugal.
Quais são as principais áreas de intervenção da associação?
VN | A Europacolon desenvolve trabalho de apoio aos doentes de cancro digestivo, ou seja, cancro do pâncreas, intestino, estômago e fígado, tumores neuro-endócrinos e gist. Para além dos serviços de psicologia, nutrição, apoio social e apoio jurídico nas nossas instalações, temos também projetos que desenvolvemos junto da comunidade escolar (Projecto de Educação Alimentar Escolar), segundas opiniões médicas, psicologia, nutrição, apoio social inclusive pacientes ostomizados, bem como apoio ao domicílio dos doentes.
Qual é o caminho a seguir?
VN | O caminho a seguir para melhorar as perspetivas do doente com cancro pancreático, sem dúvida que passa pelo diagnóstico precoce e aumento da investigação para desenvolver novas opções de diagnóstico e tratamento.
É urgente um trabalho de divulgação da doença e dos seus possíveis sinais de alarme, junto da população em geral e dos médicos de família, e a Europacolon Portugal tem vindo a trabalhar arduamente neste sentido.
A investigação do carcinoma do pâncreas recebe menos de 2% de todos os financiamentos para a investigação do cancro na Europa, número este que se tem mantido nos últimos 40 anos, o que indica que é urgente alterarmos esta realidade. Por exemplo, comparativamente com o cancro da mama, um dos cancros mais conhecidos e no qual mais se investe, constata-se que o investimento é sete vezes inferior.
SO/SF
In "Jornal Económico”