Em quatro anos, entre 2013 a 2016, o consumo de embalagens de antidepressivos duplicou em Portugal. Nos centros de saúde, os médicos diagnosticaram perturbações depressivas em 9,3% dos utentes, no ano passado.

Os portugueses consumiram cerca de 30 milhões de embalagens de medicamentos para a depressão, a ansiedade e outros problemas de saúde mental no ano passado, quase o dobro do que aconteceu em 2013. Estamos a usar cada vez mais antidepressivos e antipsicóticos e, apesar de uma ténue redução em 2016, continua a ser muito elevado o consumo de tranquilizantes e também de medicamentos para controlar a hiperactividade nas crianças e jovens.

 

Este último fenómeno tem, aliás, motivado sucessivos alertas de especialistas e volta a merecer destaque no relatório do Programa Nacional para a Saúde Mental de 2017 que esta terça-feira é apresentado em Lisboa.

 

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Num país como Portugal que tem uma das mais elevadas prevalências de doenças mentais da Europa, o consumo de antidepressivos voltou a aumentar em 2016, sem surpresas. Venderam-se perto de 11,8 milhões de embalagens, mais do dobro de 2013 (5,6 milhões) e quase tantas como as de tranquilizantes, como são vulgarmente conhecidos os medicamentos do grupo farmacológico que inclui ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. Em doses diárias definidas (comprimidos), a boa notícia é a de que este último grupo está a registar uma ligeira redução desde 2014.

 

Alertas para consumo excessivo

 

Mas o consumo de tranquilizantes continua a ser muito elevado, apesar dos sucessivas chamadas de atenção e alertas que se têm multiplicado nos últimos anos, uma vez que, ao contrário do que acontece com os antidepressivos, estas são drogas potencialmente de abuso, criam dependência e apenas actuam nos sintomas.  No ano passado, quando apresentou o relatório de 2016, o director do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Carvalho, defendeu mesmo que o consumo de tranquilizantes em Portugal chegara a “níveis de risco para a saúde pública” e defendeu uma medida dissuasora -  a diminuição da comparticipação estatal deste tipo de medicamentos.

 

Outros alertas que parecem estar a surtir algum efeito são os avisos sobre os riscos dos medicamentos para o controlo do défice de atenção e a hiperactividade em crianças e jovens. Pela primeira vez em 2016 observou-se uma redução no número de embalagens de metilfenidato, após anos sucessivos em que o consumo disparou. Mas mesmo assim o número de embalagens vendido foi mais do dobro de 2013.

 

 “Tendo em conta os riscos associados ao consumo de substâncias psicotrópicas, medicamentos ou não, sobretudo durante a infância e a adolescência, mantém-se a recomendação internacional quanto às limitações ao seu uso comum, quer em menores de idade quer em grávidas e mulheres a amamentar”, insiste-se no relatório.

 

Recorrer a psicólogos

 

O elevado consumo de psicofármacos em Portugal “é a parte mais complicada”, enfatiza o presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental, António Leuschner, que aproveita para sublinhar que “a saúde mental não pode estar refém da psiquiatria”. Este organismo avançou já com uma recomendação para a alteração do modelo de articulação com os cuidados de saúde primários. Esta terça-feira vai ser assinado um protocolo com a Ordem dos Psicólogos, para se potenciar o recurso a estes profissionais de saúde e, assim, se evitar o recurso excessivo a psicofármacos.

 

Em grande parte das situações não é necessário recorrer de imediato a medicamentos, nota António Leuschner que enfatiza que a ideia de que um médico que não receite fármacos não está a prestar um bom serviço tem que ser combatida.

 

Muitos doentes sem cuidados adequados

 

O bastonário da Ordem dos Psicólogos também pôs em causa o recurso excessivo a psicofármacos que se verifica em Portugal, lembrando que o gasto com este tipo de medicamentos no ano passado ascendeu a 216 milhões de euros. Em declarações à Lusa, Francisco Miranda Rodrigues lamentou a falta de estratégia e de intervenção preventiva que permita evitar o aumento de consumo de psicofármacos, frisando que algumas vezes são apenas uma solução mais rápida, mas que só promove a redução de sintomas.

 

Mas fez também questão de acentuar que há muito défice de cuidados. Quase 65% de pessoas com perturbações mentais moderadas e 33,6% com perturbações graves "não recebem cuidados de saúde mental adequados", disse.

 

No relatório do programa prioritário da Direcção-Geral da Saúde também se lamenta que "uma percentagem importante das pessoas com doenças mentais graves" permaneçam "sem acesso a cuidados de saúde mental" e defende-se que são necessárias "mudanças profundas e urgentes em alguns aspectos fundamentais das políticas e serviços de saúde mental".

 

O que os dados que constam do documento permitem perceber é que os médicos de família, por estarem mais sensibilizados para o diagnóstico destes problemas, registam cada vez mais perturbações depressivas, de ansiedade e também demências. No ano passado, mais de 9,3 por cento dos utentes dos cuidados de saúde primários apresentavam perturbações depressivas, quando, apenas cinco anos antes, esta percentagem se ficava por pouco mais de 5,3%.

 

ALEXANDRA CAMPOS

 

In “Público”