Em busca de informação sobre as muitas doenças que afetam o órgão vital, que são a principal causa de morte em Portugal e dentro dela, a mais letal: o Enfarte agudo do Miocárdio (EAM), cujos sintomas, que muitos ainda desconhecem, apesar das inúmeras campanhas de sensibilização, são frequentemente desvalorizados pelos doentes, que perante sintomatologia típica, recorrem aos serviços de saúde pelos seus próprios meios, ao invés de recorrerem à linha de emergência nacional – garantida pelo INEM – atrasando frequentemente, com resultados dramáticos, o acesso aos serviços especializados, existentes em hospitais de referência para este tipo de eventos.
Pese o elevado número de doentes que perante sintomas sugestivos de se estar perante um enfarte agudo do miocárdio não ligam para o INEM (em 2008 representavam 77% do total), Portugal tem registado, nos últimos anos, graças às campanhas de informação organizadas pelas sociedades científicas e pelas autoridades de saúde, uma melhoria muito expressiva deste indicador. De acordo com dados recentes, atualmente, “40% das situações são reportadas ao INEM, permitindo o encaminhamento dos doentes para centros especializados no tratamento com larga experiência e resultados que colocam o país num patamar de sucesso sobreponível a muitos dos seus congéneres europeus”, como a Espanha, Bélgica ou o Reino Unido.
No dia Mundial do Coração, que se assinalou a 29 de setembro, o SaúdeOnline entrevistou o cardiologista Hélder Pereira, diretor do Serviço de Cardiologia no Hospital Garcia de Orta e coordenador da iniciativa Stent Save a Life…
Ao nosso jornal, o especialista começa por destacar os avanços alcançados nos últimos anos “registou-se uma evolução muito positiva, aponta: “Há cerca de uma década éramos um dos países europeus com uma das mais baixas taxas de angioplastia primária. Em cerca de uma década triplicamos o número de doentes tratados por angioplastia e presentemente temos números dentro de média europeia. Os países do norte da Europa apresentam taxas mais elevadas, mas aí provavelmente a incidência de enfarte é mais elevada do que nos países mediterrânicos onde nos incluímos”, acrescenta.
Ainda assim lamenta, “Os nossos doentes ainda demoram muito tempo entre o começo dos sintomas e o pedido de ajuda. Em média passam cerca de duas horas entre o início dos sintomas até que o doente chegue ao hospital. Este tempo é muito precioso. Se o conseguirmos reduzir também reduzimos as sequelas.”, defende.
Para especialista, o transporte pré-hospitalar é um dos principais, senão mesmo o principal elemento chave no sucesso de uma rede de tratamento de enfarte.
Quando o projeto “Stent for Life” (SFL) uma iniciativa conjunta da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia se iniciou em Portugal, em 2011, as ambulâncias do INEM ainda não enviavam o ECG para os centros de cardiologia da intervenção nem contactavam diretamente com esses centros.
“Hoje, e graças a um projeto de parceria acolhido com entusiasmo pelo INEM, foi possível por em prática duas medidas fundamentais: o INEM passou a ter o número direto e a falar diretamente com os cardiologistas de intervenção e passou a enviar o ECG para esses centros. Outra medida fundamental foi o facto de o INEM passar a fazer o “bypass” aos hospitais sem cardiologia de intervenção, mesmo que esses fossem os mais próximos, e conduzir diretamente os doentes para os hospitais mais especializados”, assinala Hélder Pereira.
E que sintomas deverão suscitar os cuidados preconizados? Hélder Pereira, aponta: “os sintomas do Enfarte do Miocárdio são dor no peito (aperto, pressão, ardor) com irradiação aos membros superiores (braço esquerdo, costas e pescoço, dorso ou mandíbula) …”
“Perante estes sintomas, não pode haver qualquer hesitação: ligar imediatamente para o 112, informar sobre os sintomas e aguardar a chegada de ajuda”, explica o especialista, que destaca o facto de o País estar dotado de uma boa rede de centros de cardiologia de intervenção. “Cobre praticamente todo o território nacional. Com poucas lacunas: “na Beira Interior, provavelmente, faria sentido ter um centro já que se tem verificado que é difícil os doentes dessa zona serem tratados até duas horas entre o início da dor até a abertura da artéria, já que os doentes têm de ser enviados, ou para Viseu, ou para Coimbra por falta de um centro de cardiologia de intervenção na Covilhã.
Outro aspeto relevante na arquitetura do sistema de resposta em que ainda é necessário algum investimento, é o da formação dos profissionais, particularmente os que são destacados para os serviços de urgência. Para colmatar as lacunas, no âmbito do projeto Stent Save a Life e Stent for a Life, têm sido desenvolvidos programas educacionais, os STEMI CARE, que são cursos avançados em abordagem intra-hospitalar precoce do enfarte agudo do miocárdio, visando um diagnóstico mais célere do EAM.
Um dos obstáculos apontados por Hélder Pereira a uma maior eficiência do sistema atualmente implantado, reside no facto de “o sistema de triagem de Manchester, atribuir a cerca de 20% dos doentes que chegam via INEM com indicação de encaminhamento para angiografia – que são apenas uma parte de todos os doentes com EAM – a pulseira amarela, o que atrasa todo o procedimento”, afirma o especialista. Para ultrapassar este problema, temos proposto a todos os hospitais para que todos os doentes com dor no peito, ou mesmo com dor abdominal superior, náuseas, vómitos, entre outros sintomas, façam de imediato um eletrocardiograma, paralelamente ao protocolo de Manchester. E também temos pedido aos hospitais que tenham técnicos de cardiopneumologia em permanência, 24 horas por dia, todos os dias, a fazerem eletrocardiogramas”. “Isto porque”, explica, mesmo que o EAM “passe” na triagem da urgência, mais dificilmente deixa de ser identificado por um técnico com muita experiência”.
Ainda que não existam números precisos, o coordenador da iniciativa Stent Save a Life, acredita que é ainda muito elevado o número de EAM, que “passam” sem tratamento. “Só conhecemos os que nos chegam…”, acentua o especialista. Uma coisa é certa, diz: “Quanto mais pessoas conhecerem bem quais os sinais indicativos de enfarte e agirem de acordo com as recomendações, que aconselham a ligar imediatamente para o 112, menos mortes iremos ter em consequência desta condição. É esse o trabalho que o Projeto Stent for a Life tem procurado desenvolver”, conclui.
Estudo revela desconhecimento de sintomas
No âmbito do projeto Stent for a Live, foi realizado um estudo, pelo ISCTE, com o objetivo de aferir o grau de conhecimento da população sobre os sintomas de EAM. Os resultados revelaram que apenas cerca e 24% das pessoas os conhecia. A maioria dos inquiridos, ou confundia enfarte com AVC ou pura e simplesmente não sabia do que se tratava. E quando questionados sobre o que fariam se estivessem perante uma pessoa com enfarte, a maioria afirmou que ligaria para o 112 ou chamaria uma ambulância. Ora, a verdade, diz Hélder Pereira, “é que a maioria deles não faz uma coisa, nem outra. E não têm noção do risco que correm quando perante os sintomas decidem ir de carro, conduzindo elas mesmas, para o hospital. A maior parte da mortalidade por EAM ocorre extra-hospitalar, por fibrilação auricular, que poderá ser revertida com acesso a desfibrilhadores disponíveis nas ambulâncias do INEM”, conclui
In “Económico”