ENTREVISTA

 

Rui Nogueira, Presidente da Associação Nacional de Medicina Geral e Familiar, defende um maior investimento na literacia médica para combater mitos e permitir que os utentes tomem decisões mais informadas na hora de comprar medicamentos sem prescrição.

Como devemos olhar para a automedicação?

 

Temos que ver que a automedicação em si não é um aspecto negativo. A não ser que as pessoas o façam de forma inconsciente ou abusiva. Aí há o risco destes medicamentos encapuzarem determinados quadros clínicos ou piorarem outros. Há os casos em que as pessoas usam os medicamentos prescritos pais ou aos vizinhos. Isso não pode ser feito. Mas de uma forma correcta e aconselhada, a automedicação é positiva.

 

O que se passa com muitos destes medicamentos de venda livre é que, como não são comparticipados, têm por vezes preços exorbitantes. Em alguns deixa-se de se perceber se são medicamentos, se são objectos publicitários.

 

Portugueses nunca gastaram tanto em automedicação

 

Dou o exemplo dos antiácidos que são medicamentos muito úteis, mas ilustram estas duas questões: quando usados em excesso podem esconder problemas mais graves e têm um preço exorbitante. É preciso fazer o controlo sobre o preço dos medicamentos de venda livre.

 

E ainda há muitas confusões, muitos mitos. Temos que investir na capacitação do doente para que ele tome decisões conscientes.

 

A Ordem dos Farmacêuticos tem reservas quanto à venda de alguns medicamentos fora das farmácias. É uma questão que o preocupa?

 

Sim, porque nestes locais não há farmacêuticos. Há apenas técnicos de farmácia. Podem falhar algumas informações relevantes. Mas os medicamentos vendidos nestes locais têm doses normalmente baixas, por isso os efeitos nunca podem ser tão graves assim.

 

O problema da automedicação é saber até onde ir. Quantos medicamentos tomar, durante quanto tempo.

 

Aqui há um papel dos médicos de família?

 

Sim, e esse papel é extremamente importante. Por isso, tantas pessoas vão à farmácia e vêm à consulta no dia seguinte.

 

E aqui surge outra questão. Reparo que as pessoas dizem com muita frequência que o farmacêutico as mandou ao médico. Faz parecer que nas parafarmácias nunca ninguém lhes diz isso. Mas isso pode ser uma percepção errada com consequências maiores noutros níveis. As parafarmácias e as farmácias cada vez mais se parecem umas com as outras. As pessoas podem achar que um técnico de farmácia numa parafarmácia é um farmacêutico, mas não é. É preciso fazer esta distinção, para que as pessoas saibam ao entrar que são lugares diferentes que, na sua maioria, vendem produtos diferentes para usar de forma distinta. As farmácias têm que se distinguir mais das parafarmácias.

 

In “Público”