Portugal é actualmente o país europeu com menos abortos por cada mil nascimentos vivos, o que vem demonstrar que a interrupção voluntária da gravidez foi “um grande sucesso”, considera o director-geral da Saúde, Francisco George.

Ao longo dos 12 anos em que exerceu o cargo de director-geral da Saúde, Francisco George refere que uma das maiores preocupações que teve foi o surto de legionella de 2014 — que, ainda assim, foi combatido com sucesso.

A cerca de um mês de acabar a sua carreira de 44 anos na administração pública, Francisco George fez uma retrospectiva de alguns dos casos de sucesso na saúde pública, nos quais inclui a interrupção voluntária da gravidez (IVG).

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“A IVG foi um sucesso, um grande sucesso. Ao longo destes anos analisámos os registos e percebemos que, todos os anos, há menos interrupções do que no ano anterior. [O número] tem descido e essa descida é acentuada. Temos menos 15% de interrupções do que quando começámos e 15% é importante”, resumiu o director-geral da Saúde em entrevista à agência Lusa.

Em 2007, um referendo nacional veio permitir que as mulheres em Portugal passassem a poder interromper uma gravidez até às 10 semanas, num estabelecimento de saúde reconhecido e com capacidade para tal. Antes disso, o aborto era penalizado e criminalizado.

A DGS assegurou, na altura, a regulamentação e implementação da lei que permite a interrupção da gravidez, mas Francisco George admite que muito deste trabalho se ficou a dever a Albino Aroso, considerado o “pai” do planeamento familiar.

Segundo Francisco George, actualmente, Portugal está “no lugar mais cimeiro ao nível europeu” no que se refere às interrupções de gravidez, sendo o país com “menos interrupções por cada mil nascimentos vivos”.

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“[O aborto] era um problema da sociedade portuguesa. Interrupções feitas sem condições de higiene, de dignidade para a mulher. O reconhecimento deste direito [à IVG] veio melhorar as condições de saúde da própria mulher”, considera o director-geral da Saúde.

O responsável pela saúde pública salienta que deixaram de chegar às urgências casos de mulheres com ruptura de órgãos, como vagina e útero, decorrentes de manobras realizadas em abortos mal feitos. “Temos aqui um programa de sucesso”, conclui, reforçando a redução anual de abortos a pedido da mulher.

No início da aplicação da lei, Francisco George ainda “recebia protestos de alguns grupos” de cidadãos, mas diz que, hoje em dia, “já não se fala no assunto”. Aos que ainda possam ter dúvidas, deixa a questão: “Alguém se convence de que, se a lei não existisse, as interrupções não existiam?”.

O relatório oficial das interrupções da gravidez mais recente refere-se a dados de 2015, ano em que se registou o número de abortos mais baixo desde 2008, primeiro ano completo desde que entrou em vigor a lei que despenalizou o aborto até às dez semanas de gravidez. Este documento mostra que houve uma diminuição de 1,9% nos abortos por opção da mulher entre 2014 e 2015, tendo sido feitas 15.873 interrupções por decisão da grávida nesse ano.

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Tão debatida como chegou a ser a despenalização do aborto promete ser a eutanásia, assunto sobre o qual Francisco George recusa tomar uma posição enquanto director-geral da Saúde.

 “Não faço declarações públicas sobre a eutanásia. Tenho duas posições. Como director-geral da Saúde não tenho possibilidade de clarificar esse assunto, porque esse trabalho ainda não foi feito ao nível dos colégios que aqui se juntam para discutir este problema. O director-geral não se pronuncia sobre a eutanásia”, afirma, de modo categórico.

Quanto ao cidadão Francisco George, “no plano pessoal”, gostaria de, no fim da sua vida, evitar sofrimentos exacerbados e situações de grande dependência, optando antes por pedir que lhe fosse acelerado o final da vida.

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Francisco George, que deixa o cargo em Outubro, esteve para encerrar a Quinta do Lago por causa de um mosquito, passou pela gripe A e pela ameaça do Ébola, mas foi a legionella que lhe tirou o sono.

Na mesma entrevista à agência Lusa, recordou que entrou na DGS em 2000, para “dar um impulso na saúde ambiental”. Hoje, é o mais antigo funcionário deste organismo onde, aliás, tinha começado a sua carreira, em 1975.

Desde 2000, viu passar oito ministros da Saúde, alguns dos quais seus amigos e companheiros dos primeiros tempos de escola e de exercício da Medicina. Não sabe indicar qual o melhor, mas acredita que um dia fará uma grelha que culminará nessa eleição.

Enquanto Autoridade de Saúde foi chamado a decidir em várias situações, mas Francisco George não tem dúvidas de que foi o surto de legionella, em Vila Franca de Xira, em 2014, responsável por 11 mortos, que lhe tirou o sono.

 “Foram mais de 400 doentes, quase metade teve de ser assistida em cuidados intensivos. Percebemos, e demos uma lição a todos, que Portugal tem um Serviço Nacional de Saúde (SNS) fantástico”, disse.

Segundo Francisco George, os resultados foram também “muito positivos” na investigação da fonte do problema, que “era a principal preocupação”.

 “Ao fim de poucas horas foi possível perceber o que se estava a passar, encerrar, do segundo para o terceiro dia, a fábrica que estava a emitir as partículas contaminadas com essa bactéria”, disse.

Para Francisco George, “foi uma situação muito grave que mobilizou todos os meios e teve um grande apoio político”: “Conseguimos, ao fim de 15 dias, declarar o fim da epidemia”.

Uma das primeiras preocupações enquanto DGS deu-se no “pico” do Verão de 2004, no Algarve, com um alerta vindo da Irlanda de que dois cidadãos daquele país apresentavam encefalite após estadia em Portugal e que o agente suspeito era o vírus do Nilo.

A infecção por vírus do Nilo Ocidental é transmitida através da picada de um mosquito. Uma em cada cinco pessoas infectadas exibe doença febril e um em cada 150 desenvolve meningite, encefalite ou meningoencefalite.

 “Tivemos de demonstrar que os mosquitos estavam infectados. Fizemos o cálculo do número de picadas de mosquito preciso para provocar um caso de doença e fomos ver quem podia ter 500 picadas. Concluímos que são os que observam a natureza, nos postos de observação de aves. Os irlandeses em causa tinham, de facto, estado num posto de observação de aves ao fim da tarde e tinham sido martirizados por mosquitos”.

O posto foi encerrado e, mais tarde, a Quinta do Lago era identificada como local da infecção, o que obrigou ao uso de insecticidas, mesmo contra a vontade do então organismo que tinha a tutela das culturas e protecção vegetal. “Tomei a atitude de usarmos os insecticidas para protecção humana. A protecção vegetal é muito importante, mas neste caso estava em causa a protecção humana”, disse.

Numa acção que contou com “um grande apoio de Luís Filipe Pereira”, na altura ministro da Saúde, a situação foi resolvida sem o fecho da Quinta do Lago, que esteve iminente.

Candidatura à Cruz Vermelha Portuguesa

A ameaça do bioterrorismo e do “pó branco”, a pandemia de gripe A, o susto do dengue, os casos sempre alarmantes de meningite, a tosse convulsa, a hepatite A e o sarampo foram alvo da política de saúde pública nos últimos anos e contaram com decisões, nem sempre fáceis, de Francisco George.

Quando Portugal, à semelhança de outros países europeus, se confrontou este ano com um surto de hepatite A, o director-geral não teve dúvidas: “Prejudicámos os viajantes, aqueles que iam fazer viagens e tinham indicação para ser protegidos”.

Isto porque a Direcção Geral de Saúde decidiu concentrar o stock de 12 mil vacinas que estavam distribuídas nas farmácias “a favor do controlo da epidemia”.

 “Era preciso parar com a actividade viral naquela comunidade, a fim de proteger os que não tinham ainda a doença, na comunidade em causa, mas também evitar que saltasse para outras comunidades”, disse.

A última intervenção de Francisco George vai acontecer no dia 20 de Outubro, na reitoria da Universidade Nova de Lisboa, e terá como tema “44 anos de serviço público”. Depois, vai gozar umas férias “curtas” e abraçar outros desafios, um dos quais já foi assumido, uma vez que se vai candidatar à presidência da Cruz Vermelha Portuguesa.

Consciente da “popularidade” que adquiriu nos últimos anos, Francisco George vê-se perfeitamente em outras funções, não na administração pública, onde não pode exercer por ter atingido o limite de idade (70 anos), mas para o bem público.

A esse propósito, soube-lhe bem ouvir o socialista Jorge Coelho referir, num programa televisivo, que Francisco George era o homem certo para lidar com questões como os donativos para ajudar as vítimas dos incêndios em Pedrogão Grande, em nome da transparência que tanto advoga.

 “Se isso acontecesse, porque não? Missões dessa natureza, aceito, como aceitei participar numa campanha contra a discriminação de ciganos”, afirmou. E sobre o Estado para o qual trabalhou mais de quatro décadas, Francisco George prescreve “justiça”.

 “O Estado tem que ser justiça, tem que ser absolutamente transparente. Há aqui uma garantia de servir os cidadãos de uma forma absolutamente transparente. O Estado é o garante do Estado social

 

In “Público