A mudança de ambientes e de hábitos (incluindo os alimentares) que as férias normalmente propiciam muitas vezes acarretam alterações digestivas, das quais a “prisão de ventre” não será a menos comum.
Pode, assim, ocorrer uma redução da frequência da defecação com diminuição do volume fecal ou dificuldade em evacuar fezes duras e escassas. Podem mesmo instalar-se desconforto abdominal, com a sensação de “inchaço”, e dores nas costas, assim como alguma falta de apetite e/ou náuseas.
Trata-se de uma situação esporádica, facilmente identificável por qualquer indivíduo conhecedor dos seus ritmos habituais e, na maioria das vezes, ultrapassável com alguns ajustes alimentares, maior ingestão de fibra e de líquidos, ou com o recurso temporário a um laxante de venda livre.
Questão mais difícil se coloca quando o quadro acima apresentado é o “normal”, a vivência quotidiana descrita por expressões como “os meus intestinos são preguiçosos” ou “normalmente sou um bocado dureiro(a)”. Nestes casos, o recurso repetido e prolongado a laxantes sem qualquer aconselhamento especializado e sem a adoção de hábitos saudáveis, pode tornar-se numa das causas do problema - o uso crónico de laxantes estimulantes pode conduzir a um agravamento da situação, com perda de tónus muscular liso abdominal e da enervação intrínseca.
Como lidar, então, com a “preguiça” intestinal? Antes de mais, é necessário recordar que o mito instalado de que é obrigatória uma dejeção diária é falso, a verdade é que os ritmos individuais são diferentes e tanto pode ser considerado normal defecar duas vezes por dia, como três vezes por semana, desde que se trate do ritmo pessoal habitual e não implique qualquer mal-estar. Posto isto, nos casos de “defecação insatisfatória que resulta em evacuação pouco frequente, passagem difícil de fezes ou ambas” [Sintomas que, para The American College of Gastroenterology, se inscrevem na definição de obstipação] que não é devida nem a patologia existente, que deverá ser tratada (como no caso das hemorroidas que podem provocar o receio de defecar), nem a condição específica (a gravidez acarreta frequentemente problemas de obstipação), nem a medicamentos em toma prolongada (alguns analgésicos, suplementos de ferro, antiácidos com alumínio, anticonvulsivantes, alguns laxantes, etc.), cuja substituição poderá ser avaliada pelo médico prescritor, há quatro regras de ouro a seguir:
Bons hábitos de casa de banho – Ignorar repetidamente a necessidade de defecar, pode estar na origem da obstipação: aumentar o tempo de permanência das fezes no cólon vai fazê-las secar e endurecer, além de que o organismo é ensinado a ignorar o estímulo nervoso; Pelo contrário, deve procurar educar os seus intestinos, visitando regularmente a casa de banho (de manhã, após o pequeno-almoço, é um momento particularmente favorável), sem pressas e assumindo uma postura correcta.
Alimentação rica em fibra – Os alimentos ricos em fibra (vegetais, fruta e cereais integrais) são fundamentais para um funcionamento regular dos intestinos: as fibras retêm água, aumentando o volume fecal e tornando as fezes brandas, o que facilita a sua progressão através do intestino grosso; Além disso, são alimentos que aumentam o tempo de mastigação, o que também contribui para a resolução do problema; Tomar um suplemento de fibra pode ser útil nestes casos, podendo ser usado prolongadamente sem causar prejuízos, otimizando até a sua eficácia, e com o benefício adicional de contribuir para a redução dos níveis do colesterol no sangue.
Suficiente ingestão de água e outros líquidos – Manter o organismo hidratado contribui para a manutenção de movimentos intestinais regulares e um cólon saudável, além de que o consumo diário de 1,5 a 2 litros de água vai permitir que a fibra ingerida produza os seus benefícios.
Atividade física regular – Caminhar, correr, nadar, andar de bicicleta, ou outro exercício praticado regularmente ajuda a manter o tónus muscular, designadamente o abdominal, necessário à facilitação do trânsito intestinal, evitando o endurecimento das fezes.
Ocasionalmente poderá mesmo haver necessidade de recorrer a laxantes. Neste caso, devem preferir-se os que aumentam o volume fecal ou a sua hidratação aos que estimulam o peristaltismo intestinal ou aos salinos, que provocam grande chamada de água ao intestino. O uso de laxantes mais potentes, ao levar ao esvaziamento completo do intestino, pode ocasionar a falta de defecação por alguns dias (resíduo insuficiente) levando à tentação de retomar o uso do laxante e, uma vez mais, não podemos esquecer que o abuso de laxantes pode agravar o quadro de obstipação inicial, sendo mesmo uma das suas principais causas.
Peça sempre aconselhamento na altura de escolher um laxante, mas não deixe de procurar o seu médico se constatar qualquer alteração persistente dos seus hábitos intestinais, se a obstipação tiver uma duração superior a três semanas, se for acompanhada de dor abdominal ou se surgir sangue nas fezes.
DR. JOÃO MARQUES Farmacêutico da Farmácia do Caniço
In “JM-Madeira”