Há muitos portugueses com excesso de peso. Mas quase 15% da população idosa está em risco de desnutrição. Governo quer aumentar em 5% o número de pessoas que comem frutas e legumes.
Que os portugueses estão gordos, já se sabia. Mas a obesidade e doenças relacionadas, como a diabetes, “são mais comuns nos mais pobres” e “os que mais estudaram são, normalmente, os que comem melhor”. São conclusões do último balanço do estado alimentar e nutricional da população portuguesa, que vai ser apresentado hoje em Lisboa.
É um país desigual o que emerge da espécie de fotografia traçada no relatório do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2017. Ao mesmo tempo que mais de metade da população tem peso a mais, há uma franja significativa dos idosos (quase 15%) que está em risco de desnutrição. As desigualdades sociais e a sua influência nas doenças de origem alimentar são evidentes, enfatiza Pedro Graça, director deste programa prioritário da Direcção-Geral da Saúde (DGS). As pessoas que têm acesso à dieta mediterrânica são, aparentemente, as socialmente mais favorecidas, diz o especialista, que frisa que, cinco anos depois deste programa ter sido criado, há informações suficientes para tomar decisões políticas.
Pais estão preparados para retirar de casa alimentos que fazem mal?
Os dados compilados no relatório — hoje será também apresentada a estratégia interministerial para a promoção da alimentação saudável 2017-2020 — incluem os resultados do último inquérito alimentar nacional. E não deixam dúvidas: se 38,5% dos que completaram apenas o 2.º ciclo do ensino básico são obesos, na faixa dos que acabaram o ensino secundário a percentagem de pessoas com um índice corporal que as coloca para lá desta linha vermelha baixa para 17,1%, e, nos que têm um curso superior, diminui para 13,2%.
A nível nacional, 22,3% dos portugueses são obesos e 34,8% são pré-obesos, indica o último inquérito alimentar que veio finalmente actualizar dados que não o eram desde 1980. Mas também há boas notícias: a obesidade infantil parece ter estabilizado. Pedro Graça prefere, mesmo assim, olhar para estes números com cautela, porque é preciso continuar a investir e muito na prevenção e na informação, sobretudo nestas franjas etárias.
Um exemplo do que tem que ser mudado: as crianças e os adolescentes, apesar de serem os que consomem maior quantidade de leite, iogurte e cereais de pequeno-almoço, são os que menos comem fruta e produtos hortícolas.
E, se a maior parte da população diz que a água é a sua bebida preferida, os dados revelam que o consumo inadequado de refrigerantes e néctares continua a ser uma realidade, sobretudo entre os adolescentes — 43% admitem beber pelo menos uma garrafa ou lata por dia.
Em suma: muitos portugueses comem mal. Bem podemos ter aprendido na escola a desenhar a roda dos alimentos. Na prática, mais de um quinto dos produtos que consumimos nem sequer estão incluídos neste esquema que define as percentagens dos que devemos comer diariamente. “Os bolos, doces, bolachas, snacks salgados, pizzas, refrigerantes, néctares e bebidas alcoólicas representam 21% do consumo total”, refere o relatório.
Feito o diagnóstico, as metas para 2020 são ambiciosas: diminuir em 10% a quantidade de sal e de açúcar dos principais grupos de alimentos ricos em sal e doces, aumentar em 5% o número de pessoas que come frutas e legumes todos os dias e aumentar em 20% o número de pessoas que conhece a alimentação mediterrânica.
Vai ser possível? Pedro Graça acredita que sim. O programa que lidera tem muita informação e disponibiliza receitas saudáveis e baratas no sítio institucional www.alimentacaosaudavel.dgs.pt e no blogue www.nutrimento.pt. É só dar uma olhada.
Comer mal é tudo menos inócuo. É “o principal factor responsável pela perda de anos de vida saudável (15,8%)”, lembra o relatório. A obesidade e o peso em excesso são o nosso maior problema de saúde pública. Num país em que quase 10% da população tem diabetes e 36% sofre de hipertensão arterial, há uma multidão que vai andar medicada para o resto da vida e vai ter que recorrer mais aos serviços de saúde.
Por isso, uma das prioridades, agora, é mudar o paradigma da ajuda aos mais carenciados, o que está a ser desenhado em conjunto com o Ministério da Segurança Social. A ideia é investir na qualidade dos cabazes que os mais carenciados recebem, que vão passar a conter mais grão, feijão, leguminosas, adianta Pedro Graça.
Quanto aos idosos — e a população portuguesa está cada vez mais envelhecida — a preocupação justifica-se. Ao mesmo tempo que a maior parte são obesos ou pré-obesos, há uma percentagem significativa (14,8%) que está em risco de desnutrição e 1,3% estão já desnutridos, indicam os resultados do projecto Nutrition UP 65. É uma população que provavelmente está a ser pouco acompanhada, reflecte Pedro Graça.
Notícia corrigida às 11h40. Foi retirada a frase: "Em Portugal, há cerca de 3,5 milhões de pessoas com excesso de peso e um milhão de obesos." Estes dados constam, de facto, do relatório, mas estão já desactualizados e, como se diz mais à frente neste texto, já mais de metade da população tem excesso de peso ou é obesa.
ALEXANDRA CAMPOS
In “Público”