2.500 novos casos de cancro da boca e do pescoço fazem de Portugal um dos países com uma das taxas de incidência e de mortalidade mais elevadas da Europa.
Segundo dados divulgados pela agência Lusa, 85% dos novos casos aparecem em fumadores ou ex-fumadores, o que coloca o consumo de tabaco, a par do de álcool, como principal fator de risco desta patologia. A estes juntam-se a má higiene oral e a infeção pelo Vírus do Papiloma Humano (HPV). A prevalência desta no número de cancros deste tipo tem vindo a aumentar e há duas razões para isso.
Ana Joaquim, oncologista médica do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, explica ao Delas.pt que, por um lado, os efeitos da proteção sexual e da vacinação contra o HPV, nas mulheres, “só se vão verificar daqui a uns anos” “Atualmente estamos a ter os efeitos da pouca informação que tínhamos há algum tempo atrás, por um lado. Por outro lado, têm vindo a diminuir os hábitos tabágicos e alcoólicos e, portanto, esse fator de risco acaba por ser mais notório.”
A infeção do HPV está associada ao cancro da orofaringe e resulta de hábitos sexuais, sobretudo com o sexo oral, praticados sem proteção. “O risco só existe se se praticar de forma não protegida e as mulheres que fizeram a vacina estão elas próprias protegidas. O problema são a parte masculina da população que não fez a vacina, mais a população feminina que também não foi abrangida pelo plano de vacinação.”
Se esse facto deveria levar à vacinação também dos homens contra o HPV é outra questão. Ana Joaquim considera que para já deve entrar no debate científico, mas há fatores por analisar antes de se avançar para aplicação da vacina aos dois sexos.
“Era interessante sabermos antes de tudo qual é a prevalência da infeção HPV em Portugal. Nós falamos com base em números que não são números nossos e se formos ver onde é mais prevalecente a infeção por HPV [nos casos de cancro da cabeça e do pescoço] é nos Estados Unidos da América, em que realmente há uma taxa muito inferior de pessoas fumadoras e alcoólicas e a infeção por HPV é muito superior. Em Portugal ainda não temos os números mas aquilo que se pensa é que a prevalência do HPV [nestes casos] até será inferior à de Espanha, portanto muito inferior à dos americanos.”
Em termos de distribuição por género, a incidência do cancro do pescoço e da cabeça é substancialmente superior nos homens. De acordo com a especialista, os números mais recentes, de 2012, apontam para 48 novos casos por 100 mil habitantes, nos homens, e de oito novos casos por 100 mil habitantes, nas mulheres.
“É muito mais prevalecente no homem, também por causa dos hábitos tabágicos, apesar de mais recentemente ter vindo a ser falado e de ser mais prevalecente do que era no passado a infeção por HPV”, refere.
Principais sinais de alerta
Os sintomas dos vários tipos de cancro da cabeça e do pescoço podem confundir-se com os de doenças mais comuns e menos graves. A diferença está, explica Ana Joaquim, na sua duração.
“O principal sinal de alerta é quando se arrastam durante mais de três semanas: uma ferida na boca que não cicatriza, uma rouquidão que não passa, alguma dificuldade em engolir e dor de garganta que não passa. O habitual de uma afta na boca, por exemplo, é passar após uma semana”, exemplifica.
Apesar disso, a especialista alerta para o facto de as pessoas desvalorizarem o facto de esses sintomas persistirem no tempo, impedindo o diagnóstico precoce dos problemas. E isso não acontece apenas com os doentes. “Às vezes, os próprios profissionais de saúde que estão em contacto com esses doentes frequentemente também podem não valorizar.”
A propósito do Dia Mundial do Cancro da Cabeça e do Pescoço, que se assinala esta quinta-feira, 27 de julho, o IPO do Porto, vai realizar, durante a semana, um curso de formação intensiva para profissionais de saúde primária, entre os quais médicos de família, dentistas e enfermeiros.
A oncologista regista o avanço entretanto feito, neste campo, também na formação dos profissionais de saúde, dos cuidados de saúde primários e a nível mais precoce, nas faculdades de medicina. “Quando fiz a faculdade de medicina, a saúde oral e o exame objetivo da cavidade oral não eram muito focados e nos últimos anos tem sido dado um grande ênfase a essa questão, muito também por ação das próprias sociedades científicas, da Sociedade Portuguesa de Oncologia, ou do grupo de estudo do cancro da cabeça e do pescoço. O facto de atualmente haver um dia do cancro da cabeça e do pescoço, que é recente – e em Portugal é desde há três anos que se assinala – acaba por permitir que haja uma maior sensibilização de toda a população.”
É no acompanhamento médico regular que é possível fazer o diagnóstico precoce de patologias que quando detetadas no início podem ter uma taxa de cura “de 80% a 90%”, descendo para menos de 50%, nos casos avançados.
Como explica Ana Joaquim, ao contrário dos cancro da mama ou do colo do útero, e apesar de o cancro da cabeça e do pescoço ser “mais prevalecente a partir dos 30, 40 anos”, não há uma idade mínima recomendada para estar se mais atento.
“Depende muito dos fatores de risco, mas em qualquer altura em que se vá ao médico, tenha-se ou não os fatores de risco faz parte do exame básico de todas as pessoas ver-se a cavidade oral e conseguir-se identificar lesões iniciais.”
Tipos de cancro da cabeça e do pescoço mais frequentes em Portugal
Os cancros da cavidade oral, laringe, orofaringe – o mais associado à infeção do HPV – e hipofaringe representam, no país, 75% dos casos de carcinoma da cabeça e pescoço. Menos frequentes são o cancro da nasofaringe, dos seios nasaias.
Apesar de os sintomas serem frequentes e facilmente detetáveis, são-no tardiamente, e por isso “a probabilidade de cura é mais baixa e os tratamentos mais agressivos”, deixando sequelas “a nível estético e funcional.”
Os tratamentos variam conforme a fase em que o tumor se encontra. Ana Joaquim explica que nos localizados, que correspondem a tumores mais pequenos, o tratamento privilegiado é a cirurgia, muitas vezes com laser, ou a radioterapia “para evitar cirurgias que possam ser mutilantes”. Estes costumam representar os casos com uma taxa de cura de 80% a 90%.
Já nos localmente avançados, que “infelizmente ainda é a grande maioria dos casos diagnosticados em Portugal”, refere, o tratamento é multimodal, implicando um ou vários métodos de tratamento local – cirurgia e radioterapia em conjunto com quimioterapia.
“É sempre um tratamento mais agressivo que implica perda de órgão e/ou de função e que deixam mais sequelas. Daí a importância do diagnóstico precoce”, reitera a especialista.
Ana Tomás
In “Diário de Notícias de Lisboa”