Numa revisão de estudos sobre a relação entre a prática de exercício físico e o cérebro, duas neurocientistas da Universidade de Nova Iorque concluem que uma única sessão de esforço pode fazer a diferença e trazer benefícios.
Com apenas uma sessão de exercício físico o humor melhora e o stress diminui Uma das perguntas que as pessoas mais fazem à neurocientista Wendy Suzuki, da Universidade de Nova Iorque, é esta: “Qual é o mínimo de exercício físico que tenho de fazer para obter um benefício?” Se a preguiça fosse mesmo um pecado mortal, muita gente estaria metida num grande sarilho. Mas há uma boa notícia. A resposta sobre os mínimos exigidos é que uma só sessão de esforço já desencadeia uma série de reacções positivas no cérebro. Esta é a conclusão de um artigo publicado esta semana na revista científica Brain Plasticity sobre os efeitos (leia-se benefícios) do exercício.
O humor melhora e também a memória, as funções cognitivas, a capacidade de concentração, reacção e até a criatividade. A estes efeitos positivos no nosso comportamento também se podem somar uma série de mecanismos neurofisiológicos e químicos que são estimulados nos nossos circuitos cerebrais. “Actualmente, recorre-se ao exercício físico para ajudar a responder a várias situações que vão desde problemas cognitivos que surgem com o envelhecimento ou em doentes com Alzheimer até défices motores em pessoas com Parkinson, passando ainda por trabalhar o humor em casos de depressão”, refere Wendy Suzuki, esclarecendo que o artigo que assina “destaca os mecanismos e vias neuronais que podem explicar estes importantes efeitos clínicos”.
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A neurocientista, com uma colega do mesmo Centro de Ciência Neural da Universidade de Nova Iorque, analisou os resultados de uma série de análises e meta-análises que estudaram os efeitos do exercício físico nos seres humanos e em modelos animais. O resultado confirma muito do que já se tem dito sobre as vantagens de praticar desporto mas, desta vez, com a particularidade de se centrar especialmente no efeito de uma só sessão de esforço, ou seja, o que os especialistas chamam “exercício agudo”.
As autoras deste artigo de revisão analisaram estudos baseados em exames de ressonância magnética funcional – que permite ver “um filme” do que acontece no nosso cérebro enquanto desempenhamos uma tarefa – e que recorreram a outras técnicas como espectroscopia de infravermelhos e a estimulação magnética transcraniana. Depois, foram ainda tidos em conta trabalhos que mediram alterações neuroquímicas, usando indicadores como o metabolismo da produção de enzimas e aminoácidos (como o glutamato e a glutamina), a secreção de cortisol e neurotrofinas e ainda factores de crescimento neuronal. Por fim, dedicaram-se ainda a rever os resultados já obtidos em investigações sobre os neurotransmissores (entre os quais a dopamina, serotonina e epinefrina) e neuromoduladores.
O artigo conclui que os efeitos mais consistentes de uma só sessão de exercício físico são uma melhoria da função executiva (a capacidade de controlo e regulação de comportamentos), uma melhoria do humor e uma diminuição dos níveis de stress. Por outro lado, confirma-se também que há áreas e circuitos no cérebro com são activados com “exercício agudo”. Uma das mudanças, explica Wendy Suzuki, será um aumento da produção de novos neurónios no hipocampo, uma área do nosso cérebro que regista o nosso passado e também ajuda a imaginar o futuro. Ou seja, há uma área com um papel importante na memória e criatividade que é activada e estimulada com exercício físico.
Apesar de não parecerem restar quaisquer dúvidas sobre os benefícios do exercício físico no comportamento das pessoas, as neurocientistas sublinham que a relação entre a prática de desporto e as mudanças neuroquímicas tem sido estudada sobretudo em modelos animais e, por isso, defendem que esta deve ser uma área de estudo para investir no futuro. Até porque, argumenta Julia Basso, co-autora do artigo, “os estudos que analisámos demonstram claramente que o exercício agudo tem um profundo efeito químico e fisiológico no cérebro, o que tem implicações importantes para a melhoria das funções cognitivas em populações saudáveis e para a reparação de sintomas em populações clínicas”.
Cientista e instrutora
Por detrás deste artigo há uma história. Uma das neurocientistas que assinam o estudo conta-a na primeira pessoa em várias Ted Talks que estão disponíveis online. Nestas conversas sobre a relação do exercício físico com o cérebro, Wendy Suzuki recorda que tudo começou numa aula que experimentou numa academia de ginástica em Nova Iorque. Era uma aula de “Intensati”, uma mistura de artes marciais com dança e ioga que junta ao treino físico a afirmação (em alta voz) de frases auto-motivadoras como, por exemplo, “sou forte”, “sou capaz”.
A neurocientista conta que inspirada por esta prática quis fazer uma experiência na sua sala de aula, com os seus alunos da Universidade de Nova Iorque. Como a direcção da escola se recusou a financiar um treinador desta modalidade, Wendy Suzuki decidiu tirar o curso de instrutora de “Intensati”. Foi assim que levou o treino físico para as suas aulas.
A experiência consistia em colocar os alunos a treinar “Intensati” e, depois, tentar perceber o efeito nas funções cognitivas, no humor e na memória. Wendy Suzuki não encontrou provas sobre uma melhoria do desempenho – os alunos não registaram mais respostas acertadas, mas notou que estes alunos melhoraram significativamente os tempos de reacção. Mais, acrescenta nas suas palestras: “Nunca tive uma turma tão interactiva, tão empenhada.” O projecto continua na sala de aula desta neurocientista/instrutora de Intensati em Nova Iorque. Entretanto, nas Ted Talks, Wendy Suzuki também não perde a oportunidade de colocar toda a plateia de pé, a exercitar e a gritar frases encorajadoras. Experimente. “Intensati” ou outra coisa qualquer.
ANDREA CUNHA FREITAS
In “Público”