Há mais médicos dispostos a optar pela morte assistida caso tivessem uma doença terminal do que aqueles predispostos a praticá-la
Um inquérito a 183 médicos na Madeira concluiu que quase 66% dos clínicos são a favor da legalização da eutanásia. O estudo foi feito por Helena Fragoeiro, médica no Centro de Saúde de Câmara de Lobos.
A maioria dos 183 médicos vinculados ao Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira que foram inquiridos num estudo sobre a eutanásia são a favor da legalização desta prática para pôr termo à vida.
O inquérito faz parte do estudo “Eutanásia e suicídio medicamente assistido: atitudes dos médicos”, desenvolvido por Helena Fragoeiro, médica no Centro de Saúde de Câmara de Lobos, no âmbito de uma dissertação de mestrado em cuidados paliativos, defendida recentemente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, em que a autora obteve 18 valores. Apesar de só agora a ter defendido, o inquérito que sustentou a tese data de 2015.
A morte assistida assume, neste momento, particular relevância quando está em curso no País um ciclo de debates para “decidir sobre o final da vida”, promovido pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, e em que se discute produção legislativa sobre o tema.
O estudo desenvolvido junto dos médicos madeirenses revela que 65,6% dos inquiridos pensam que a eutanásia devia ser permitida na ordem jurídica portuguesa e 41,5% assumem mesmo que a fariam se fosse legal. As respostas indicam ainda que 11% dos clínicos já receberam, pelo menos uma vez, um pedido de eutanásia, mas nenhum referiu a ter praticado.
O questionário pretendeu encontrar respostas para o que os A dissertação da médica Helena Fragoeiro obteve 18 valores. © Albino Encarnação médicos fariam aos doentes nos casos extremos, mas também como agiriam se estivessem eles numa situação terminal. Assim, quando inquiridos se gostariam de poder optar pela eutanásia para eles próprios, caso tivessem uma doença incurável e progressiva que levasse inexoravelmente à morte, 59,6% dos médicos responderam positivamente.
Com efeito, o número de médicos que gostariam de poder optar pela morte assistida caso tivessem uma doença terminal é superior ao número daqueles predispostos a praticá-la, o que frisa a existência de perspetivas diferentes ao nível pessoal e profissional.
No que respeita à opinião face ao suicídio assistido, 53% dos médicos responderam negativamente quando confrontados com a questão «A legislação portuguesa não permite a prática do suicídio assistido. Mesmo assim, há circunstâncias em que o praticaria?».
Apesar de ser em menor número do que na eutanásia, 46,4% pensam que o suicídio assistido da eutanásia legal devia ser permitido em Portugal. Não obstante, 39,9% afirmaram que não o fariam mesmo que a legislação o permitisse.
Embora em ambos os casos se trate de “morte assistida”, a eutanásia e o suicídio assistido são práticas diferentes. Enquanto no primeiro caso é o médico que administra o medicamento que vai levar à morte do doente, no segundo o médico apenas fornece o medicamento para ser o próprio doente a suicidar-se. A decisão é precedida de um pedido do doente para morrer, feito de forma livre e consciente. Na dissertação a que o JM teve acesso, Helena Fragoeiro escreve que, no entender de 75,4% dos médicos inquiridos, o conceito de eutanásia (com todas as suas implicações éticas, legais, sociais ou outras) não deve ser alargado a situações de pessoas sem uma doença terminal ou doença somática, englobando doentes crónicos, doentes mentais, pessoas cansadas de viver por idade avançada, deterioração física, solidão ou dependência. Da mesma opinião partilham 71,6% dos inquiridos sobre o conceito de suicídio assistido.
De referir ainda que, segundo o estudo, existe uma percentagem mais elevada de médicos mais novos que estão disponíveis para praticar a eutanásia se a legislação o permitir, que pensam que a eutanásia deveria ser permitida na ordem jurídica portuguesa e que se tivessem uma doença incurável e progressiva, que levasse inexoravelmente à morte, gostariam de poder optar pela eutanásia.
O estudo elaborado por Helena Fragoeiro revela, por outro lado, que 50% dos médicos consideram que o papel dos cuidados paliativos pode evitar muitos pedidos de eutanásia ou suicídio assistido, enquanto 32,2% afirmaram que os cuidados paliativos podem apenas evitar alguns pedidos.
DIFICULDADES EM OBTER DADOS
A elaboração do inquérito “Eutanásia e suicídio medicamente assistido: atitudes dos médicos” confrontou-se com alguns constrangimentos, de acordo com o que é relatado por Helena Fragoeiro.
Inicialmente, a população estudada era constituída pela totalidade dos médicos vinculados ao Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira – estima-se que existam cerca de 870 clínicos -, mas desde logo a médica viu as portas fecharem-se-lhe no acesso à lista de médicos existentes na Madeira.
«Foi pedida autorização ao Conselho de Administração do SESA- RAM E.P.E. para aceder à listagem de clínicos a exercer no mesmo, pedido esse que foi negado», lê-se na dissertação. O mesmo sucedeu com a Secção Regional da Ordem dos Médicos da Madeira, que também recusou o pedido.
A alternativa disponibilizada foi as próprias instituições referidas encaminharem o questionário para os médicos inscritos, o que veio a suceder, embora a médica não tivesse tido como confirmar se todos os médicos receberam o questionário, uma vez que esse processo foi tratado pelo SESARAM e pela Ordem dos Médicos.
Após a conclusão da recolha dos questionários, a amostra ficou constituída por 183 médicos, 135 do sexo feminino e 38 do sexo masculino. JM
Perfil dos participantes no estudo
Os 183 médicos que colaboraram no estudo apresentavam idades compreendidas entre os 25 e os 65 anos, sendo a idade média 41 anos com um desvio padrão de 12 anos. Os dados mostram que 41% dos inquiridos pertenciam ao grupo etário dos 25 aos 34 anos, seguidos de 25% que tinham idades compreendidas entre os 35 e 44 anos. Metade dos médicos tinham, pelo menos, 37 anos e a distribuição de frequências afastou-se significativamente de uma curva normal ou gaussiana.
A maioria dos médicos, concretamente 73,8%, era do sexo feminino. De igual modo, a maioria era casada ou vivia em união de facto (54,1%).
Quanto à religião, a maior parte dos médicos (82%) referiu ser católico. Dos 163 médicos que professavam alguma religião, 65% referiram ser não praticantes.
Relativamente às caraterísticas profissionais, verifica-se que 56,3% dos médicos tinham como especialidade principal a medicina geral e familiar e 54,6% dos profissionais desenvolviam a sua atividade em centros de saúde, enquanto 42.1% trabalhavam no hospital. No que concerne ao tempo de serviço como médico, 29,5% dos inquiridos desempenhavam a sua atividade há mais de 20 anos, seguidos de 26.2% que eram profissionais há menos de 5 anos e de 20,8% que referiram tempos de serviço entre 5 e 10 anos.
Alberto Pita
In “Jornal da Madeira”