A Sociedade Portuguesa de Pneumologia lança hoje uma campanha nacional assente em valores positivos. “Orgulho sem tabaco” tem como alvo preferencial as mulheres.

 

Orgulho sem tabaco. É esse o propósito do Dia Mundial que hoje se assinala, precisamente o Dia Mundial Sem Tabaco e é, também por isso, o mote para a campanha nacional lançada pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia sobre esta temática.

 

José Pedro Boléo-Tomé, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica, ao JM, que o “Orgulho sem tabaco” é o movimento que é lançado hoje, Dia Mundial Sem Tabaco, que terá como principal alvo a mulher.

 

De acordo com o especialista, «trata-se de uma campanha dirigida a mulheres jovens, através da qual a Comissão de Trabalho de Tabagismo procura diferenciar-se das campanhas negativistas, centradas nos efeitos nefastos provocados pelo tabaco».

 

E o alvo é, particularmente, as mulheres porque, explica ao JM o especialista, «é o grupo onde não está a diminuir o tabagismo, desde as raparigas adolescentes, onde até há uma certa tendência para aumento, que é diferente dos rapazes, que tem sido menor. E, depois, sobre as mulheres em idade fértil».

 

CAMPANHA MUITO POSITIVA

 

Esta é, segundo José Pedro Boléo-Tomé, «uma campanha muito positiva, ou seja, em vez de explorarmos a questão das doenças, dos malefícios associados ao tabaco, a ideia é, precisamente, passar a imagem oposta, a ideia de que um não fumador tem uma imagem muito mais positiva, muito mais limpa, muito mais saudável e, portanto, esperamos que esta imagem seja o mais possível disseminada, com várias ações que temos previstas, e que esperamos, também, que tenham alguma visibilidade».

 

 MELHORIA PROGRESSIVA

 

Os números do tabagismo em Portugal, segundo José Pedro Boléo-Tomé, têm registado, ao longo do tempo, «uma progressiva melhoria. Nós também, quando comparados com a realidade europeia, nunca tivemos taxas de fumadores muito altas, ou tão altas como a média europeia, ou como muitos outros países da Europa que têm muito mais fumadores do que nós, a começar por Espanha, por exemplo».

 

Porém, de acordo com o pneumologista, Portugal «também não tem melhorado tanto como outros países, que implementaram medidas mais efetivas e, portanto, tiveram também maiores progressos. Nós tivemos uma melhoria mais tímida, de um modo global».

 

Em seu entender, «o que não parece estar a melhorar e que inspira alguma preocupação é ao nível de dois grupos, nomeadamente mulheres, sobretudo mulheres mais jovens, e também a população com menos recursos, com menos formação, que fumam mais ou que têm menos preocupação em deixar de fumar».

 

 90% DEIXAM DE FUMAR SOZINHOS

 

Por outro lado, acrescenta ainda José Pedro Boléo-Tomé, «não tem ainda havido também um acesso suficiente para a ajuda especializada para deixar de fumar. Nós temos números, mais ou menos recentes, que das pessoas que deixaram de fumar, cerca de 90% fê-lo sozinha, sem recurso a nenhuma ajuda».

 

Além disso, remata o pneumologista, «neste momento, Portugal continua a ter um número de consultas de cessação tabágica manifestamente insuficiente face à procura, com longas listas de espera. Além de haver até zonas geográficas onde há muito pouco acesso. Até há muito pouco tempo havia muitas regiões do País que nem sequer tinham consulta de cessação tabágica, hospitalar ou nos centros de saúde».

 

A par disso, José Pedro Boléo-Tomé diz que «a procura pelas consultas de cessação tabágica está a crescer imenso, também porque as pessoas estão muito mais informadas. E a verdade é que estamos a falar de uma dependência que é muito difícil. Ainda por cima uma dependência de uma droga muito potente, muito aditiva, que é a nicotina. E, portanto, há muitas pessoas que têm dificuldade em deixar de fumar sozinhas e que precisavam de algum apoio, ou de aconselhamento, ou até de acesso aos fármacos para cessação tabágica. Isso ainda não está a ser atendido, porque ainda não está a ser eficiente a resposta do País».

 

Lei cheia de exceções

 

No plano legislativo, José Pedro Boléo-Tomé diz que Portugal tem «sofrido sempre de um problema que já aconteceu nas duas últimas revisões da lei. A lei em vigor é de 2007. Já na altura, quando foi feita a discussão prévia da lei, ela previa mais restrições e depois, quando foi discutida no Parlamento, acabaram por cair algumas dessas restrições, ou pelo menos colocaramse muitas exceções, como aquelas famosas exceções dos locais de restauração, que era possível fumar desde que em espaços com ventilação, espaços para fumadores. Isso, apesar de se saber – e está mais do que estudado – que é muito difícil, por exemplo, um restaurante ter um equipamento de ventilação que seja realmente eficaz para eliminar os produtos tóxicos do tabaco».

 

Por outras palavras, sintetiza o especialista, «a lei ficou mal feita e é muito difícil de implementar efetivamente e de fiscalizar a sua aplicação. No início, ainda houve muita fiscalização por parte da ASAE, cuja intervenção foi até bastante badalada nos jornais. E, progressivamente, temos também visto que a ASAE está com dificuldade de meios e o que temos visto é que houve um certo relaxamento nos locais públicos, na restauração, onde continua a haver índices de exposição ao fumo bastante importantes».

 

Neste momento, recorda José Pedro Boléo-Tomé, «o que está a acontecer é que estão a ser preparadas algumas alterações à lei, com um projeto de lei do Governo, que a nosso ver não são suficientes, mas que são positivas. Sendo as mais importantes, ou as mais conhecidas, duas. Uma que tem a ver com os novos produtos de tabaco, como o cigarro eletrónico, como o tabaco aquecido. Esses novos produtos que têm saído. E a ideia é equiparar esses produtos em termos de restrições com os produtos de tabaco convencional, cigarro, etc. e com aquilo que já se defende. E isso tem um fundamento que tem a ver com o facto de que o pouco que se sabe é que esses produtos têm nicotina, que tem a mesma droga em altas doses, e têm outros produtos tóxicos, parecidos e alguns deles iguais ao tabaco convencional e, portanto, com riscos para a saúde e que podem pôr em risco também a saúde de terceiros».

 

A segunda alteração que destaca é a medida que prevê «a imposição de uma restrição no espaço circundante a tudo o que fosse estabelecimentos de saúde e estabelecimentos ou locais onde estivessem crianças, desde escolas, parques infantis, instituições, etc. A lei previa um limite de restrição de cinco metros e os partidos que estão a discutir o tema querem fazer cair essa proposta. Mas, continuamos a ter as tais exceções».

 

Neste processo, recorda José Pedro Boléo-Tomé, «a Comissão Parlamentar de Saúde ouviu uma série de organismos e ouviu também a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e, portanto, nós tentámos fazer valer os argumentos da ciência e, infelizmente ouviu também, e aliás ouviu em primeiro lugar, a indústria tabaqueira, que tem interesses comerciais nesta área».

 

Quanto à introdução de imagens chocantes nas embalagens de cigarros – medida que começou a ser implementada há um ano –, José Pedro Boléo- Tomé diz que essa medida resulta de uma diretiva comunitária. E acrescenta que, «o que está estudado é que os países onde existe uma campanha mais agressiva, os resultados são mais visíveis. O que se passa aqui na Europa é que os países depois implementam as leis como entendem. E, em Portugal, mais uma vez, e em vez de se implementar de uma forma decidida, foi criar as imagens nos maços de tabaco, mas com um prazo de um ano para que, gradualmente, as imagens fossem substituídas. E foi de tal forma gradual que o impacto acabou por ser muito menor. Demorou três ou quatro meses até que os maços aparecessem com as imagens e a substituição foi muito gradual. E o impacto foi muito menor».

 

IMAGENS CHOCANTES EFICAZES

 

E, ao contrário do que muitos dizem, José Pedro Boléo-Tomé diz que as imagens nos maços de tabaco «têm um efeito sobretudo na população jovem que está a começar a fumar, porque a questão das marcas serem atraentes têm influência na compra. Aliás, é esse um dos aspetos que nos preocupa com os novos produtos, porque são atraentes para esta população juvenil que as experimenta».

 

Esta questão da imagem tem de tal forma impacto que o especialista diz que também a este nível podíamos ter ido mais à frente. Há países na Europa que, tal como afirmou, «estão a implementar aquilo que se chama a embalagem standardizada, que é retirar todas as referências às marcas. As embalagens são todas da mesma cor, não têm letras nem marcas especiais. E isso tem muito impacto. Provavelmente, quem já fuma vai comprar na mesma, mas quem vai começar vai pensar, talvez, duas ou três vezes. De qualquer forma, a campanha das imagens parece ter tido algum impacto, pelo menos nas vendas, porque se vendeu menos cigarros convencionais, pelo menos».

 

Para José Pedro Boléo-Tomé, o melhor é quando se combinam mais do que uma “investida”. Pois, tal como afirmou, «as coisas têm mais resultados quando se juntam várias estratégias diferentes. Uma das mais eficazes é também aumentar o preço. Nós temos tido, mas ainda são aumentos muitos tímidos. Se fosse um aumento percentual importante, haveria logo uma queda bem visível no consumo».

 

O mais urgente, agora, era «criar uma estratégia integrada para criar ambientes sem fumo. Não pode haver exceções. Sobretudo em sítios com maior concentração de pessoas. Os espaços públicos, os locais de trabalho, os locais de restauração não podem ter exceções. Nos países que implementaram isso as pessoas aceitam. Mais de 80% dos fumadores onde isso foi feito concorda com as restrições. E, portanto, é falso dizer que as pessoas estão contra. Isso não é verdade».

 

Depois, prosseguiu, «é preciso ser muito claro, aumentar os impostos, incluir as proibições a todos estes novos produtos de tabaco, incluindo a publicidade e a promoção. Se forem para a frente estas medidas, isso tudo vai deixar de existir, porque tem muito impacto». Mas há países que vão mais longe, com legislação que proíbe as pessoas de fumarem dentro do automóvel com crianças dentro

 

Marsílio Aguiar

 

In “Jornal da Madeira”