Na minha escuta psicoterapêutica, encontro muitas vezes, nas palavras dos meus pacientes, profunda solidão. Mesmo que, na sua vida, se encontrem rodeados de pessoas, incluindo pessoas significativas.
Solidão consequência de se sentirem desamparados, sós face às suas necessidades emocionais. Não estou, pois, a falar da solidão essencial, na medida em que estamos sempre irremediavelmente connosco próprios, mas sós no sentido de procurarmos um outro e não encontrarmos ressonância emocional para as nossas necessidades emocionais. O sujeito não se sente prioridade na mente do outro, nem nela sente ter lugar de valor e de orgulho… ou não sente no outro a desejada empatia e vontade de despender tempo emocional e/ou físico na tentativa de compreensão do seu sofrimento ou compartilhar a sua alegria.
Esse lugar de acolhimento, empatia, amor, privilégio, orgulho por parte do outro, nomeadamente de um outro significativo, é a grande procura da vida/mente humana. Porque sabemos intimamente que é nesse lugar que nos sentimos bem, nos expandimos e nos superamos a nós próprios. Como já aludi em artigos anteriores, o entusiasmo do outro, o seu carinho/afecto e o seu orgulho por nós funciona como poderoso trampolim para o desenvolvimento.
Os outros resultam, pois, de uma procura. Aliás, desde que nascemos que nos procuramos ligar ao outro, física e, sobretudo, emocionalmente. A ligação emocional é alimento da alma. Ela dá ânimo, esperança, tranquilidade, segurança para enfrentarmos os desafios da nossa vida. Confere-nos instrumentos para voltarmos a ser nós próprios depois das tempestades por que todos passamos na vida.
A relação amante é, pois, profundamente interessada, persistente e criativa. Faz-nos expandir e desenvolver. Na sua ausência, fica a frustração e a angústia de uma necessidade emocional não acolhida. E gera-se o terreno fértil para a emergência do ódio — em relação ao outro, que não corresponde, e a si próprio, que é tão mau ou insuficiente que não merece o amor/resposta do outro.
As vozes críticas internas, numa mente emocionalmente só e que se sente sem ou com pouco valor para os outros, encontram terreno fértil para se expandirem e tornarem-se dominantes. Arrasam tudo. Divertem-se a humilhar e a aniquilar o sujeito. Todos os actos e comportamentos são vistos numa perspectiva de desvalor e de crítica. Por vezes, a crítica interna é tão forte que o sujeito sente vontade de se bater, fazer-se mal. O ódio e o desprezo em relação a si mesmo são arrasadores. E muito difíceis de travar. O lado amante de si mesmo não tem força contra estes impulsos destruidores. Ou seja, o sujeito pode ter consciência destes pensamentos autodestrutivos, auto-castigadores, mas não conseguir impedi-los. Na realidade, não tem amor-próprio onde se agarrar... Acredita e sente-se merecedor de tal humilhação.
A vergonha que aparece depois da tempestade de ódio contra si mesmos é também ela avassaladora. Depois do desprezo/desespero fica o sentimento de solidão profunda e de desesperança.
Não é fácil procurar ajuda nesta fase. A vergonha e o desprezo são tão intensos que por vezes sobrepõe-se a necessidade de se fechar sobre si mesmo... Na melhor das hipóteses, este fechar-se em si próprio constitui-se como um caminho interior e pessoal, ainda que muito doloroso e desgastante emocionalmente, na procura de ajudar-se a si mesmo, perscrutando o que se passa emocionalmente consigo. Há coisas que provavelmente só contamos a nós próprios. Essa possibilidade de uma relação absolutamente honesta e transparente connosco pode ser dura... mas é também parte do caminho.
Mas é impossível fazer todo o caminho sozinho. Para que não vença o ódio, é preciso um outro capaz de nos amar a quem nos possamos ligar e a quem possamos depositar os nossos pensamentos desorganizados, os nossos sentimentos perturbadores, o nosso ódio em relação a nós próprios e ao mundo… e que não fique contaminado com essas emoções. Mantenha a esperança e o amor por nós. Essa é a função do terapeuta.
In “Público”