São poucos mas existem na Madeira pais que se recusam, formalmente, em seguir o esquema vacinal que é recomendado aos filhos. A maioria é da comunidade estrangeira que reside na Região.
O número na Região de pais que se recusam vacinar os filhos é praticamente inexpressivo tendo em conta o universo grupal imunizado pelo esquema vacinal recomendado. Neste momento, apenas 23 crianças estão sinalizadas pelo Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais (IASAÚDE), como nunca levaram qualquer vacina, através de recusa formal apresentada pelos pais.
Muitos deles são estrangeiros a residir na Madeira mas há também madeirenses que optam por não seguir o plano de vacinação quando têm filhos.
Segundo Ana Clara Silva, vice presidente do IASAÚDE, mesmo que estas recusas sejam «ínfimas» e estejam documentadas, os serviços de saúde voltarão a entrar em contacto com estes pais muito por conta do surto de sarampo que já dizimou a vida de uma jovem de 17 anos e atinge atualmente 21 indivíduos em todo o País.
Neste novo contacto, os pais serão pedagogicamente confrontados a reverem a sua posição em relação à vacinação dos filhos.
É que, embora as pessoas tenham liberdade de escolha, Ana Clara Silva lembra que existem duas responsabilidades: a social e a individual.
«A individual é a responsabilidade que o pai ou educador tem sobre aquela criança e que pode ser chamado à responsabilidade caso haja alguma ação, já que não é uma ação da saúde mas sim da cadeia de responsabilidades, sobre esta dimensão social», especifica.
Mesmo assim, e apesar de congratular-se por não haver um movimento regional de pais antivacinação, Ana Clara Silva admite que «há um conjunto de atitudes muito próprias de um conjunto de crenças».
Muitos desses mitos foram criados com base no estudo – que entretanto acabou por revelar-se ser fraudulento – que relacionava a vacina anti-sarampo, parotidite (papeira) e rubéola com o aparecimento do autismo.
No fundo, assevera, «os pais têm as suas crenças, e é uma atitude que devemos respeitar, mas que não é de todo fundamentada técnico-cientificamente porque já foi provado que o senhor responsável por essa investigação [o médico Andrew Wakefiel] manipulou os dados e até foi banido da Ordem dos Médicos do Reino Unido. O que acontece é que os pais preferem se manter numa dimensão da suspeição mas essa dimensão não tem qualquer fundamento científico é só única e exclusivamente no agir através de uma crença pessoal».
Desde 2013 que o IASAÚDE não regista casos de sarampo na Madeira e o único caso reportado nesse ano foi de uma cidadã alemã, de 21 anos, não vacinada. Antes deste, o último caso notificado por este serviço na Região é de 1999.
Ainda em relação à vacinação contra o sarampo, Ana Clara Silva ressalva que neste momento há um “stock” de 1.500 doses, número que dá para «cumprir para com os casos previstos para vacinação e alguma circunstância que nós queiramos assegurar a proteção, nomeadamente crianças que estejam em falta».
TODOS SERÃO CHAMADOS
Como explicou Ana Clara Silva ao JM, quando se fala em vacinação, neste caso, da vacina do sarampo (a VASPR), as crianças são agregadas pelo seu ano de nascimento e, olhando para este universo, a taxa de cobertura na Região tem estado sempre acima dos 98%.
Por exemplo, neste momento já chega aos 90% a administração da segunda inoculação da vacina nas crianças nascidas em 2012 (e que foram vacinadas com a primeira dose da vacina no primeiro ano de vida).
Como esta segunda inoculação terá se ser administrada até ao final deste mês de abril, a responsável estima que esta taxa de cobertura chegue aos 98%.
Já em relação aos bebés nascidos em 2015 e que vão fazer dois anos de idade até 31 de dezembro, o IASAÚDE tem atualmente um total de 1.963 crianças monitorizadas, sendo que 1.925 destas já foram vacinadas.
Em relação àquelas crianças que ainda não foram vacinadas com a vacina do sarampo e que fazem um ano até ao final deste mês, Ana Clara Silva informa que todas elas já estão marcadas para vacinação. As restantes crianças, que farão até 31 de dezembro dois anos de idade e que ainda não tenham levado a primeira dose da vacina antisarampo, serão igualmente chamadas pelos centros de saúde.
Apelos à vacinação
Nestes últimos dias foram várias as vozes que vieram a público apelar aos pais para que vacinem os seus filhos.
Uma delas foi a do Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa apelou aos pais para pensarem na saúde dos filhos e dos outros concidadãos para que o Estado não tenha que recorrer «a meios obrigatórios de intervenção».
«A minha terceira palavra [pedagogia] dirige-se sobretudo aos pais e aos encarregados de educação portugueses, que serão os primeiros a compreenderem os seus deveres para com os seus filhos, pensando na saúde deles e pensando na saúde dos filhos dos outros portugueses, dos demais concidadãos, num espírito de solidariedade social», completou.
Já o bastonário da Ordem dos Médico, Miguel Guimarães, disse à Agência Lusa que é necessário lançar uma campanha massiva junto da população portuguesa para a importância de ser cumprido o plano nacional de vacinação. “
O risco de epidemia alargado não existe dado o elevado nível de proteção em Portugal mas é fundamental fazer uma campanha massiva junto da população. Quando se faz uma campanha as coisas resolvem-se», disse.
Segundo o bastonário, a questão preocupante é que existem pais que não estão a vacinar as crianças criando um problema de saúde pública, uma vez que uma pessoa com sarampo pode contaminar dezenas ou centenas.
Da parte dos enfermeiros, que são os profissionais que acabam no fundo por lidar diretamente com a questão da vacinação, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros defendeu também a importância de desmistificar a informação incorreta que as pessoas têm acerca do sarampo, que origina dúvidas legítimas, para tomarem as melhores decisões acerca da vacinação dos seus filhos.
Ana Rita Cavaco lembrou que é importante desmistificar a informação que as pessoas têm e que não está correta porque, «quanto maior o grau de informação que temos e o acesso a ela, mais dúvidas se colocam, o que é normal».
Não há um movimento regional de pais antivacinação, há sim um conjunto de atitudes muito próprias de um conjunto de crenças.
A vice-presidente do IASAÚDE lembra que existem duas responsabilidades na questão da vacinação: a social e a individual.
Petição defende vacinação obrigatória
Uma petição a defender a vacinação obrigatória já tinha recolhido ontem mais de quatro mil assinaturas.
Citado pela Agência Lusa, no texto da petição, que aparece no topo da lista das últimas petições criadas no ‘site’ Petição Pública, os signatários defendem que «é cada vez mais importante alertar as pessoas para a necessidade de vacinar as crianças», depois de na quarta-feira ter sido conhecida em Portugal a primeira morte por sarampo, de uma jovem de 17 anos que não estava vacinada.
«Por uma questão de saúde pública, não queremos que exista um retrocesso civilizacional no que à evolução médica diz respeito», recordam os signatários da petição que adiantam ainda que «estas mesmas crianças não vacinadas (…) podem ser foco de infeção para quem tem um sistema imunitário fraco ou para quem não pode ser, de todo, vacinado».
Reconhecem também que «muitos dos casos que agora surgem de doenças para as quais já há vacinas não se prendem, diretamente, com os movimentos antivacinação».
«Porque não queremos voltar a temer doenças como a tuberculose, o sarampo, a escarlatina ou a tosse convulsa (…), vimos pedir que seja pensada a obrigatoriedade da vacinação de todas as crianças – e apenas das vacinas que constam do Plano Nacional de Vacinação, que sabemos ser um dos mais robustos da Europa», defende a petição.
Recorde-se que pelo menos 14 países europeus têm registado surtos de sarampo desde o início deste ano, com a Roménia a liderar o número de casos, com mais de quatro mil doentes em seis meses.
Pediatra José Luís Nunes reconhece que muitos pais têm dúvidas
Pais motivados para a vacinação
Muitos pais têm dúvidas em relação à vacinação mas estas são logo dissipadas quando explicados os benefícios. «
Neste momento, são muitos os pais que estão a procurar aconselhamento médico em relação à vacina do sarampo.
De acordo com o pediatra madeirense José Luís Nunes, muitos pais têm chegado ao seu consultório motivados para a vacinação, muito por conta do surto de sarampo que atingiu o nosso País e que fez levantar questões entretanto adormecidas junto da opinião pública, como é a importância da vacinação nas crianças.
Confesso defensor das vacinas e consequentemente um opositor dos movimentos antivacinação, o pediatra recorda que, no passado, muitas mortes podiam ter sido evitadas se houvesse já a vacina do sarampo, uma doença habitualmente benigna, mas que pode desencadear graves complicações caso o indivíduo não esteja vacinado ou esteja com um sistema imunitário mais fragilizado.
Apesar de ser menos radical do que o pediatra Mário Cordeiro — que esta semana defendeu que os pais deviam ser responsabilizados criminalmente pelas consequências dos seus atos em caso de morte de um filho pela não vacinação — também José Luís Nunes concorda que deve haver uma revisão da legislação sobre esta questão. Neste caso, não seria uma responsabilização criminal (em caso de morte) mas sim a perda de alguns benefícios.
Mesmo assim, e apesar de reconhecer que há realmente muitas dúvidas à volta das vacinas, o médico garante que muitas são dissipadas quando discutidas no seu consultório. E isto não acontece só em relação às vacinas gratuitas. Até as pagas e que já estão fora do Plano Nacional de Vacinação, acabam por ser administradas porque os benefícios superam os riscos.
Ainda em relação à vacina do sarampo, José Luís Nunes lembra que «haverá sempre um leque de pessoas que mesmo vacinadas poderão sofrer consequências porque não se sabe qual a imunidade que ganharam com a vacinação do sarampo». Por isso, reforça, «é importante a vacinação contra a doença “em massa” para que haja imunidade de grupo».
Quem não sabe do boletim informe-se no centro de saúde
Os utentes que não sabem do seu boletim de vacinas podem seguir o rasto da sua atividade vacinal consultando o centro de saúde onde as receberam e que tem esse registo, segundo fonte da Direção-Geral da Saúde (DGS). Teresa Fernandes, da Direção de Serviços da Prevenção e Promoção da Saúde da DGS, disse à agência Lusa que quando um utente não sabe onde está o seu boletim de vacinas deve consultar o centro de saúde onde as recebeu. Essa unidade de saúde tem o registo da vacinação dos utentes, inicialmente recolhido em papel e mais tarde em suporte informático. No caso dos utentes mudarem de centro de saúde, a nova unidade deve solicitar àquela onde as vacinas foram administradas a informação sobre a atividade vacinal do utente. Em relação ao sarampo, Teresa Fernandes aproveitou para esclarecer que as pessoas que nasceram antes de 1970 são consideradas inócuas, pois tiveram sarampo ou contacto com a doença. Os nascidos após 1970, e para os casos de utentes que não tiveram a doença e não receberam ainda a vacina, é recomendada a vacinação, adiantou Teresa Fernandes, que pertence à equipa de coordenação do Programa Nacional de Vacinação. JM
SARAMPO MATA MAIS DE 130 MIL EM TODO O MUNDO
Em 2015, o sarampo causou mais de 130 mil mortes em todo o mundo, o que significa uma média diária de 367 óbitos.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicados em março e que se reportam a 2015, morreram 134.200 pessoas devido ao sarampo ao nível mundial. A vacinação que em Portugal é gratuita, estando no Programa Nacional de Vacinação, mas não obrigatória contribuiu para uma queda de quase 80% da mortalidade por sarampo entre 2000 e 2015 a nível global.
Em 2015, cerca de 85% das crianças em todo o mundo tinham uma dose da vacina contra o sarampo no primeiro ano de nascimento, quando em 2000 essa taxa era de 73%.
Um relatório da OMS estima que entre 2000 e 2015, a vacina contra o sarampo tenha prevenido 20,3 milhões de mortes, tornando a “vacinação do sarampo uma das melhores conquistas em termos de saúde pública”. De acordo com os vários relatórios sobre doenças de declaração obrigatória, entre elas o sarampo, entre 2006 e 2014, Portugal registou 19 casos de sarampo, quase todos importados. Desde janeiro deste ano até hoje, há pelo menos 21 casos confirmados além de outros 18 em investigação.
Em 2016, Portugal recebeu da Organização Mundial da Saúde um diploma que oficializava o País como estando livre de sarampo, até porque os poucos casos registados nos últimos anos tinham sido contraídos noutros países.
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Ministra da Presidência considerou ontem que o surto de sarampo deve ser visto “com serenidade”
Governo rejeita decisões sem a reflexão necessária
Com o surto de sarampo e com a consequente morte de uma jovem de 17 anos com a doença por não estar vacinada, o tema da obrigatoriedade da vacinação voltou à ordem do dia. O Governo pede calma e apela à reflexão.
A ministra da Presidência considerou ontem que o surto de sarampo deve ser visto «com serenidade e não passa necessariamente por medidas proibicionistas», rejeitando uma decisão do Governo «em cima da hora sem a reflexão necessária».
«A questão deve ser vista com serenidade e não passa necessariamente por medidas proibicionistas. Vai ser avaliada, com recurso ao conhecimento científico, provavelmente também discutida no parlamento», respondeu Maria Manuel Leitão Marques aos jornalistas na conferência de imprensa do Conselho de Ministros de ontem quando questionada sobre as medidas a adotar a propósito do sarampo.
De acordo com a ministra da Presidência, a informação científica «mostra que Portugal está até numa boa situação em matéria de prevenção nesse domínio e até comparado com outros países onde a vacinação é obrigatória não está em pior situação, está em melhor».
«Isto apenas para mostrar que aquilo que somos levados a pensar por um caso dramático e muito triste, sobretudo para a família que perdeu a sua filha, não deve levar a decidir-nos em cima da hora sem reflexão necessária, que deve ocorrer em torno destas matérias», ressalvou.
Num outro contexto, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, aproveitou esta polémica da vacinação para apelar à promoção da cultura científica, que considerou estar em défice em Portugal, uma vez que há «ainda famílias que não vacinam as suas crianças».
«De facto, passados 30 anos do primeiro programa mobilizador de ciência em Portugal e mais de 20 anos de promoção da cultura científica, ainda persistem na sociedade portuguesa a coexistência de centros de grande excelência científica com um défice de cultura científica, havendo ainda famílias que não vacinam as suas crianças», lamentou aos jornalistas.
Lúcia M. Silva
In “Jornal da Madeira”