Os dias de hoje passam a voar, sem que a maioria de nós tenha tempo, ou mesmo disponibilidade, para olhar em seu redor e apreciar o que tem junto a si.
Os horários e compromissos ditam as regras, a tecnologia apoderou-se da vida de muitos nós, deixando pouco espaço para conversas com amigos e familiares. A partilha já não é pessoal e os abraços dão-se através do facebook.
As brincadeiras de crianças de outros tempos não são conhecidas pelas crianças de hoje. Estas crianças são mais caladas, introvertidas, vivem no seu mundo de tecnologia, desconhecendo a beleza das brincadeiras com os pais ou com amigos ao ar livre. As conversas de namorados, que eram acompanhadas de carinhos e sussurros, faz-se por mensagem estando mesmo um em frente do outro! Os laços de afecto estão a perder-se e a verdadeira amizade começa a ser um tesouro para quem a tem.
Mas onde nos leva este estilo de vida? Que valores vamos perder?
Fala-se em “aproveitar a vida”, “gozar as férias”, mas a preocupação por se aproveitar todos os momentos é tanta que não se consegue relaxar nem gozar dos momentos que seriam de lazer. Entre e-mails que temos que dar resposta, notificações que queremos espreitar, mensagens que queremos responder vai passar aquele pôr-do-sol que há tanto tempo tentávamos assistir e que, mais uma vez, deixamos escapar. E continuamos cansados, mesmo exaustos, da correria que os dias nos impõem. Mas, na realidade, o que fazemos para conseguirmos “aproveitar a vida”? O que fazemos para viver em vez de vermos a vida passar? O que fazemos para sair da exaustão que a vida actual nos causa?
Vão-se fazendo planos para as próximas férias, para os próximos fim-de-semana, planos esses que muitas vezes não conseguimos concretizar... E hoje? Hoje o que fazemos para aproveitar este pedaço de vida? O que fazemos que nos orgulhe de olharmos para trás? O que fazemos pela nossa sanidade mental, pelo nosso bem-estar emocional? O que fazemos que nos faça sorrir, até mesmo rir? Muitas vezes, nada! Estamos à espera de mais tarde conseguir algo em grande. Mas será assim tão “grande” que tenha valido a pena adiar pequenos momentos de felicidade?
Dou um exemplo. Com mais ou menos esforço, alguém consegue uma viagem de uma vida. Os meses ou semanas que precedem essa viagem são um misto de alegria, entusiasmo e também de preocupação. Quer-se deixar tudo organizado quer no trabalho quer em casa, para não prejudicar terceiros, logo, tem que se correr em contra-relógio para que tudo saia sem falhas, como programado. Para a dita viagem quer-se que tudo corra de forma perfeita, quer-se que seja um acontecimento para nunca esquecer. E a pressão, ainda que inconsciente, instala-se, boicotando a alegria e o bem-estar que se pretendia alcançar nesses dias fora da rotina. Pretende-se tirar fotografias a todos os recantos visitados para se partilhar nas redes sociais, sem no entanto se aproveitar as sensações e emoções que esses mesmos recantos podem proporcionar...e a viagem termina...e a correria do dia-a-dia regressa. E quando esse alguém que fez a viagem de uma vida tenta recordar-se dos locais onde esteve vai procurar nas fotografias que partilhou, pois, infelizmente, não criou memórias nem dos locais, nem dos cheiros, nem das emoções que estariam associadas aos recantos que visitou.
E assim se aproveita (ou não) a vida.
Cada momento que vivemos deve ser vivido intensamente, devemos aplicar-nos em tudo o que fazemos, não apenas em sermos bons profissionais, bons educadores, boas esposas ou maridos. Devemos viver também por nós, pelo nosso bem-estar, também de forma intensa, pois aproveitar a vida começa por estarmos bem connosco, para depois estarmos bem com o mundo.
LÚCIA FERREIRA - psicóloga clínica
In “Jornal da Madeira”