A fruta faz bem à saúde, mas deve ser consumida em variedade e na dose certa. Tem benefícios, mas também suscita mitos. As questões são muitas e abordamos aqui algumas delas.
Um em cada dois portugueses «não consome a quantidade de frutas e hortícolas recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS)». Esta é uma das conclusões do 2.º Inquérito Nacional Alimentar e Atividade Física - INA-AF, cujos resultados foram apresentados na semana passada, no continente, e é a conclusão que o Serviço Nacional de Saúde coloca em primeiro lugar no elenco dos resultados.
O estudo, promovido pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, envolveu investigadores nacionais e internacionais de nove instituições, e decorreu entre outubro de 2015 e setembro de 2016, tendo sido avaliados 6.553 indivíduos (entre os 3 meses e os 84 anos de idade), do continente e das regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Visa «a criação de uma base descritiva com informação de representatividade nacional sobre três grandes domínios: Alimentação e Nutrição, Atividade Física e Estado Nutricional da População Portuguesa».
Hoje, primeiro dia de primavera, os nossos pensamentos vão para os dias quentes, daqui até ao verão, e, de associação em associação, poder-se-á chegar à fruta fresca. Mas, é só pela frescura que devemos consumir fruta? Não. Segundo os especialistas, a fruta deve ser consumida todos os dias.
BEM ALIMENTAR
Nádia Brazão, diestista, con- A Organização Mundia de Saúde (OMS) recomenda que se coma três a cinco peças de fruta por dia, de diferentes qualidades. tactada pelo JM, dá-nos uma ajuda no sentido de sabermos um bocadinho mais acerca dos benefícios da fruta e de esclarecermos alguns mitos que existem em torno deste bem alimentar.
E ao dizermos «bem» estaremos a concordar com a especialista de que este «é, sem dúvida, um alimento muito importante na nossa alimentação».
«Não existem fontes tão naturais, quanto a fruta, para podermos adquirir coisas importantes para o nosso organismo, como as vitaminas, os anti-oxidantes e os fitoquímicos; compostos naturais, saudáveis, que não encontramos noutros alimentos no nosso dia a dia. A fruta dá-nos um aporte mais carregado de micro-nutrientes, que são vitaminas, minerais e fitoquímicos fundamentais para o nosso metabolismo trabalhar bem, em harmonia», sublinha.
FRUTA A MAIS
Falando da investigação científica produzida ao longo dos últimos anos e das coisas novas que tem aprendido, Nádia Brazão reconhece que hoje pensa de modo diferente do que pensava quando saiu da faculdade. «Até digo coisas bastante contrárias e quando me ponho a pensar, digo a mim própria que era o que se sabia na altura», diz.
Os conhecimentos que existiam, ou a falta deles, terão originado uma fase em que as pessoas comiam fruta a toda a hora seguida de uma outra «anti-fruta».
«Houve uma fase anti-fruta, em que as pessoas diziam “cuidado que a fruta engorda”, porque também houve uma fase em que as pessoas só comiam fruta, praticamente, e, depois, admiravam-se que engordavam. A fruta fornece a frutose que é um açúcar de uma absorção mais rápida, que leva ao aumento do açúcar no sangue, a glicémia e consequentemente da insulina. Esta, é uma hormona que não deve estar muito aumentada, deve estar estável, e sendo de absorção, mais anabólica, engorda. Um diabético deve saber que se come fruta isolada de outros alimentos em que a absorção é máxima, a glicémia vai andar mais baralhada e aumentada, o que é perigoso. O mesmo vale para a perda de peso, explica.
BOLACHAS E TOSTAS
Cortar com a fruta na alimentação não é de todo a solução para não engordar. Nádia Brazão faz ver que a moderação deve prevalecer e que a fruta é uma alternativa mais saudável comparativamente a outros alimentos.
«Dizem-me que quando estão a trabalhar querem uma coisa rápida. O que há de mais rápido do que descascar uma banana? Preferem ir às bolachas, às tostinhas, aos bolos, alimentos mais prejudiciais e sem os aportes de vitaminas e anti-oxidantes que a fruta permite», acrescenta.
TRÊS A CINCO PORÇÕES
«A fruta é muito importante, mas tem de ser doseada. A recomendação da OMS, também seguida em Portugal, é que seja consumida entre três a cinco porções por dia. Pode haver necessidade de maior restrição, quando estamos a fazer um emagrecimento, e há também restrições em certas doenças», sublinha. “Em corpo que entra maçã não entra médico” é uma daquelas frases que se ouve. «Não será para levar à letra. Penso que o que interessa é comer fruta, todos os dias, e não apenas maçã, porque para além da dose certa, é importante a variedade alimentar». «Se comemos apenas laranja, garantimos a vitamina C. E os outros fitoquímicos que nos protegem e estão nas outras frutas?», exemplifica.
A QUALIDADE A qualidade da fruta é um tópico acrescentado à conversa Nádia Brazão, dietista, ajuda a explicar o mito de que a fruta engorda, razão que originou uma fase “anti-fruta”. pela dietista, como defensora dos produtos biológicos, que é.
«Estando nós na Madeira, devemos privilegiar a fruta regional, da época. Ou seja, consumindo a fruta que dá agora, por exemplo, isso significa que o nosso clima, neste momento, favorece melhor o crescimento daquela fruta. Devemos evitar ao máximo frutas, nomeadamente de países distantes, que levam mais pesticidas, mais herbicidas, substâncias que alteram o nosso metabolismo e que o nosso corpo não tem capacidade de digerir. E isso é que provoca a doença», defende. A diestista congratula-se com o facto de «começar a haver produção biológica regional» e que isso se deve ao facto de «o consumidor estar atento».
«Cada vez mais, vamos consumir mais produtos biológicos certificados, que nos dão a certeza de que houve uma entidade que se assegurou que aquela fruta cumpre os regulamentos em modo de produção biológico. Em termos de saúde, o que queremos é que a fruta não leve herbicidas nem pesticidas».
A HORA CERTA
Há horas próprias para consumir a fruta? Esta é uma questão que se coloca. Diz-se que a fruta não deve ser comida depois das refeições ou à noite antes de dormir. E há também o ditado “laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata”. Sobre esta frase passada de geração em geração, a diestista ri e diznos que «entre os que levam a frase a sério deve haver quem prefira comer chocolates ou bolachas à noite».
«Costumo não recomendar a fruta depois da refeição, quando é um caso de manutenção de peso ou de emagrecimento, para não haver aqui uma duplicação de hidratos de carbono. Ou seja, se a pessoa já ingeriu batata doce ou arroz ao almoço, para não estar a introduzir mais uma dose de hidratos, sobre a forma de frutose, é melhor espaçar os hidratos de carbono ao longo do dia, para controlar a glicémia», explica.
«À noite, também não costumo recomendar, para não aumentar muito a insulina. Mas isto não é científico. Há estudos que dizem que a banana à noite pode induzir o sono. Como é rica em hidratos de carbono e em triptofano, melhora o sistema hormonal ao nível da seratonina, que é a hormona do bem estar e, assim, ao comermos uma banana induzimos o bem estar à noite e diminuimos o nosso nível de stress», acrescenta.
O importante, na opinião de Nádia Brazão, «é introduzir a fruta ao longo do dia, com harmonia».
«As pessoas desvalorizam muito a fruta. Quando comem é só uma peça por dia. Se não levam a fruta para o local de trabalho, por uma questão de logística, acabam por comer o que está mais à mão, como bolachas, tostas e pão», reforça.
CRIANÇAS E IDOSOS
O consumo da fruta consoante a idade é outra questão que se pode colocar. A dietista pensa que as crianças devem comer três a quatro peças por dia e não se ficarem pelas duas, porque «estão em crescimento e têm mais necessidades energéticas.
Em comparação com os adultos, Nádia Brazão pensa que os mais novos «têm, muitas vezes, uma vantagem». Fala dos miúdos que comem na escola e têm acesso a duas peças de fruta. «A terceira dose devem comer em casa e os pais deverão zelar para que esse hábito se mantenha nos fins de semana e nas férias», considera.
No caso dos mais idosos, especialmente dos que têm dificuldades ao nível da dentição e da mastigação,diz que «o truque é fazer sumos de fruta que levem uma a duas peças de fruta, de preferência associado a mais um alimento, para que a absorção do sumo não seja demasiado rápida a nível de sangue, para não aumentar muito a insulina.
Banana, abacate e uvas são bons exemplos
Super-frutas facilmente encontradas na Madeira
Entre as frutas, há umas que se distinguem das outras pela riqueza de nutrientes. Podem ser chamadas de super-frutas e existem em fartura..JM
Segundo Nádia Brazão, «há as frutas e as super-frutas», algumas bem conhecidas e ao alcance dos madeirenses. A dietista destaca à cabeça a abacate como sendo uma fruta completa e da qual «muitas pessoas fogem».
«Tem muito pouco hidratos de carbono (o que para o emagrecimento é excelente), tem gorduras muito boas, que são as gorduras monoinsaturadas, e possui uma substância que é altamente anti-inflamatória. É boa para controlar o colesterol, a glicémia, boa para o cérebro, para a pele, para as crianças. Aqui na Madeira temos e, ao contrário do que dizem as pessoas, não engorda. Claro que tudo na dose certa», sublinha.
Procurando mais informação acerca desta super-fruta, ficamos a saber que é uma boa fonte de potássio, folato e vitamina A, vitamina E, vitaminas B6, C e E, ferro e magnésio e é dos poucos frutos ricos em proteínas.
SACIANTE E NA MODA
A «nossa banana» também é destacada pela dietista como super-fruta.
«Tem o magnésio e o potássio e a vantagem de nos dar energia e uma saciedade prolongada. Comparando-a com a maçã, em que meia-hora depois somos capazes de já estar com fome, a banana é mais saciante e está agora muito na moda, junto dos desportistas, e pelas famosas panquecas de aveia com banana», acrescenta.
Nádia Brazão recorda também os frutos vermelhos, no quais se incluem as uvas, as amoras, os mirtilos, as framboesas. São ricos em anti-oxidantes, neutralizadores dos radicais livres que no nosso corpo vão provocando doenças. Têm a capacidade de bloquear estas doenças.
BARATA E DA ÉPOCA
A anona, também falada como sendo uma super-fruta, tem a vantagem de na Madeira ser mais barata que noutros lugares e é uma fruta da época. «Tem vários potenciais falados cá fora, mas do ponto de vista científico, não há ainda muita fundamentação», refere a especialista. A “Anona da Madeira”, certificada como Denominação de Origem Protegida (DOP), é rica em ferro, fibras, vitaminas C e B, e contém cálcio, fósforo e potássio. Há quem lhe reconheça propriedades anticancerígenas.
Sexta-feira continua a ser um dos dias de grande azáfama, mas já foi mais
Numa voltinha pelo mercado
Com a vinda das grandes superfícies, o Mercado dos Lavradores deixou de ser o principal ponto de venda de fruta, na Região. Vender o que é regional e da época ajuda a diferenciar
À sexta-feira, não há tempo a perder, tanto para vendedores como para clientes. Numa voltinha pelo Mercado dos Lavradores, facilmente nos apercebemos que são sobretudo pessoas de meia idade e de idades mais avançadas que circulam pelo local.
Os vendedores atendem, o melhor possível, os clientes que vão aparecendo, e cuidam para não espantar a freguesia. Estrangeiros, aos grupos, são guiados pelo interior deste “ex-libris” da cidade. As bancas de frutas exóticas, no andar de cima, são o principal destino dos turistas, onde têm oportunidade de provar e de ouvir algumas explicações acerca dos produtos em exposição.
Defesa contra Doenças
A fazer compras num dos espaços laterais do edifício, apoiada numa bengala, Maria Ponte, com «70 e poucos», como diz, é uma freguesa habitual do Mercado dos Lavradores. Este é, segundo disse ao JM, o seu local de eleição para a compra de «fruta da época», frisa, e também de legumes.
«Gosto bastante de fruta e é boa para desenfastiar. Penso que é importante para a nossa saúde. É com a fruta que nos vamos defendendo de doenças; ajuda-nos a viver mais tempo e já que cheguei a esta idade devo continuar a cuidar de mim», sublinha.
comida de plástico
De pé junto a uma banca de frutas e de legumes, pronto a receber os clientes, Lino Nóbrega acede falar ao JM e, sem rodeios, declara que «as pessoas gostam mais de comida de plástico, do que de fruta ou legumes».
«Agora, é o vê se te avias, não estão para perder tempo a cozinhar», remata.
Vendedor no mercado há mais de 20 anos, tem na banca anonas, nêsperas, maracujás, granadilhas e maracujá-banana. Tenta ter um pouco de tudo, «de preferência a fruta da época, que é a mais procurada».
Venda Dispersa
Manuela Silva, com experiência de quatro décadas no mercado, tem uma visão mais otimista e pensa que os madeirenses gostam de fruta. À pergunta, se há mais ou menos pessoas a comprar de fruta, faz-nos ver que as coisas mudaram e o mercado deixou de ser o principal ponto de venda.
«Antigamente, toda a gente vinha aqui e tínhamos melhor noção dos hábitos. Hoje, há também as grandes superfícies e as pessoas vão a outros sítios. Ainda assim, vejo por aqui muitos madeirenses, não são só turistas!», nota a vendedora.
A dispersão da venda da fruta por outros estabelecimentos é também focada por um outro vendedor. Enquanto serve uma cliente de longa data, admite que as grandes superfícies possam concorrer com o mercado, mas «não na qualidade».
Da época e regional
«Aqui, privilegiamos a qualidade e a fruta da época, regional, porque é o que os nossos clientes mais procuram», afirma.
Na banca onde Duarte trabalha, Maria Aurora escolhe umas maçãs reinetas. «Dizem que faz bem à saúde e eu gosto bastante. Há quem as coza, prefiro comêlas cruas, ao natural».
«Antigamente, que podia comer de tudo, havia pouca fruta. Agora, que não posso comer de tudo, por causa dos diabetes, é que há fartura! É a vida...», desabafa e segue para pesar e pagar.
Incutir hábitos
De banca em banca, fomos dar com Sara Santos, artista plástica, que, segundo nos disse, é cliente habitual do Mercado dos Lavradores, um hábito que tem desde muito nova e que tenta incutir no filho mais novo, de 10 anos, ao sábado, dia em que não há aulas e o bulício do mercado é também bastante intenso.
No Facebook, onde é muito ativa, costuma partilhar as fotos das senhoras das bancas onde semanalmente faz compras, entre as quais «a Teresinha», diminutivo pelo qual trata carinhosamente a vendedora.
Participando na conversa, Teresa Caldeira diz-nos que os jovens preferem mais o “fast food” do que a fruta e, pela experiência de 12 anos que tem de vendedora no local, não são presença frequente no mercado. Admite que possam ir a outros sítios, por lá é que não os vê. Quanto às vendas, dependem também dos preços.
Iolanda Chaves
Fonte: Jornal da Madeira