Análise de 204 estudos confirma que a relação entre a obesidade e o risco de ter cancro é clara em vários tipos de cancro. Cólon, mama, ovários, pâncreas são apenas alguns na lista e o risco, dizem os cientistas, é maior com o aumento do peso.

Uma revisão de 204 estudos publicados nos últimos anos confirmou a relação entre o excesso de gordura no corpo e o risco aumentado de desenvolver 11 tipos de cancro. O estudo, na revista British Medical Journal, quantifica o risco por cada dez ou cinco quilos a mais, mostrando que quanto mais peso, maior o risco.

Não é novidade para ninguém que a obesidade está associada a vários problemas de saúde, desde diabetes a doenças cardiovasculares e respiratórias, entre outros. A perigosa relação entre obesidade e cancro também já foi tratada em muitos estudos publicados. A equipa de Maria Kyrgiou, do Imperial College, que inclui colegas do Reino Unido, França e Grécia, analisou 204 destes estudos que ligavam a obesidade a 36 tipos e subtipos de cancro, procurando seleccionar os que mostravam uma associação “forte e evidente” entre o excesso de gordura no corpo e o risco de desenvolver cancro.

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O trabalho, que teve em conta o efeito de sete indicadores de obesidade (índice de massa corporal, ou IMC, peso, aumento de peso, perímetro abdominal e das ancas, rácio entre cintura e ancas, perda de peso após cirurgia), concluiu que a associação é de facto evidente em 11 tipos de cancro: cólon, recto, endométrio (útero), mama, ovário, rim, pâncreas, estômago, via biliar e certos cancros do esófago e da medula óssea.

No que se refere a outras neoplasias, os investigadores classificaram os dados apresentados nos estudos como muito sugestivos, sugestivos ou com fracas provas. Assim, o destaque vai só para os casos em que a relação íntima entre o excesso de peso e cancro está claramente demonstrada. E, aqui, há mesmo alguns exemplos muito concretos sobre o peso do risco.

O estudo revela, por exemplo, que o aumento da incidência do cancro do cólon no homem é de 9%, por cada aumento de 5kg/m2 de IMC (o peso a dividir pela altura ao quadrado) e de 11% do cancro da mama na mulher, por cada aumento de cinco quilos a mais. No cancro do endométrio, o risco sobe 26% por cada aumento de 0,1 centímetros na relação cintura/anca. No caso do cancro da via biliar, o efeito é bem mais significativo: por cada dez quilos a mais, o risco é aumentado em 56%.

Do total de trabalhos científicos avaliados, os investigadores analisaram 95 estudos que se baseavam especificamente em medições contínuas de indicadores como o IMC e concluíram que 12 destes trabalhos demonstravam nitidamente a associação entre o aumento de peso e o maior risco de nove tipos de cancro. Outros estudos que recorriam a outros indicadores ligados à obesidade acabaram por aumentar a lista para 11 cancros. Apesar das suspeitas e indícios descritos numa grande parte dos artigos, os cientistas não encontraram “provas” suficientemente fortes para incluir outros cancros na lista.

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“A relação destes 11 tumores com a obesidade é significativa e é mais um motivo para insistirmos na necessidade de estilos de vida saudáveis, nomeadamente alimentares e a prática de exercício físico”, comenta Nuno Miranda, coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde, sublinhando que “em algumas neoplasias muito frequentes, como é o caso da mama e do cólon, o efeito de aumento de risco é pequeno, mas traduz-se num grande efeito populacional”.

 

Segundo refere, há vários factores que explicam esta relação perigo – desde o facto de a obesidade estar “associada a hábitos alimentares pouco saudáveis” até a alterações nas células e tecidos com excesso de gordura que facilitam o desenvolvimento e crescimento de tumores. “Esta população come habitualmente pouca fruta e verduras, tem baixo consumo de fibras e tem uma dieta rica em gorduras saturadas. Sabemos que estes factores estão relacionados com a ocorrência de cancro”, diz Nuno Miranda. Por outro lado, acrescenta, “as modificações nos tecidos, dependentes do aumento local de gordura, induzem modificações nas células, podendo contribuir para um microambiente favorável à ocorrência de cancro”. Existem também, diz, “modificações hormonais, nomeadamente aumento dos níveis de insulina, que pode funcionar como um factor de crescimento para algumas células tumorais”.

 

A relação da obesidade com o risco de cancro não é surpreendente, admite o especialista, que, no entanto, sublinha a importância deste trabalho de revisão, que “não só contribui para sedimentar o conhecimento, como reforça a necessidade de prevenção pela adopção de estilos de vida saudáveis”.

 

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Então este estudo vale como susto para as pessoas com excesso de peso ou obesas? “Esta informação é útil para todos. Mas talvez seja ainda mais importante para quem ainda não é obeso. Mais do que querermos que os obesos emagreçam, queremos que as pessoas não fiquem obesas”, responde Nuno Miranda. Assim, acredita, não vale a pena assustar a população. “As modificações de estilos de vida não se obtêm com anúncios alarmistas (que têm eficácia de curta duração), mas com modificações culturais, que são lentas e difíceis”, diz. “Temos de investir essencialmente nos jovens, nos primeiros anos de escola, se queremos vir a colher frutos daqui a algumas décadas”, acrescentou.

 

Um relatório da OCDE divulgado no final do ano passado mostra que há (ainda) muito a fazer nesta área, apresentando Portugal como um dos países com piores resultados na obesidade infantil: o valor da obesidade nas raparigas ultrapassa os 30%, enquanto o dos rapazes se situa nos 25%.

 

Os resultados do Primeiro Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico mostra que nos adultos o cenário também é mau. Cerca de dois terços das pessoas pesadas e medidas nesse inquérito, em 2015, tinham um IMC igual ou superior a 25 kg/m2, o que corresponde a excesso de peso, e 28,7% eram já obesas.

 

Um outro estudo sobre obesidade, de 2016 na revista The Lancet e que envolveu 20 milhões de adultos de 186 países, concluiu ainda que nos últimos 40 anos a obesidade entre os homens triplicou e nas mulheres mais do que duplicou.

Fonte: Público