Há equipamentos concebidos para acompanhar e ajudar um coração a bombear sangue, como o HeartMate que foi usado na cirurgia realizada esta segunda-feira no Hospital de Santa Marta, em Lisboa. Mas também já existem corações artificiais que podem substituir por completo o nosso.

 

Não. O HeartMate é, como o nome indica, um parceiro do coração, um motor auxiliar que ajuda este órgão a manter o fluxo de sangue contínuo. Esta segunda-feira foi, pela primeira vez em Portugal, implantado um dispositivo deste tipo num doente. Porém, os corações artificiais existem e noutros países já houve experiências com dispositivos que substituíram por completo o coração num doente.

 

Não. Trata-se de um campo experimental, que é sobretudo explorado em centros de investigação, noutros países. As primeiras experiências (sobretudo nos anos 70) pretendiam apenas ganhar tempo e permitir que o doente em estado muito grave conseguisse esperar por um transplante. O primeiro coração artificial a ser implantado com sucesso num humano como terapia de longo prazo chamava-se Jarvik-7 e a delicada operação remonta a 1982. Barney Bailey Clark, um dentista reformado de 61 anos, sobreviveu 112 dias com o aparelho. O segundo doente a ser submetido a esta cirurgia viveu 620 dias com um coração artificial. Alguns anos depois, a 2 de Julho de 2001, Robert Tools recebeu o primeiro coração artificial totalmente autónomo. O norte-americano morreu cinco meses depois, por causa de complicações após uma hemorragia abdominal. Estes aparelhos eram implantados no lugar do coração, substituindo-o com mais ou menos máquinas e cabos ligados a ele, e são diferentes do dispositivo HeartMate que foi agora, pela primeira vez, colocado num doente em Portugal.

 

Um coração artificial em Portugal? Ainda não, mas houve um avanço importante

 

O que é o HeartMate 3?

 

É a mais recente versão de um dispositivo de assistência ventricular esquerdo, projectado pela empresa Thoratec. Trata-se de uma bomba que é implantada no coração e que ajuda a manter um fluxo de sangue contínuo em doentes cardíacos em estado grave e que apresentam danos no lado (ventrículo) esquerdo do coração. O aparelho é implantado numa zona acima do diafragma, junto ao coração do doente e é ligado à aorta, a principal artéria que envia o sangue para todas as partes do nosso corpo. Do HeartMate, que consegue bombear até dez litros de sangue por minuto, sai também um cabo para o exterior que fica ligado a uma pequena bateria externa que quase cabe num bolso de umas calças.

 

Em que situações é usado?

 

O HeartMate 3 foi pensado para actuar num vasto leque de problemas de insuficiência cardíaca com a capacidade de restaurar a circulação sanguínea, melhorar a sobrevivência e qualidade de vida dos doentes. Foi aprovado a 8 de Outubro de 2015 na Europa para ser usado em situações de suporte de longo prazo (anos) em doentes que estão impedidos de ser candidatos a transplante cardíaco, mas também de um apoio de curto prazo para um paciente que espera pelo transplante. No caso do doente operado esta segunda-feira no Hospital de Santa Marta, o cirurgião José Fragata explicou que se tratava de um homem de um homem de 65 anos que sofria de uma doença renal grave que o impedia de receber um transplante, dado que não poderia tomar os medicamentos imunossupressores que são usados após os transplantes para minimizar os riscos de rejeição do órgão.

 

Quais são as vantagens e os riscos deste dispositivo?

 

Os ensaios clínicos ao HeartMate 3 são recentes e envolvem ainda poucos doentes. No entanto, os resultados obtidos num estudo financiado pela empresa que produz este equipamento indicam que os 98 % dos doentes têm uma taxa de sobrevivência de 30 dias, 92% de seis meses, 80% de um ano. O estudo com 50 doentes de nove países revelou ainda que em 83% dos doentes foi observada uma redução dos sintomas de insuficiência cardíaca. A evolução no desenho e funcionamento destes dispositivos tem permitido aumentar cada vez mais a taxa de sobrevivência dos doentes, bem como a sua qualidade de vida.

 

Porém, um complexo procedimento como este acarreta riscos. Um dos maiores riscos é a possibilidade de o sangue coagular quando passa nas superfícies internas do aparelho. Por isso, os doentes que são submetidos a esta operação têm de tomar medicamentos anticoagulantes para evitar tromboses e outras complicações. As infecções, na zona do cabo ligado ao aparelho que sai do corpo até à bateria que está no exterior, também são um risco. Os investigadores já estão a tentar desenvolver novas versões destes dispositivos de assistência ventricular que não precisem de estar ligados a uma bateria. Espera-se ainda que o progresso consiga fazer descer o elevado custo desta solução que, actualmente, ultrapassa os 100 mil euros por dispositivo

 

ANDREA CUNHA FREITAS

 

Fonte: Público