Em 2011, foram diagnosticados 2563 novos casos de tumores malignos do cólon e registadas 1335 mortes na região Sul. Dados do registo oncológico regional são apresentados esta quinta-feira.
Romana Borja-Santos
Chama-se dieta mediterrânica e tem como base o consumo abundante de frutas e legumes, mas também de peixe e gorduras como o azeite. Foi durante muito tempo o tipo de alimentação mais comum entre os portugueses. Mas perto dos anos 1980 começou a ser trocada por outros hábitos menos benéficos para a saúde. Este afastamento – cimentado ao longo de vários anos – está a ter agora reflexo nas doenças oncológicas, concretamente no aumento de casos de cancro do cólon entre os portugueses. “Os tumores do cólon e do recto neste momento ultrapassam os casos de cancro do pulmão no país”, alerta a directora do Registo Oncológico Regional Sul (ROR-Sul), Ana Miranda.
Os dados do ROR-Sul vão ser apresentados nesta quinta-feira, em Lisboa, numas jornadas que juntam vários especialistas em oncologia e epidemiologistas dedicados ao registo de dados sobre o cancro. Ana Miranda, numa antecipação das conclusões ao PÚBLICO, salientou que os dados, relativos a 2011, confirmam a tendência que já vinha a receber a atenção dos profissionais de saúde. O próprio relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, publicado há um ano, já indicava que Portugal está no pior quartil da Europa em termos de cancro colo-rectal e defendia a importância de se reduzirem as assimetrias no rastreio a esta doença nas várias regiões do país.
“Um registo oncológico sem os dados dos doentes não serve para nada”
Em Portugal há três registos oncológicos regionais: o do Norte, o do Centro e o do Sul. O ROR-Sul cobre praticamente metade da população portuguesa, com um total de quase cinco milhões de habitantes, contando ainda com a Madeira. Entre esta população, em 2011 foram diagnosticados 2563 novos casos de tumores malignos do cólon e outros 1201 do recto. Foram registadas, no mesmo ano, 1335 mortes por cancro do cólon e 523 por cancro do recto. Apesar disso, os cancros da traqueia, brônquios e pulmão ainda são os que mais matam, com 1797 mortes. O cancro da mama, apesar de ser o mais comum, com 3420 novos doentes, surge apenas em quinto lugar na lista dos que mais matam.
Concretamente sobre o cólon, Ana Miranda, também médica do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, atribui muitos dos novos casos aos hábitos alimentares levados a cabo nas últimas décadas, mas ressalva que o valor também tem aumentado por “estarmos a fazer um melhor diagnóstico e por efeitos do rastreio”. Como exemplo que foi em sentido contrário, destaca a quebra no número de casos de cancro do estômago com a “democratização do frigorífico”, que permitiu reduzir os produtos “conservados pela salga e pelo fumeiro”.
Em relação à dieta mediterrânica, a especialista reforçou que as mudanças nos comportamentos das populações levam, por vezes, muitos anos até terem um impacto reconhecido na saúde. Ainda assim, acredita que a aposta que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) está a fazer na dieta mediterrânica, elevada a património da humanidade pela Unesco em 2013, pode ser crucial para reverter esta tendência. Mas vai demorar.
Mais cancros, menos mortalidade
Num retrato mais global, Ana Miranda refere que a incidência de casos de cancro em Portugal está a aumentar, mesmo quando os investigadores utilizam os chamados “dados padronizados”, em que se retira o efeito de envelhecimento da população, já que com o aumento da idade disparam os tumores. Mas nem tudo são más notícias. A médica destaca alguns dos resultados positivos encontrados na sobrevivência dos doentes, que considera ser uma das melhores formas de avaliar “o impacto da actuação dos serviços de saúde” e perceber se “o diagnóstico foi atempado e qual o impacto da terapêutica” dada aos doentes.
Quanto a dados nacionais mais gerais, o último relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, publicado há um ano e referente a 2014, indicava que, nesse ano, a mortalidade relacionada com o cancro tinha descido ligeiramente em Portugal. O cancro do pulmão continuava a ser o mais mortal no país, mas os responsáveis da DGS manifestavam-se sobretudo preocupados com as tendências precisamente no cancro do cólon e do recto.
O relatório da DGS destacava também que, mesmo com a redução da mortalidade, ainda existiam vários tumores a contribuírem para um elevado número de anos potenciais de vida perdidos – um indicador que estima quantos anos é que a pessoa poderia ter vivido se não tivesse tido um diagnóstico de cancro.
Cancro da mama: 90% de sobreviventes
Agora para o ROR-Sul, Ana Miranda comparou o número de sobreviventes três anos após o diagnóstico dos vários cancros em 2011 com os dados de 2000. Em pouco mais de dez anos há mudanças significativas. Nos casos da mama, a sobrevivência não aumentou muito “porque a base de partida já era muito boa”. Chega-se agora praticamente aos 90% de sobreviventes ao fim de três anos de diagnóstico. No caso dos tumores do cólon, existem agora mais casos mas a sobrevivência dos doentes melhorou. Nas faixas até aos 55 anos, o valor passou de 68% para 79% nos homens, onde os valores eram piores. No pulmão os valores subiram de 19% para 30%.
década, não é uma revolução mas um caminho que se tem vindo a fazer e que tem muita relação com o estadio dos diagnósticos que fazemos, cada vez mais precoces”, insiste Ana Miranda. Se estes dados não representam propriamente uma reviravolta mas um caminho, a expectativa da especialista é que os relatórios que venham a avaliar o presente – ou seja, os anos de 2016 para a frente – já tenham “um grande salto e resultados muito animadores”.
“Têm estado a chegar ao mercado tratamentos inovadores com resultados surpreendentes. Saíram novas moléculas de imunoterapia com grandes resultados e estou convencida que em 2020 vamos notar uma grande melhoria”, diz a directora do ROR-Sul. Ana Miranda reconhece que “uma coisa é o ensaio clínico, outra coisa é a vida real”, mas admite que a expectativa é grande. Sobre o preço destes tratamentos e a capacidade do Serviço Nacional de Saúde para os pagar, reconhece que é preciso prudência na análise do que traz reais benefícios para os doentes, mas lembra que os tratamentos tradicionais muitas vezes arrastam-se vários anos e acabam por também ser onerosos.
Por isso, insiste que é “fundamental medir os resultados” para classificar o que é feito com rigor. A questão da falta de avaliação do trabalho que é feito em Portugal já tinha sido levantada, em Dezembro, num estudo da Escola Nacional de Saúde Pública que deixava um alerta: os actuais dados recolhidos e centralizados não permitem avaliar “com seriedade” o que se faz.
Fonte: Público