Estudo divulgado esta semana analisou 89 suicídios nas forças de segurança entre 2007 e 2015. Dados do INE para o mesmo período revelam a dimensão do flagelo a nível nacional. Reclusos e idosos são outras prioridades, diz diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental
Nos últimos nove anos, o suicídio foi a causa de morte de 9645 pessoas em Portugal. Resultados de um estudo sobre a prevenção do suicídio e outros comportamentos autolesivos nas forças de segurança revelaram, esta semana, que entre 2007 e 2015 foram registados 89 suicídios entre agentes da GNR e PSP. Analisando os dados globais para o mesmo período temporal, os dados do Instituto Nacional de Estatística revelam um flagelo de muito maior dimensão. Qual é a estratégia?
Álvaro Carvalho, diretor do Programa Nacional de Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde, sublinha que, para já, este estudo feito junto das forças de segurança traz resultados importantes para a prevenção. Embora representem 1% dos suicídios a nível nacional neste período, entre os agentes de segurança – um universo de 40 mil pessoas – estima-se que a prevalência do suicídio seja o dobro da verificada na população em geral. E atuar junto dos grupos com maiores vulnerabilidades, criando uma cultura de prevenção e deteção de sintomas entre pares, é uma das estratégias centrais do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio em vigor no país, sublinha o responsável.
Os dados do INE mostram que o suicídio se tem mantido relativamente estável, na ordem dos mil casos anuais. Foi atingido um pico em 2014, com 1223 óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente, o que fez aumentar a taxa de mortalidade por esta causa no país para 11,8 casos por 100 mil habitantes. Em 2015, os últimos dados disponíveis e divulgados pelo INE na semana passada, o número de suicídios baixou para os 1132 casos, um número ainda assim superior ao que se registava antes da crise económica.
Nestes nove anos, o suicídio tirou a vida a 7398 homens e 2247 mulheres. As estatísticas do INE revelam que é a população de meia-idade e mais velha que está em maior risco. O número de mortes aumenta de forma expressiva a partir dos 40 anos de idade. Entre os 30 e os 40 anos registaram-se 973 casos de suicídio neste período e, entre os 40 e os 49 anos, 1518 mortes; entre os 50 e os 59 anos houve 2369 casos; entre os 60 e os 69 anos registaram-se 1507 casos; entre os 70 e os 79 anos, 1814 casos; e acima dos 80 anos de idade houve 1497 vítimas de suicídio, das quais 651 tinham mais de 85 anos de idade. Já entre os mais jovens registaram-se 106 mortes por suicídio até aos 19 anos de idade e 497 casos entre os 20 e os 29 anos.
Reforçar investigação
Álvaro Carvalho defende que o ideal seria poder avançar com autópsias psicológicas no país para perceber exatamente o contexto das pessoas que cometem suicídio, tal como foi feito no estudo junto das forças de segurança, conduzido pelo psiquiatra Jorge Costa Santos. “Não temos tido meios suficientes nem na medicina legal nem na saúde mental”, reconhece Álvaro Carvalho. “Mesmo que não fossem feitas autópsias a nível nacional, seria importante haver meios para poder desencadear esses processos por amostragem e nas zonas de maior incidência, como o Alentejo litoral”, sublinha o responsável.
Álvaro Carvalho defende que, independentemente do avanço da autópsia psicológica como está previsto no Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, seria importante uma “maior profissionalização da investigação dos suicídios por parte das forças de segurança”, dando como exemplo situações de acidentes rodoviárias em que é detetada a presença de drogas nos condutores, mas não é avaliada a hipótese de intencionalidade.
No que diz respeito a grupos de risco, além das forças de segurança, Álvaro Carvalho sublinha que há trabalho a fazer no meio prisional e também junto dos idosos. Atualmente, GNR e PSP têm programas de sinalização de idosos isolados, mas o objetivo, sublinha o responsável, é que em parceria com serviços de saúde, autarquias e agentes de segurança sejam criados planos de intervenção individual junto das pessoas mais vulneráveis que deem recursos em várias dimensões. “Pode ser dar resposta à necessidade de ter alguém com quem conversar ou ajuda para fazer compras”, exemplifica o especialista. Entre os idosos, a solidão e a existência de doença incapacitante são fatores de risco para o suicídio, que em 90% dos casos está ligado a um quadro de depressão.
Ao longo deste período de nove anos, o suicídio tornou-se a principal causa de mortalidade que não doença no país. Foram progressivamente diminuindo as vítimas mortais de acidentes na estrada e, em 2011, o número de mortes por suicídio foi, pela primeira vez, superior ao balanço da sinistralidade rodoviária. Em 2015, os acidentes de transporte provocaram 810 mortes no país e as lesões autoprovocadas intencionalmente tiraram a vida a 1132 pessoas.
Álvaro Carvalho defende que esta tendência resultará mais do efeito da crise económica do que do impacto das estratégias de prevenção. “Está descrito na literatura que, em períodos de crise, diminui a sinistralidade rodoviária e aumenta o suicídio.” Em Portugal, um dos fatores de preocupação nos últimos anos foi um aumento da taxa de mortalidade por suicídio numa população mais jovem.
Fonte: Sol