No recente Congresso Internacional de Atividade Física e Saúde Pública foi aprovada em plenário a Declaração de Banguecoque Sobre a Atividade Física para a Saúde Global e Desenvolvimento Sustentável.
Trata-se de um documento marcante na área da atividade física e saúde, por várias razões. Reforça a necessidade, e serve de guia orientador para uma clara definição de políticas públicas nesta área, em todo o mundo. Mostra que investir na promoção da atividade física é contribuir para a melhoria da saúde da população, mas é também proteger o ambiente, construir cidades mais sustentáveis, e apostar numa sociedade mais justa e com maior literacia. E reconhece que as políticas envolvendo a atividade física devem ser abrangentes a toda a esfera social, com estratégias de promoção coordenadas, integradas e intersetoriais.
A atividade física promove-se desde cedo na vida, na educação pré-escolar e nas escolas do ensino básico e secundário, nomeadamente através da disciplina de Educação Física e do projeto Desporto Escolar. Enquanto ambos carecem de atenção e investimento continuados, o Desporto Escolar parece precisar de uma avaliação especialmente atenta para fazer vingar o seu grande potencial. Ao mesmo tempo, precisamos de "escolas (mais) ativas" no seu todo. Por exemplo, com recreios que permitam e estimulem a brincadeira ativa das crianças; com currículos escolares (ciências, biologia, psicologia, geografia) onde os temas da alimentação e atividade física sejam regularmente abordados; e através de uma redução do uso do carro nos percursos para/da escola, em condições de segurança. Ou seja, é unanimemente recomendada uma aproximação à atividade física na escola de natureza integrada (whole-of-school approach). Paralelamente, é importante reconhecer as comunidades educativas e os diretores das escolas que são já um exemplo nesta matéria.
A atividade física promove-se também no trabalho, através do combate ao excessivo “sedentarismo de secretária”. Por exemplo, com incentivos a pausas ativas (cinco minutos a cada hora); com o uso de secretárias de altura regulável que permitem trabalhar em pé ou sentado; com a generalização de reuniões em pé ou em movimento (são correntes os walking meetings em Silicon Valley!); com auditórios e salas de reuniões com lugares propositadamente concebidos para se estar em pé; e com a adopção de formas de mobilidade entre casa e trabalho não exclusivamente motorizadas – o chamado "transporte ativo", com uso parcial ou total da marcha e bicicleta. As novas bicicletas elétricas prometem, aliás, uma revolução nesta matéria.
Reduzir a inatividade física passa obviamente também pela promoção da prática do desporto formal e pelo envolvimento dos seus agentes. Em particular na adolescência, o desporto, servido por dirigentes sérios e treinadores competentes, é uma escola única de desenvolvimento humano. De aptidão e literacia físicas, de capacidade para autorregular a saúde, mas também de valores e de competências sociais; estes são benefícios inestimáveis e que ficam para a vida. É também importante reforçar a ligação entre os campeões do desporto competitivo – por exemplo, do futebol e os seus agentes, considerando o seu enorme impacto mediático – e o desígnio de promover a saúde dos milhares de cidadãos que avidamente acompanham o desporto, muitos em idade formativa. Felizmente há boas exemplos mas seria positivo haver um ainda maior (ou mais visível) envolvimento daqueles que mais recebem da sociedade em carinho e reconhecimento. Retribuir é também uma forma de ser vencedor.
A promoção de um país fisicamente mais ativo e saudável passa por várias outras áreas e setores. Na investigação científica, as Ciências do Desporto perderam autonomia no seio das áreas científicas consideradas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, um rude golpe na sua capacidade de financiamento e produção científica original. A contrapasso do que acontece internacionalmente, aguarda-se ainda o primeiro congresso científico sobre Desporto, Atividade Física e Saúde com verdadeira projeção nacional. Igualmente, não é conhecido investimento público numa campanha com forte presença nos media dedicada a promover a atividade física (não faltam exemplos noutros países). A nível profissional, o Técnico de Exercício Físico e o Fisiologista do Exercício não ganharam ainda o espaço e o reconhecimento que a sociedade lhes exige: avaliar a aptidão física, bem como prescrever e acompanhar exercício físico (por exemplo, em pessoas com uma doença, ou em portadores de deficiência) requer conhecimentos e competências diferenciados, que felizmente já são ensinados em várias universidades portuguesas. Falta agora a organização e a afirmação sócio-profissional correspondentes, à semelhança de áreas como a nutrição e a psicologia.
Há também que considerar o papel dos ginásios e academias de fitness. Prestam um serviço essencial e de crescente procura pelos cidadãos. Mas têm desafios próprios, tais como conjugar a sua legítima vocação comercial com a filtragem de influências duvidosas (como a da indústria dos suplementos); garantir o melhor e mais bem qualificado enquadramento técnico a todos os seus clientes, mantendo a sua capacidade de escolha entre os serviços disponíveis; e contrariar normas sociais negativas como a idealização da magreza excessiva na mulher ou o crescente culto do físico pelo físico. Comprovadamente, falhas em qualquer destes aspetos tenderá a afastar as pessoas de uma prática de exercício físico salutar e mantida ao longo do tempo.
Num plano bem diferente, o das iniciativas locais e comunitárias, é mais que devido o apoio, reconhecimento e uma mais eficaz disseminação das muitas dezenas de programas de promoção de atividade física que existem por todo o país. Nomeadamente os programas dirigidos a idosos, pessoas com doenças crónico-degenerativas, pessoas portadoras de deficiência, e projetos que promovem o uso da bicicleta no dia-a-dia. Muitas vezes em zonas desfavorecidas do interior ou fora das grandes cidades, são iniciativas quase sempre fruto da ação de dirigentes autárquicos, técnicos de saúde ou desportivos particularmente esclarecidos. Nesta como em outras áreas, é decisivo identificar e valorizar as ‘boas práticas’, que podem servir de exemplo para iniciativas futuras. Só assim haverá impacto na população como um todo.
Por último, é necessário falar do setor da saúde e do Sistema Nacional de Saúde. Segundo todas as recomendações internacionais e da Organização Mundial da Saúde (OMS), deve caminhar-se em duas direções simultaneamente. Por um lado investir na formação de médicos e outros profissionais de saúde, com disciplinas obrigatórias na área da atividade física e saúde (nota: há já um exemplo pioneiro na Universidade da Beira Interior). Por outro lado, incentivar os médicos de família a avaliarem o nível de atividade física de todos os seus utentes – tal como avaliam se estes fumam e qual o seu índice de massa corporal – e também a fazerem um breve aconselhamento e indicarem recursos físicos, programas locais, e quais os melhores profissionais de exercício para o respetivo acompanhamento. Na Direção-Geral da Saúde estão atualmente a ser dados passos neste caminho.
No vasto cenário descrito, iniciativas setoriais isoladas não vão fazer a diferença, por mais bem intencionadas e até bem sucedidas que sejam. A Estratégia Europeia da OMS para a Atividade Física cita como objetivo prioritário, em todos os países, o estabelecimento de mecanismos de coordenação e o estabelecimento de alianças entre sectores, uma importante condição para programas sustentados. Alianças na esfera pública, mas também no sector privado (p.ex., seguradoras) e em muitas outras instituições e movimentos, como o olímpico e o federativo. No sector público, os mandatos já existem e não podiam ser mais explícitos. No Desporto, o Programa Nacional de Desporto para Todos (2016) tem como um objetivo a criação de uma “plataforma multissectorial” que congregue parceiros, programas e iniciativas tidas como boas práticas. Na Saúde, a Estratégia Nacional para a Promoção da Atividade Física, Saúde e Bem-Estar (2016) afirma que “promover compromissos intersetoriais e intervenções multidisciplinares” é um dos seus cinco eixos estratégicos. Na Educação, o Programa de Apoio à Promoção e Educação para a Saúde (2014) e o Programa Nacional de Saúde Escolar (2015), que têm a atividade física como um elemento central, fazem da “criação de parcerias” um alvo prioritário, criticando e procurando ultrapassar práticas “pontuais e espartilhadas”.
Voltando à Declaração de Banguecoque, esta aponta como objetivos fundamentais para todos os países o “estabelecimento de plataformas nacionais de envolvimento e coordenação multissectorial”, associados a “planos de ação” com metas bem definidas. De facto, uma eficaz concertação estratégica e programática é urgente nesta área e é nela que nos devemos concentrar, antes de qualquer outra iniciativa. Trata-se do denominador comum. O numerador será, apropriadamente, garantir um nível de financiamento adequado e bem gerido. Na essência, a equação da promoção da atividade física não é complicada. Quanto à responsabilidade, cabe a todos nós, os citados em cima.
Pedro Teixeira
Director do Programa Nacional para a Promoção da Actividade Física da Direcção-Geral da Saúde e professor catedrático de Actividade Física e Saúde da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa
Fonte: Público