Após o nosso primeiro artigo, mais teórico e direccionado para os factos de especialidade de Medicina Geral e Familiar, achamos adequado descrever um caso clínico prático que ilustra bem o papel abrangente do Médico de Família e das equipas de saúde em Cuidados de Saúde Primários.
Há alguns anos atrás, uma jovem de 13 anos entra no consultório e tem nos seus braços um bebé, para o qual é destinada a consulta. O médico supõe que trata-se de irmã, com certeza… Dá então início à consulta contudo, para seu espanto, esta jovem é na realidade a mãe! Nunca a tinha visto em consultas de seguimento da gravidez.
Depois de observar o recém-nascido, a relação mãe-filho, o médico procura fazer as recomendações adequadas. Concentra-se nesta tão jovem mãe, de ar cansado e triste. Procura compreender melhor o contexto em que vive, assim como o apoio familiar, social e económico que terá. A jovem esconde o rosto com vergonha, pois não se sente bem com o seu aspecto. A gravidez acentuou as cáries que tinha, pelo que é efectuada referenciação para a Consulta de Saúde Oral.
Para verificar se está a recuperar bem e prevenir futuras gravidezes não planeadas (métodos contraceptivos), o médico agenda um dia para a consulta de revisão pós-parto (puerpério).
Saem do consultório mas na realidade a consulta não terminou...
Rapidamente o médico contacta a equipa de enfermagem e procura obter mais informações, de modo a ajudar da melhor forma.
Na semana seguinte visita a jovem na sua casa, numa consulta de visita ao domicílio, juntamente com a enfermeira e a assistente social. Verifica que a zona de dormir não oferece qualquer privacidade. Avós, pais e irmãos dormiam apenas separados por uma cortina.
A matriarca era a única cara conhecida, a sua diabetes e tensão arterial elevada levavam-na frequentemente à consulta no Centro de Saúde. Era seguida também pela psicóloga e nutricionista do Centro de Saúde, de quem gostava muito. Cozinhava num pequeno fogão exterior e a casa de banho era um espaço fora do edifício principal. Estava claramente preocupada com a sua neta e recém bisneto. Os seus olhos lacrimejantes e voz trémula denunciavam a tristeza e falta de condições sem que viviam.
Os restantes elementos da família foram convidados a vir ao Centro de Saúde para serem acompanhados em consulta de rotina, fazer o despiste de problemas de saúde, rastreios, actualização das vacinas (plano nacional de vacinação) e tratamento de eventuais doenças diagnosticadas. Um deles, grande fumador e “amigo de beber” (alcoolismo crónico), estava motivado para abandonar estes maus hábitos. Foi orientado para a consulta de Cessação Tabágica e para a consulta de Alcoolismo do Centro de Saúde.
Simultaneamente a equipa de enfermagem e assistente social continuaram a acompanhar esta família, estabelecendo contactos com a Segurança Social e Junta de Freguesia, de modo a oferecer melhores condições de habitação a este agregado.
Mais uma vez, reforçamos a importância da vigilância e do trabalho em equipas multidisciplinares, como aspecto fundamental do seguimento dos indivíduos e das suas famílias ao longo do tempo. A adesão e cumprimento do plano terapêutico acordado por parte do indivíduo ao qual prestamos cuidados é essencial para o sucesso de todo o processo de tratamento…na presença de dificuldades existe toda uma equipa que, dentro das suas próprias limitações quanto a recursos e tempo, encontra-se disponível para esclarecer dúvidas e prestar apoio conforme as necessidades e solicitações.
Delegação Regional da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
Fonte: Jornal da Madeira