“Ainda há famílias de pessoas infectadas com o VIH a perguntar se devem separar roupas e louças. Se podem dar abraços!” O desabafo de Elisabete Gouveia serve de exemplo da falta de informação que persiste.
A assistente social, voluntária na delegação regional da Associação Abraço, não compreende. Garante que a informação está disponível, que só não sabe quem não quer. Mesmo assim, ainda enfrente dúvidas básicas que demonstram muita ignorância até de pessoas com formação.
Situações destas levam a técnica a notar que algo está a falhar. Admite que seja a prevenção, ou talvez a forma como a sociedade encara um drama que foi perdendo força mediática à medida que a ciência foi encontrando formas de tratamento. Também pode ser pelo preconceito, que continua a existir. A vergonha em falar do caso, o medo de ser reconhecido por estar associado a uma doença que não inspira tanta compaixão como o cancro, por exemplo.
“Ainda há muito preconceito e muito desconhecimento”, acrescenta. Admite que por vezes é preciso acompanhar pessoas fora do espaço normal da Abraço. Há atendimentos feitos em locais públicos para evitar a pessoas infectadas o transtorno de serem vistas a entrar na instituição. Essa atitude, explica, mostra o receio da exposição, o medo do julgamento da sociedade que acha que a SIDA apenas chega aos outros. “Isso ainda acontece e as pessoas sentem”, lamenta.
Carolina Dionísio acompanha o raciocínio e lembra que os casos de SIDA ainda são muito associados a comportamentos promíscuos. E a sociedade tolera-os pouco. A psicóloga também colabora com a Abraço, especialmente no projecto dedicado às crianças. E também nota que este tema continua a ser um tabu.
As duas técnicas concordam que é preciso apostar na prevenção, rever conceitos, aprofundar o trabalho junto das famílias. A assistente social explica que além das políticas preventivas e informativas, é preciso contar com a consciencialização das pessoas. Reconhece que nos anos 90 o tema era muito mais mediático, que a doença ainda não tem cura mas já tem tratamento, embora extremamente caro. Defende uma mudança de mentalidades sobretudo para que a sociedade perceba que não há um grupo de risco, como muitos pensam, mas sim comportamentos de risco que podem atingir qualquer cidadão. A ideia de que a doença só chega aos outros, os homossexuais, os toxicodependentes e os que vivem na prostituição “está completamente ultrapassada”. Por isso insiste que “a prevenção deve ser repensada”, que é preciso dar mais importância ao uso do preservativo por causa das doenças sexualmente transmissíveis. “Qualquer pessoa pode ter, num determinado momento da sua vida, comportamentos de risco”, alerta a técnica.
Os afectos constituem outro pilar importante. Elisabete Gouveia nota que pessoas fragilizadas nesse campo estão mais vulneráveis e sublinha a importância de comportamentos responsáveis, das relações sexuais protegidas, do preservativo, mais do que a simples confiança. “Uma noite chega para ser infectado”, adverte a assistente social.
Elisabete Gouveia observa que esta problemática quase só é motivo de preocupação por esta altura, porque hoje é Dia Mundial Contra a Sida. Na Abraço, no Funchal, todos os dias são contra a sida. A unidade acolhe diariamente dezenas de pessoas de várias idades e procura ser um espaço de acompanhamento o mais familiar possível. A instituição tem sede na Rua Bela de São Tiago onde o edifício foi adaptado para ser praticamente um centro de dia com acompanhamento técnico. Há utentes que fazem lá a toma de medicamentos, que tomam o pequeno-almoço e almoço e levam cabazes de alimentos para uma ou duas semanas. Há espaço para os mais novos, nomeadamente uma sala de informática, uma sala para estudos, uma pequena biblioteca e um espaço lúdico. E há salas destinadas ao armazenamento de comida e roupas que recolhidas pela Abraço e entregues ao longo do ano. A ideia, explica Elisabete Gouveia, é que as pessoas se sintam como em casa, que tenham alguns mimos e sejam acompanhadas e valorizadas.
É difícil falar às crianças de uma doença como a SIDA, assume Carolina Dionísio. A psicóloga dá apoio à Abraço, particularmente no projecto Abc – Ser Criança, o único especificamente a trabalhar com crianças infectadas e afectadas.
São cerca de 80 as crianças nessas condições, sendo que as afectadas serão familiares de pessoas infectadas. “São filhos, netos, sobrinhos” que são acolhidos num projecto com intervenções psicossocioeducativas, que prevê acompanhamento a vários níveis. Dos 80, 12 contam com um acompanhamento diário.
Carolina Dionísio reconhece que a doença é um tema tabu para as crianças. Preferem não falar muito disso com os técnicos, embora muitos estejam informados ou procurem informar-se sobre a doença que os atingiu ou chegou a familiares directos com quem vivem. Fruto de alguma investigação que desenvolvem ou do que ouvem, alguns arriscam perguntar se o familiar infectado vai morrer, o que implica uma abordagem mais profunda e cuidada ao tema.
“É um assunto complicado. Têm medo da discriminação, que ainda existe”, acrescenta a técnica.
24 anos é a idade do utente mais jovem
72 anos é a idade do utente mais velho
11elementos compõem a equipa na Madeira
50 utentes frequentam aquele espaço diariamente
220 pessoas são apoiadas pela associação na Madeira
82 crianças e jovens são acompanhados pela delegação regional. O número inclui os infectados e os afectados
Fonte: Diário de Notícias