Em 531 pessoas que doaram sangue pela primeira vez, no ano passado, 291 eram mulheres. De modo geral, os números de dadores mantiveram-se ao longo dos anos, fazendo com que a Região seja autos suficiente a nível de cuidados com sangue. Ainda que os números estejam a aumentar, os dadores do género feminino na Madeira dão menos sangue do que os do sexo oposto
Quem motivou Márcia Lemos a dar sangue foi o irmão, um voluntário que há muitos anos abdicava de cerca de 15 minutos do seu dia para doar parte de si. A primeira vez que aquela professora doou sangue foi após o 20 de fevereiro, num momento em que sentiu que devia ajudar de alguma forma as vítimas.
«Na altura do temporal começámos a pensar o que se pode fazer para ajudar e, tal como o meu irmão mais velho já faz há muitos anos, eu decidi coincidir a minha dádiva coma dele», disse.
O desafio foi aceite, até porque explica esta professora, «não há muita gente a ajudar desta forma» especialmente porque este é um esforço físico em forma de apoio humano. A dádiva correu bem e até hoje Márcia, sem qualquer pudor de agulhas, dá sangue três vezes por ano (em seis anos deu 15vezes). Atualmente na sua família (três sobrinhas, um sobrinho, o irmão e a própria) são já seis os dadores de sangue que tentam fazer a dádiva ao mesmo tempo.
Facto é que as mulheres estão a interessar-se mais pela doação de sangue na Madeira. De acordo com os registos existentes no Hospital Dr. Nélio Mendonça, relacionados comas primeiras vezes de doação de sangue, em 2015, cerca de10% das colheitas foram feitas por dadores que se estreavam nestas dádivas. Desse registo,54% eram pessoas de género feminino, ou seja, num total de 531 pessoas a doarem sangue pela primeira vez no ano passado, 291 foram de mulheres.
Por sua vez, o número de mulheres que doam sangue aumentou em 2015. Atualmente são cerca de 20% as que dão sangue na Região, quando em tempos rondava os 11%
Ao contrário do que aconteceu com Márcia, uma das justificações para este aumento está nas campanhas de sensibilização para a doação e sangue, como explica o diretor do Serviço de Sangue do Hospital Central do Funchal, Bruno Freitas. A Associação de Dadores de Sangue da Região Autónoma da Madeira (ADSRAM) tem trabalhado para «rejuvenescer» os dadores todos os anos. «Significa que a mensagem passou e conseguimos mais dadoras e rejuvenescemos os voluntários», disse, visto que grande parte dos novos dadores eram também jovens.
QUESTÃO CULTURAL
Ainda que os números estejam a melhorar, as pessoas de género feminino na Madeira ainda dão menos sangue do que os do sexo oposto.
Márcia Lemos acredita que esta é uma «questão cultural», de maneira que as mulheres podem sentir que ao já dar sangue naturalmente (através da menstruação), a quantidade da dádiva voluntária pode fazer falta. «Mas o nosso corpo acaba por produzir o suficiente. Não é por aquilo que nós damos que deixamos de ter uma vida saudável», opina a professora, acrescentando que sobretudo quem já foi mãe não devia ter medo de dar sangue. «As mulheres que já tiveram experiências com agulhas e o soro fisiológico devem saber que se isso não impressionou na altura, não é com o dar sangue que vai afetar», justifica. Curiosamente, do círculo de amigos de Márcia Lemos são sobretudo as mulheres que dão mais sangue.
A nível nacional os dados são mais equivalentes, como evidencia Bruno Freitas, de maneira que os dadores de sangue de sexo masculino e de feminino registam valores similares, à volta dos 48/50%.
CRISE NÃO IMPEDIU DOAÇÕES
O desemprego e a migração laboral, duas conhecidas consequências da crise (2005), dos jovens e adultos (as faixas etárias que dão mais sangue) não mexeram nos números de doadores.
O diretor do Serviço de Sangue indica que, apesar destas condições, ao longo dos anos, o número das doações manteve-se pois muitos dos voluntários são bons dadores, com ousem emprego.
«Isso tem vindo a melhora cada vez mais, digo isto porque de facto nós tivemos a crise desde 2005/2007 e o desemprego e a imigração aumentaram. Da mesma maneira, continua-mos a ter o mesmo número de colheitas ao longo destes anos e digamos que são bons dadores», disse.
Por ano, o Serviço de Sanguedo Hospital Central tem cerca de 3.000 dadores por ano (mais precisamente 2.939 pessoas),fazendo com que a quantidade existente seja suficiente para os doentes na Região. «Eu digo cerca 3.000 porque há dadores que vêm só uma vez por ano e outros que dão três ou quatro vezes», disse.
O maior número de dadores de sangue na Região encontra-se idades entre os 25 e 45 anos, registando 1.500 pessoas em 2015.
De seguida, os que mais deram foram entre os 45 e 65 anos, cerca de 1.115 dadores. Os valores mais baixos a nível de doações, mas que indiciam um aumento, estão entre os18 e 24 anos, cerca de 216 jovens
No sistema da Madeira um dador tem direito a dois dias de descanso
Há voluntários a dispensar folgas
Um dador de sangue na Madeira tem direito a dois dias de folga desde 2000. Um direito, como descrito no decreto legislativo regional de 29 de dezembro, que considera a medida uma forma de «compensação e incentivo à dádiva».
Ainda assim, os dois voluntários, Márcia Lemos e José Eduardo, ambos pessoas com quem o JM conversou, admitem não precisar do sistema de folgas, pois não precisam delas nas suas profissões.
José Eduardo trabalha sobretudo no turno da tarde e aproveita fazer a doação de manhã. O esforço que dispõe após dar o sangue não é muito grande e, por isso, não precisa de tirar os dias. Contudo, em tempos viu-se obrigado a fazê-lo, isto porque este dador já salvou vidas enquanto bombeiro. Na altura, tirava sempre os dias porque não sabia o esforço que ia ser necessário para o turno que ia fazer. Nesse sentido, esclarece que convinha «trocar com alguém e programar as escalas», em especial para não prejudicar o braço que tinha feito a dádiva.
«Eu acho que os verdadeiros dadores de sangue não se preocupam em tirar dias de descanso sem necessitarem. Hoje para eles e amanhã poderá ser para mim» disse, lamentando que existam muitos casos de pessoas que dão sangue por causa dos dias.
Já a professora Márcia Lemos nunca usufruiu de uma hora de folga. «Vou sempre dar sangue numa hora que não coincida com o meu horário laboral. Se for o caso de ter o meu horário letivo à tarde vou dar sangue de manhã e à tarde não deixo de dar aulas», disse, explicando que na sua profissão não sente que o desgaste físico seja o suficiente para tirar os dois dias. Além disso, esta docente acredita que dar sangue não deve ser feito com o objetivo de ter essa “recompensa”.
GESTO SOLIDÁRIO É MAIS VISÍVEL
O vice-presidente da Associação de Dadores de Sangue da RAM, José Marques, reconhece que tem sido cada vez mais visível conhecer voluntários disponíveis para fazerem a doação de sangue, sem pedirem os dois dias de folga a que têm direito.
Relativamente à legislação nacional, o mesmo não acontece. Segundo o estatuto do dador de sangue, descrito num artigo publicado em agosto em Diário de República, o voluntário tem autorização para se ausentar da sua atividade profissional «pelo tempo necessário à dádiva de sangue» e apenas o médico pode determinar, em cada dádiva, o alargamento do período até à retoma da atividade normal, «quando a situação clínica assim o exija»
Ação voluntária não pode arriscar vidas
Existem condições para doar sangue
As pessoas que não podem doar sangue são aquelas que de alguma forma podem pôr em risco o dador em si ou o receptor da dádiva. A decisão de doar ou não sangue é tida na consulta de enfermagem com uma pessoa da área, antes da doação.
No caso do risco do receptor existem alguns casos, como o de quem faça uma tatuagem. A doação de sangue apenas pode ser feita apenas um ano depois, devido à possibilidade da pessoa ter contraído algum vírus durante o processo da mesma e, ao ser doado sangue, poder ser transmitido ao paciente no momento da transfusão do sangue.
Para segurança do receptor não pode doar sangue também quem tem ou teve um teste positivo para HIV. O mesmo acontece com as pessoas que sofrem de chagas.
Relativamente à segurança do dador de sangue, é necessário que este tenha entre 16 e 60 anos, sendo a última o imite superior para a primeira doação. Quem tem 61 anos ou mais e nunca doou está inapto. A nível físico as pessoas que têm menos de 50 quilos não podem também dar sangue.
Por sua vez, uma pessoa não pode dar sangue se o exa-me, feito no momento antes da doação, concluir que tem algum tipo de doença crónica ou sintoma que possa pôr em risco ou dador ou receptor (anemia, hipertensão ou hipotensão arterial, aumento ou diminuição dos batimentos cardíacos, febre, entre outros).
Da mesma forma, uma grávida ou uma mulher que estiver amamentando não pode doar sangue, a menos que o parto tenha sido feito há mais de 12 meses.
Contudo, é necessário saber que em alguns casos a pessoa não fica para sempre impossibilitada de dar sangue.
REGIÃO NÃO LIMITA DADORES
Ainda que a nível nacional a legislação para a dádiva de sangue apenas tenha sido alterada, este ano, (o critério de “suspensão definitiva” mudou para “suspensão temporária”), para homossexuais e bissexuais, na Madeira já é aceite há muito tempo. O diretor diretor do Banco de Sangue no Hospital Dr. Nélio Mendonça, Bruno Freitas, explica que tal como esta faixa da sociedade, os heterossexuais também podem ter «relações de promiscuidade» e, por isso, prefere tratar os dadores por igual. «Todas as dádivas são tratadas como se fossem a primeira vez e nunca as tratamos como se fossem um problema», explica, recordando que tudo dependerá das análises do voluntário e consulta de enfermagem.
O Serviço de Sangue e Medicina Transfusional efectua colheitas de sangue aos dadores, de segunda a sexta-feira das 08:30 às 13:00 e aos Sábados das 08:30 às 12:00.
Bruno Freitas realça auto-suficiência a nível de todas as componentes sanguíneas
Região não tem falta de sangue
O diretor do Banco de Sangue no SESARAM considera que as colheitas feitas até ao momento têm sido suficientes para os tratamentos na Madeira.
O sangue existente de momento na Região é suficiente para os tratamentos no Hospital Dr. Nélio Mendonça. O diretor do Serviço de Sanguedo Hospital Central do Funchal, Bruno Freitas, é quem o afirma, na medida que o Serviço de Sangue tem «autos suficiência em componentes sanguíneos». No Banco de Sangue, ao longo de2015, foram feitas 5.604 colheitas de sangue e administraram-se cerca de cinco mil unidades.
«Estas cinco mil unidades correspondem a sensivelmente acerca de três mil dadores e são administradas por cerca de dois mil doentes. Os número nem sempre podem ser certos porque há doentes que levam mais unidades que outros», explica Bruno Freitas.
SERVIÇOS COM MAIS USO
São várias as unidades em que o sangue normalmente é utilizado, ao longo do ano, no Hospital do Funchal, mas o maior registo é o no Serviço de Hemato-oncologia e Hematologia Clínica, da Unidade Neutropénia (responsável pelas doenças oncológicas e por doenças no sangue).
«Situações como os politraumatizados [vítima de traumatismos múltiplos], situações de cirurgias com complicações, Região não tem falta de sangue também consomem muito sangue, mas são muito mais esporádicas», realça.
O Serviço de Urgências é o segundo que mais consome sangue no Hospital, existindo neste caso uma mistura de casos.
UMA DÁDIVA, TRÊS VIDAS
A colheita de um dador de sangue está dividida em três componentes: plaquetas, plasma e globos vermelhos ou eritrócitos. Dessa forma é possível ajudar com uma dádiva três pessoas diferentes. «Uma dádiva pode salvar três vidas», como defende a campanha de sensibilização da Organização Mundial de Saúde.
Ainda relativamente a 2015,existem dados relativos a essas colheitas, na medida em que as 5.604 unidades de sangue colhidas no ano passado correspondem: a 5.097ml de globos vermelhos ou eritrócidos (para anemias), a 1250 ml de plaquetas (para hemorragias ou para fazer a prevenção em pessoas que tenham as plaquetas muito baixas) e a 638 ml de plasma fresco congelado (administrado a doentes com défice de fatores de coagulação e que sagram muitos).
Além disso, este sangue é também usado nos Centros de Saúde de Santa Luzia, da Sé e de Santa Catarina. JM
«Todos os dias aparecem dadores novos»
O vice-presidente da Associação de Dadores de Sangue da RAM, José Marques, admite que todos os dias aparecem dadores novos no Serviço de Sangue do Hospital Central do Funchal.
Por mês, conta ainda José Marques, as dádivas são provenientes de aproximadamente 500 dadores.
Atualmente a associação está a divulgar na Internet programas para dinamizar a dá divade sangue e para promover a saúde. A divulgação, por exemplo, de alguns dos problemas que podem trazer problemas a nível sanguíneo como o tabagismo e o alcoolismo.
Além disso, esta associação está em constante procura de novos locais para fazer atividades de promoção desta dádiva voluntária e a organizar ações de esclarecimento em diversas entidades e espaços pela Região.
Uma dessas atividades é ocaso das caminhadas, feitas especialmente aos domingos abertas a todos, informação esta disponível no Facebook.
Petra Teixeira
Fonte: Jornal da Madeira