Assinala-se hoje o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, um serviço cada vez mais necessário

Apesar ser algo tão natural como a vida, a morte é um tema ainda tabu. Têm-se assistido a um aumento da esperança média de vida e consequentemente, o envelhecimento das sociedades.

Contudo, aumentam também as doenças como as cardiovasculares e oncológicas. Patologias que tornam o processo de morrer mais desgastante e complexo em termos de tratamentos. É aí que entram os Cuidados Paliativos, uma alternativa cada vez mais necessária, sobretudo como forma de promoção de uma morte mais digna. E hoje assinala-se o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define-os como “uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável com prognóstico limitado e/ou doenças grave”. 

Os cuidados paliativos, a nível mundial, são uma área onde não houve um grande investimento até recentemente, explica a médica de família com formação avançada em Cuidados Paliativos, Helena Fragoeiro. “Tendo em conta o padrão da mortalidade, onde passamos das doenças infeciosas, onde as pessoas morriam cedo e agora as pessoas morrem cada vez mais tarde com doenças crónicas, acho que tem cada vez mais lugar os cuidados paliativos”, acredita a médica especialista. “Morre-se cada vez mais tarde, mas não significa que haja boas condições.” 

Mas esta área da medicina não tem apenas a ver com fornecer remédios a alguém para tirar as dores. “São cuidados globais para terem mais dignidade na morte. Não estamos aqui para acelerar a morte nem para atrasá-la. Estamos aqui para fazer com que as coisas aconteçam ao ritmo normal, mas com dignidade e menor sofrimento possível. A verdade é que as pessoas hoje em dia acabam por não ter as condições ideais para morrer”, considera. 

Na Região há, no Hospital Dr. João de Almada, a Unidade de Cuidados Paliativos que dispõe de 11 camas e está mais dirigido para as doenças oncológicas. Mas Helena Fragoeiro crê que qualquer doença pode beneficiar deste serviço. “Os cuidados paliativos estão dirigidos a todas as doenças crónicas e debilitantes. Até uma doença que tenha cura, os cuidados paliativos podem ajudar desde que haja grande sofrimento”, esclarece. 

Na RAM ocorrem aproximadamente 2.600 mortes anualmente, das quais cerca de 75% têm lugar a nível hospitalar, evidencia. Dessas, à volta de 1.500 mortes podiam beneficiar de cuidados paliativos, acredita a médica. 

Há também na Madeira uma equipa domiciliária, que trabalha quatro dias por semana. “Uma mais valia” pois permite que haja mais doentes a morrer em casa. “É agora menos comum morrer em casa. 91% dos doentes oncológicos na Madeira morrem no hospital. Se temos um doente que consegue morrer em casa, no meio das pessoas que ama e das suas coisas... Isso é o que eu queria para mim.” 

Difícil para a família 

Ter um doente em fase terminal ou em grande sofrimento é bastante custoso para a própria família. É difícil cuidar de um paciente que se encontra muito débil e há, para as famílias, a ajuda de terem apoio psicológico de modo a amenizar a situação. 

“Um doente em sofrimento avançado muitas vezes não consegue fazer determinadas coisas sozinho, por isso implica muito ter um cuidador. Como é um processo longo, as famílias acabam por ficar exaustas. Às vezes os recursos que têm não são suficientes. Mas a maior parte delas, se tiverem condições, levam os doentes para casa”, sublinha. “Tive um paciente que uma vez me pediu que não o mandasse para casa porque queria ficar no hospital. No fundo, acho que as pessoas não querem estar sozinhas e não querem estar a sofrer.” 

Morre-se cada vez mais tarde, mas não significa que haja boas condições 

Neste contexto de cuidados, os próprios profissionais acabam por ficar ligados aos pacientes de uma maneira ou de outra. Os casos que mais custam são os com quem os médicos passam mais tempo ou se identificam. “É sempre difícil lidar com a morte de um doente porque há ali um contexto emocional. Há dias fui ver uma doente da minha idade com uma filha da idade da minha. É difícil quando pedem para não deixar morrer ainda, quando à partida sabemos qual é o desfecho da situação. Essas são as mais difíceis. Há uma ligação com os doentes”, refere. 

 Apesar do desfecho, Helena Fragoeiro acha impressionante a gratidão que os doentes expressam quando os especialistas os ajudam. “As pessoas ficam tão gratas com tão pouco. Lembro-me de uma das minhas primeiras doentes. Uma vez ela pediu-me uma coca-cola. Só queria isso. E foi suficiente para ela ficar confortável. Se conseguirmos tirar a comichão a um doente para ficar confortável, se conseguirmos dar mais uns dias para ver um familiar ou ter uma festa ou ver o cão... Para nós é um sucesso.” 

Eutanásia: um tema que divide 

Há cerca de duas semanas, a médica Helena Fragoeiro entregou a sua tese de mestrado que aborda a eutanásia. Fez um estudo na Região e enviou um questionário aos colegas para saber a opinião deles. Os resultados foram curiosos, revela. 

De acordo com as conclusões, a maior parte dos médicos que participaram no estudo concordam com a eutanásia. “Se fosse legalizada, há muitos que aceitariam realizá-la e curiosamente são mais ainda aqueles que dizem que se tivesse uma doença incurável, gostariam ter acesso à eutanásia. Portanto do ponto de vista médico e pessoal, varia substancialmente e foi essa a parte que achei mais curiosa”, considera, dando o exemplo: “Enquanto médico posso não concordar, mas enquanto eu pessoa, se calhar gostaria de ter acesso.” 

Na faculdade queremos é curar. Mas é possível dar dignidade quando algo não tem cura 

Quanto à sua posição, preferiu não dar. Mas admite que já um doente pediu-lhe a eutanásia. Era um paciente da Bélgica, onde o procedimento é legal. Nestes casos, há algo que se pode fazer. “É algo que é considerado ético. É a sedação paliativa. Em estado de agonia total, seda-se a pessoa que esta inconsciente até ao final da vida.” 

Alguém que trabalhe nos cuidados paliativos enfrenta vários obstáculos. Desde logo, sensibilizar os colegas médicos para este serviço é um deles. “Na faculdade queremos é curar. Mas é possível dar dignidade quando algo não tem cura. Não conseguimos curá-lo, mas há mais a fazer. Quanto mais cedo os doentes chegarem aos cuidados paliativos, melhor porque conseguimos articular com a família e preparar as coisas”, aponta. 

Mas há outra dificuldade. A situação que choca com a Humanidade de um profissional. “Há também a dificuldade enquanto pessoas. Uma doente da minha idade faz pensar porque ela e não eu. E depois há um apego aos doentes. Essa parte também custa”, remata a médica. 

Levar os cuidados paliativos a mais pessoas 

Helena Fragoeiro tem um projeto em mãos. O objetivo é tentar fazer chegar os cuidados paliativos um pouco mais além. Na Madeira o serviço já existe no sector público e agora a médica quer tentar fazer chegar ao privado, à semelhança do que já existe no continente. 

A vontade é de também chegar a outras doenças que no público não se consegue. “Nem sei se vai ter pés para andar. Mas é uma coisa que gosto de fazer. Sou médica de família, mas nos cuidados paliativos as pessoas ficam tão agradecidas com tão pouco”, reforça. 

No início a especialista irá dar apoio na Clínica de Santa Luzia, onde vai haver também uma consulta a quem quiser, do privado. “É uma coisa à parte, fora do meu horário de trabalho. É mais no sentido de dar oportunidade a outras pessoas. Os cuidados paliativos é para todos. O acesso pode ser complicado porque temos limites, mas é mais uma oportunidade das pessoas recorrerem a um serviço que existe noutros locais, mas não existe aqui”, justifica Helena Fragoeiro. “Vou dar consultas e apoio ao internamento. E mais para a frente, veremos o que se pode fazer em termos de visitas domiciliárias. De momento será só eu e já estou a começar a dar essas consultas.” 

Mas levar os paliativos a mais gente não é apenas em consultas. É também a intenção da médica consciencializar as pessoas que há mais nos cuidados paliativos. “Falta a consciencialização. As pessoas pensam que os paliativos são para os doentes que vão morrer, mas conseguimos fazer tanta coisa ainda. E essa é a mensagem mais importante.”

Patrícia Gouveia

 

Fonte: Diário de Notícias