A nossa vida, em (quase) todas as suas diversas vertentes, rege-se por equilíbrios.

 

O contexto do trabalho não é exceção. O trabalho é uma parte tão importante da nossa vida que a sua falta é-nos prejudicial do ponto de vista económico, financeiro, social e psicológico.

Precisamos de nos sentir úteis, eficazes, ativos, realizados e relacionados profissionalmente, com um sentido de missão, empenhados e envolvidos em atividades que ajudam outros de várias formas, produzindo ou criando serviços de qualquer tipo. E essa participação permite-nos “ganhar a vida”.

 

Esta imagem de equilíbrio simbiótico em que todos ganham, estado, comunidade, empresas, gestores e o profissional/pessoa, faz todo o sentido.

 

Contudo, nem sempre é assim. Por vezes, o equilíbrio parece ameaçado, mas reequilibra-se. Com alguma frequência sentimos fases de maior exigência profissional, que conseguimos ultrapassar positivamente, com tempo, formação, estudo, dedicação, experiência, ajuda, etc. Chamamos stress a estas fases de trabalho mais intensas, em que nos parece que não vamos conseguir recuperar, mas que sabemos terão um fim.

 

Este é um desequilíbrio saudável, pois “damos a volta” e recuperamos. Pior é quando a sensação de impotência, de desânimo, de desespero, de incapacidade de responder a exigências que continuamente e sem tréguas, não temos forma de combater e evitar. Estamos a chegar a um ponto de esgotamento: o burnout (ou burn-out). Sentimentos de exaustão emocional e falta de energia, aumento do distanciamento psicológico e mental relativamente ao trabalho, reduzida realização ou produtividade profissional, são as características deste síndrome.

 

Recentemente o burnout passou a ser reconhecido pela OMS como um síndrome que resulta de um stress ocupacional (profissional) crónico que não foi gerido com sucesso. Vejo esta decisão como um marco nas relações profissionais, na gestão das organizações e na felicidade das pessoas e comunidades.

 

Passo a explicar. Existe um conceito errado e enraizado de que o stress e o burnout são questões individuais, que evidenciam uma “fraqueza” psicológica de algumas pessoas, quase como uma característica pessoal. Esta ideia é errada. Não é um problema individual. É um problema organizacional, social, económico, de saúde pública e, também, individual.

 

​Sociedades que têm muito enraizada a cultura do trabalho, podem não exibir estatísticas de burnout especialmente elevadas, por questões culturais igualmente, mas acabam por se revelar de outras formas mais extremas como a taxa de suicídios ocupacionais. É exemplo o Japão, que, curiosamente até tem uma expressão para a morte por excesso de trabalho: Karochi.

 

A responsabilidade é de todos. Analisando o problema com alguma profundidade, torna-se evidente que não existe nenhum ganho neste desequilíbrio.

 

A pessoa (individualmente) é a primeira a perder e a sofrer com o burnout (pois a este estado associam-se depressões, erros, um sentimento psicológico negativo muito intenso). O impacto ultrapassa rapidamente o indivíduo e o contexto do trabalho e alarga-se à família, a educação, as relações pessoais. No trabalho, as relações profissionais ficam afectadas, a empresa/organização perde também porque a pessoa não está a trabalhar, os colegas ficam com mais trabalho, aumentando o seu próprio risco de burnout. Acrescentam-se despesas desnecessárias, através das taxas de absentismo e presentismo elevadas, custos com desmotivação individual e de toda a equipa que percebe que mais perto estarão de lhes acontecer o mesmo, pois o contexto é o mesmo.

 

Finalmente a sociedade também perde. Economicamente pelos custos de saúde, de produtividade, de impacto nos serviços prestados.

 

Uma sociedade em que os profissionais/pessoas estão doentes não está focada em prestar um bom serviço mas em “sobreviver” psicologicamente, tornando-se virada para si e não para os outros. Os dados nacionais apontam para um país que consome demasiados antidepressivos, tem diagnósticos de depressão acima do razoável. É esta a cultura que arriscamos se não prevenirmos e assumirmos todos, o nosso papel.

 

A saúde mental é um tema premente na sociedade. O contexto do trabalho um contexto privilegiado para intervir nestas áreas, prevenindo doenças e promovendo saúde individual e colectiva. É preciso prevenir, eficaz e realisticamente.

 

O burnout é um tema demasiado importante e com um impacto negativo tão vasto que é urgente criar medidas a todos os níveis: legislativo, governamental, organizacional e formativo.

 

Afinal o que queremos e devemos promover é viver para o trabalho ou trabalhar para viver?

 

Paulo Manica

 

In “JM-Madeira”