A quantidade de ecstasy e cocaína presente nas águas residuais em Lisboa aumentou entre 2016 e 2017. E para explicar este aumento Álvaro Lopes – que participou no estudo realizado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência a 56 cidades europeias – desenhou três “cenários hipotéticos”: estas drogas podem estar a ser consumidas em maior quantidade, por mais pessoas e com um grau de pureza maior.

 

 

Lisboa foi a nona cidade europeia que apresentou maior quantidade de ecstasy nas águas residuais em 2017, quando cada grupo de mil pessoas usou 38,3 miligramas (mg) por dia. E a presença desta substância deu o salto entre 2016 e 2017, aumentando 42,4%. Os dados são do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) que a semana passada apresentou o estudo — também conduzido pelo SCORE Group — que pretende avaliar o uso de drogas ilícitas em 56 cidades europeias de 19 países, partindo da análise das águas dos esgotos dessas cidades realizada em março de 2017.

 

Segundo Álvaro Lopes, investigador na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL) que participou neste estudo, há “três cenários hipotéticos” que podem explicar este aumento. Primeiro, pode haver “mais pessoas” a consumir esta droga. Segundo, pode significar que o grau de pureza da substância é “superior” e por isso aparece em maior quantidade. E em terceiro, esta droga pode estar a ser consumida em “maior quantidade” pelos mesmos utilizadores do ano passado.

 

João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), considera que este aumento pode estar relacionado com o facto de as amostras em Lisboa serem recolhidas na estação de tratamento de águas residuais (ETAR) de Alcântara, que serve a maior zona de diversão noturna de Lisboa, o Bairro Alto.

 

Além da FFUL também o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses participou no estudo em Portugal, que analisou as águas residuais de mais duas cidades portuguesas — Almada e Porto. Em Almada, também se registou um salto na presença de ecstasy: aumentou 6,5 mg entre 2016 e 2017, atingindo os 9,3 mg/ mil pessoas/ dia. Já no Porto, os valores não apresentam alterações entre estes dois momentos, situando-se nos 10,8 mg por dia por cada grupo de mil pessoas.

 

A capital holandesa, Amesterdão, aparece em primeiro lugar: só em 2017 cada grupo de mil pessoas usou 230,3 mg de ecstasy por dia. E segundo os resultados do estudo, o consumo nesta cidade — medido através da presença desta substância excretada na urina — também tem vindo a aumentar ano após ano. Só entre 2015 e 2017 subiu 38,6%.

 

E este não é caso único. Também em Eindhoven — outra cidade holandesa, que ocupa o segundo lugar em 2017— a presença desta droga ilícita aumentou 31,4% entre 2016 e o ano passado. Os hábitos e modos de vida “diferenciados” nestas cidades europeias, onde há “grande” atividade noturna e o consumo de drogas é “mais liberal”, pode, segundo Álvaro Lopes, explicar esta tendência. O investigador da FFUL sublinha também que a “maior capacidade económica” dos consumidores e o “acesso facilitado” a este tipo de substâncias podem também ser dois fatores que justificam estes aumentos.

 

Já as cidades europeias Piešťany, na Eslováquia, e Atenas, a capital da Grécia, são as que apresentam valores menores, rondando os dois miligramas, segundo estima o OEDT.

 

EM LISBOA, O CONSUMO DE COCAÍNA AUMENTOU MAIS DE 5%

 

O ecstasy foi uma das quatro drogas encontradas nas águas residuais de aproximadamente 43 milhões de pessoas, segundo o estudo do OEDT. A cocaína, as anfetaminas, e metanfetaminas são as outras três.

 

Também o uso da cocaína — a mais popular das quatro — tem vindo a crescer nas três cidades portuguesas. A capital portuguesa é a cidade, das três analisadas, que registou a maior quantidade de cocaína o ano passado — 271,6 mg/ mil habitantes/ dia — e um menor aumento entre 2016 e 2017 (5,3%). Pelo contrário, Almada, registou um aumento superior (21%) entre estes dois momentos, mas a quantidade detetada nas suas águas residuais é o mais baixo das três — 82,4 mg. Já o Porto registou o maior aumento: cada grupo de mil pessoas usou mais 69,4 mg de cocaína por dia em 2017 do que no ano anterior. O uso de cocaína na cidade invicta atingiu, no ano passado, 160,2 mg por mil habitantes por dia.

 

Lisboa foi a décima sexta cidade europeia onde se registou maior quantidade de cocaína nas suas águas residuais em 2017. O Porto a trigésima terceira e Almada quadragésima primeira. No topo deste ranking está Barcelona, registando 965,2 mg/ mil pessoas/ dia. Face ao ano anterior, o uso desta substância na capital da região autónoma da Catalunha, em Espanha, aumentou 38%.

 

 “Os vestígios de cocaína nas águas residuais indicam que o uso desta substância é mais elevado nas cidades do oeste e do sul da Europa, particularmente nas cidades da Bélgica, Holanda, Espanha e Reino Unido”, destaca o comunicado do OEDT, sublinhando também que na maioria das cidades da Europa Oriental, o uso desta droga é “muito baixo ou insignificante.”Pelo contrário, os níveis de de anfetaminas analisados nas cidades europeias do sul são “muito baixos”, segundo o estudo. Na capital portuguesa foram detetados 3 mg/ mil habitantes/ dia e em Almada 1,3 mg. Já no Porto o valor é residual. No norte da Europa, os níveis desta substância são “mais elevados”, mas é novamente em Eindhoven, na Holanda, que se registou o maior uso de anfetaminas o ano passado — 27,7 mg/ mil pessoas/ dia.

 

O uso de metanfetamina é “geralmente baixo”, segundo o OEDT, e nas três cidades portuguesas analisadas esta é a droga ilícita menos detetada. Ainda de acordo com a nota publicada pelo OEDT, o uso de metanfetaminas está “ tradicionalmente concentrado” na República Checa, na Eslováquia, no Chipre, no leste da Alemanha e no norte da Europa, particularmente nas cidades da Finlândia e da Noruega.

 

O estudo concluí ainda que as concentrações de cocaína e ecstasy detetadas nas grandes cidades foram “maiores” do que nas cidades mais pequenas. E esta tendência não se verifica nas anfetaminas e metanfetaminas.

 

In “Expresso”