Os jovens, na sua maioria, estão agarrados às tecnologias. Muitos à revelia dos pais. Correm riscos de diversa ordem, nomeadamente em termos de saúde mental.

 

Que se chegue à frente quem, com filhos, sobretudo adolescentes, não tem problemas para os retirar da frente do computador para uma ida à praia, um passeio em família ou uma simples conversa de sofá. São cada vez mais aqueles que demonstram estar dependentes do computador e da internet, situação que causa graves problemas ao nível familiar, social e de saúde. O mais grave disto tudo  que muitos pais têm dificuldade em se aperceber do caso, tendo em conta que os jovens conseguem sempre arranjar 'mil e um truques' para desviarem as atenções e alegar que estão a usar o monitor para estudar e nunca para outros fins que os tornam em autênticos viciados.

 

Não há números concretos sobre a realidade dos jovens madeirenses, mas está à vista de todos que, em todo o mundo, é cada vez maior o número de jovens e até adultos completamente agarrados às novas tecnologias e à internet. Um 'mundo' que pode ser muito útil se usado com moderação. O que acontece é que muitos dos jovens acabam por se isolar da família, dos amigos, da vida social, para se 'fixarem' no seu mundo, o mundo virtual.

 

Nelson Carvalho, da Unidade Operacional de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências (UCAD), admite, ao Jornal, que há jovens e famílias a pedirem ajuda para a libertação deste vício (lidarem com a situação) e refere que há já muitas medidas no terreno que visam sensibilizar para a problemática que a dependência da internet está a causar. A título de exemplo, aponta a campanha que tem vindo a ser levada a cabo desde o ano 2017 e que se denomina 'Estou online. E agora?'. Assim, sobre este projeto da UCAD, que depende da Secretaria Regional da Saúde, Nelson Carvalho adianta que a campanha abrangeu, em 2017, 550 pessoas, enquanto em 2018 foram abordadas 462 pessoas (jovens e adultos). A mesma decorre durante este ano.

 

A campanha começou por abranger apenas o meio escolar (alunos e profissionais), mas Nelson Carvalho adianta que a sociedade em geral está a pedir ações de sensibilização junto de empresas e instituições. O responsável pela UCAD lamenta que seja difícil, por parte dos pais, identificar as situações de vício e consequente necessidade de ajuda. É que é mais fácil identificar aqueles que dependem de substâncias ilícitas do que os que apenas estão viciados na internet, muito embora as consequências deste vício possam ser também arrasadoras. Sobretudo os jovens, deixam de conviver com a família, afastam-se dos amigos e até se esquecem de comer. Tudo para estar “online”.

 

Ao JM, Nelson Carvalho diz que, pelo contacto que tem sido feito com colegas profissionais madeirenses e também ao nível do território nacional, dá para perceber que é preocupante a quantidade de pessoas nesta dependência sem substâncias. Para detetar se o jovem/adulto está viciado ou não, basta verificar se aquele(a) usa a internet como atividade predominante, prioritária.

 

Depois, há outras dicas (sinais de alerta) que demonstram o quanto o jovem/adulto está dependente do computador e da internet.

 

“A luz do monitor interfere com o ritmo circadiano, provocando alterações do sono, cujas consequências podem ser as de aumento da irritabilidade, diminuição de atenção e concentração”, refere. Estas podem levar à diminuição de rendimento escolar, problemas cardiovasculares, metabólicos e osteoarticulares e problemas de crescimento nas crianças e adolescentes, uma vez que interferem com a produção da hormona do crescimento. Ao nível social, esta dependência provoca alterações na interação e comunicação com os outros, conforme adianta Nelson Carvalho. Realçando que um estudo realizado em Chaves, pela docente Ivone Patrão, dá conta de que 84 por cento dos jovens que usavam o telemóvel durante a noite faziam-no à revelia dos pais, o diretor da UACD destaca a importância de os pais incutirem regras um pouco mais rígidas a propósito do uso da internet e, se possível, evitarem que os seus filhos usem a mesma durante a noite.

 

“É fundamental não usar computadores e telemóveis pelo menos uma hora antes de ir para a cama”, defende, acrescentando que, para. além do sono irregular e sem qualidade, há ainda quem entre em depressão, ansiedade social e hiperatividade. E não se pense que conviver, entram em conflito com a são apenas os adolescentes com família, afastam-se dos amigos e até este tipo de problemas. O mesmo se esquecem de comer. Tudo para pode ocorrer nos adultos, com implicações ao nível pessoal, familiar, laboral, social. Implicações essas com que poderão trazer consequências na saúde mental.

 

No que toca ao perfil de utilização, sublinhe-se que há diferenças entre rapazes e raparigas. Elas manifestam maior predisposição para as redes sociais e programas de comunicação, enquanto os rapazes têm mais interesse nos jogos, conteúdos sexuais e apostas online.

 

Nelson Carvalho aponta, por isso, a necessidade de ser previlegiado o tempo para atividades na natureza (serra, praia), para convívios com família e amigos. “A internet,as novas tecnologias também são importantes. Mas se usadas com moderação”, refere, alertando os pais para a importância de estes elucidarem os seus filhos para os diversos perigos que podem correr, não só em termos de saúde e de privacidade social e familiar, como também devido ao facto de, do outro lado do monitor, poder estar alguém muito indesejado e perigoso.

 

Efeitos

 

Uso abusivo das tecnologias tem consequências graves

 

Ainda sobre os adolescentes e o uso excessivo da internet, o JM ouviu Rúben Sousa, outro psicólogo habituado a lidar com casos desta natureza.

 

Sobre esta problemática, aquele profissional afirma que nas últimas duas décadas houve um aumento considerável do uso de computadores e smartphones pelos adolescentes, constatando-se que os mesmos viam menos televisão. Rúben Sousa admite ser possível que esta perceção se relacione com o facto de muitos jovens assistirem aos seus programas televisivos através de outros equipamentos que não a televisão, nomeadamente através de telemóveis ou do computador. Ainda assim, destaca um estudo, denominado 'Eu Kids Online', e que abrangeu 23 mil crianças de toda a Europa, com idades, entre os 9 e os 16 anos. Este concluiu que cerca de 67% das crianças e adolescentes portugueses acedem à net nos seus quartos de dormir, sem a vigilância dos adultos.

 

Considerando que “o tempo dedicado às mais diversas atividades tecnológicas não deve inviabilizar a realização de outras atividades de ocupação de tempos livres e de outras formas de interação social”, Rúben Sousa adianta que a dependência da internet, e especialmente do jogo online, ultrapassa a própria conceção de utilização abusiva e, obviamente, que tem consequências funcionais graves. “Por exemplo, é largamente conhecido que a perturbação do jogo pela internet pode conduzir a um conjunto de situações relacionadas com o insucesso escolar, falta de emprego ou desemprego e mesmo de fracasso conjugal”, sublinha aquele profissional nas declarações prestadas ao JM.

 

 “Como se pode entender, esta tipologia de comportamentos obsessivo-compulsivos tende a desestimular a normalidade das atividades sociais, escolares e familiares, que passam a ser negligenciadas”, acrescenta. Ainda assim, afirma que a internet também traz vantagens.

 

Mais de 40% das raparigas já se sentiram muito incomodadas nas comunicações online

 

A Universidade Nova de Lisboa fez um estudo a dois mil alunos no âmbito do projeto 'Eu Kids Online'. Os inquiridos tinham idades compreendidas entre os 9 e os 17 anos.

 

O estudo revela que em 2018, 22 por cento dos rapazes inquiridos dizem que se sentiram, em alguma vez, muito incomodado, enquanto 44 por cento das raparigas dizem que se sentiram, em alguma vez, muito incomodadas.

 

78% dos inquiridos revelam ter visto vídeos na internet, contra os 50% apontados em 2014 (penúltimo estudo). Oitenta por cento dos ouvidos no último ano revelaram usar a internet para música e 27 asseguraram que além da música e de vídeos também usaram para os trabalhos escolares. Oitenta e nove por cento dos jovens com idades entre os 15 e 17 inquiridos revelaram usar a internet.

 

Carla Ribeiro

 

In “JM-Madeira”