Mais um projeto científico, mais uma bolsa de investigação. Desta vez, trata-se do início de um ciclo que poderá ser usado para descobrir novas terapias e até, quem sabe, uma cura para o Mieloma Múltiplo.

 

Na semana passada decorreu a entrega do prémio da 3.ª edição da Bolsa de Investigação em Mieloma Múltiplo. Organizada pela Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL) e com a Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH), que contou ainda com o apoio da bio-farmacêutica Amgen. Esta bolsa, cuja entrega se realizou no Lisbon Secret Spot, em Monsanto (Lisboa), tem como objetivo “promover o desenvolvimento de  tratamentos mais efetivos e/ou mais seguros que permitam aos doentes prevenir a progressão da doença e aumentar a sobrevivência geral e a qualidade de vida”.

 

Nesta terceira edição “quem levantou a taça” foi uma equipa de três investigadores: Vasco Bonifácio (doutorado em Química), Margarida Diogo (doutorada em Biotecnologia) e Sandra Pinto (também doutorada em Química). Estes irão receber uma verba de 10 mil euros para desenvolverem o seu projeto, designado de Osteoglutis – cujo objetivo é usar a diferenciação osteogénica como alvo terapêutico no tratamento do Mieloma Múltiplo.

 

Osteoglutis: uma esperança para o futuro?

 

 “A nossa especialidade não é, de todo, no diagnóstico da doença nem nos dados epidemiológicos. Nós, contudo temos informação sobre alguns fenómenos que ocorrem nesta doença, nomeadamente um desequilíbrio existente entre a produção e a degradação do osso, e, como investigação básica, queremos desenvolver uma estratégia que atue nesse problema”, começou por esclarecer Margarida Diogo.

 

Segundo Vasco Bonifácio, “o projeto consiste na diferenciação osteogénica em que células estaminais são diferenciadas em osteoblastos – células ósseas –, usando para isso umas nanopartículas oxidantes (os agentes que neste projecto irão promover a diferenciação das células estaminais em osteoblastos) como mediador”.

 

Sendo as nanopartículas “fáceis de produzir”, e sendo “sustentáveis para o meio ambiente e implicarem um baixo custo [na sua produção], podem ser produzidas em larga escala na indústria farmacêutica”, explica. O investigador principal esclareceu que se preocupa muito com a temática da sustentabilidade e afirma-se como um profissional “na área da química verde”, com o cuidado de produzir substâncias que “não sejam prejudiciais ao meio ambiente”.

 

Assim sendo, serão “estas células a própria arma de defesa contra o Mieloma Múltiplo”, elucida Vasco Bonifácio.

 

 “E como é que isto pode atuar?”, perguntou Margarida Diogo. “As próprias nanopartículas poderão ser utilizadas pelo próprio doente como um medicamento para promover o crescimento de células do osso”, mas também pode, por outro lado, ser utilizado “no laboratório (in vitro) para produzir essas mesmas células”, em vez de serem produzidas diretamente no corpo do doente. Posteriormente, poderão ser transplantadas para o corpo do paciente. Ou seja, existem duas terapias possíveis se estes três especialistas se basearem nesta estratégia.

 

 “Existe ainda uma terceira vertente que se pode colocar em prática”, esclareceu Sandra Pinto, “que consiste na utilização destas nanopartículas como transportadores de fármacos” para que o transporte seja mais eficiente. Tal permitirá “reduzir a quantidade [dose] necessária de medicação para o tratamento” e, consequentemente, reduzir também os efeitos adversos/secundários das terapias existentes. No entanto, este “é um plano de contingência”, declarou Margarida Diogo.

 

Quando questionados sobre o que ainda falta fazer para encontrar um tratamento de cura efetivo para o MM que é considerada, atualmente, uma doença incurável e que não se baseie apenas num aumento de esperança de vida, os três investigadores do Técnico afirmaram que descobrir “curas para doenças que não têm cura é um processo complicado”, não tendo a certeza se a sua “estratégia poderá, algum dia, conduzir a uma cura total para esta doença”. No entanto, consideram que este “pode ser um passo mais pequeno no sentido de melhor esclarecer o que acontece nesta doença, acabando, no fundo, por ser uma contribuição científica”. Não descuram a hipótese de serem os impulsionadores para uma grande e diferenciadora descoberta: “pode ser até que, com o tempo e o progresso da investigação, nos apercebamos que a nossa estratégia pode ser interessante, mas que sozinha não é suficiente, mas que, em combinação com outras que já existam, que venham a ser desenvolvidas ou estejam já em desenvolvimento, possam representar um passo importante que permita melhorar ainda mais a vida destes doentes”.

 

É caso para dizer que terá de se aguardar pela próxima edição da bolsa de investigação para saber quais os resultados obtidos desta investigação.

 

Mas afinal, o que é o Mieloma Múltiplo?

 

O Mieloma Múltiplo (MM) “é uma doença oncológica rara atualmente sem cura e que constitui 1% de todas as doenças oncológicas, representando, no entanto, 10% se considerarmos apenas as doenças hemato-oncológicas. Esta percentagem representa cerca de 600 doentes por ano [e cerca de 300 novos casos por ano]”, explica o investigador principal do projeto vencedor, Vasco Bonifácio, do Instituto de Bioengenharia e Biociências (IBB) do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa (IST-UL).

 

Na maioria dos casos, esta doença hematológica maligna surge após os 50-60 anos e o seu diagnóstico é apenas passível de ser efetuado em estadios já avançados, uma vez que esta doença é assintomática e apenas demonstra sinais quando já se instalou no corpo há algum tempo. Devido à perda óssea, os sintomas mais recorrentes são dores ósseas, fraturas frequentes (na coluna, ossos pélvicos, costelas ou crânio), anemia, insuficiência renal, aumento de infeções, entre outros.

 

Vasco Bonifácio esclarece que existe “uma série de sintomas que poderão ter depois de ser despistados por um médico”.

 

O apoio e o financiamento da investigação científica portuguesa é essencial para o bem de todos

 

O vice-presidente da APCL, Carlos Horta Costa, não tem dúvidas que é “fundamental existir investigação científica em Portugal, nomeadamente em doenças raras, como no caso do Mieloma Múltiplo”, motivando outros investigadores e reunindo “três pilares importantes de uma associação de doentes como é o caso da APCL (Associação Portuguesa contra a Leucemia), a Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) que, no fundo, reúne todos os hematologistas, e uma indústria farmacêutica para tornar estas iniciativas e projetos realizáveis”.

 

Por sua veza, o Diretor-Geral da Amgen, Tiago Amieiro, afirmou que, ao aliar-se como patrocionador, a farmacêutica tem como objetivo divulgar “a doença rara e mortal, desde o seu diagnóstico e tratamento até à qualidade de vida e às dificuldades que os doentes vivem no dia-a-dia”, com a pretensão de “gerar o debate sobre a doença e, simultaneamente, fomentar a investigação em Portugal”.

 

Em jeito de conclusão, o Presidente da APCL, Manuel Abecasis, explicou que, a seu ver, “o projeto vencedor irá contribuir para um melhor e maior conhecimento das interações entre as células do mieloma e o estroma da medula óssea, abrindo perspetivas para o desenvolvimento de novas modalidades de tratamento”.

 

Veremos quais os desenvolvimentos no decorrer do próximo ano, naquela que será a 4.ª edição da bolsa de investigação.

 

Erica Quaresma

 

In “JM-Madeira”